DEMOCRACIA LIBERAL EM ECONOMIAS GLOBAIS: DESAFIOS À PRESERVAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DEMOCRÁTICOS EM ECONOMIAS DE LIVRE MERCADO

DEMOCRACIA LIBERAL EM ECONOMIAS GLOBAIS: DESAFIOS À PRESERVAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DEMOCRÁTICOS EM ECONOMIAS DE LIVRE MERCADO

20 de dezembro de 2023 Off Por Scientia et Ratio

LIBERAL DEMOCRACY IN GLOBAL ECONOMIES: CHALLENGES TO THE PRESERVATION OF DEMOCRATIC PRINCIPLES IN FREE MARKET ECONOMIES

Artigo submetido em 4 de novembro de 2023
Artigo aprovado em 01 de dezembro de 2023
Artigo publicado em 20 de dezembro de 2023

Scientia et Ratio
Volume 3 – Número 4 – Dezembro de 2023
ISSN 2525-8532
Autor:
Helena Delgado Fialho Moreira[1]

RESUMO: Embora não se possa apresentar como novo o cenário de questionamento acerca da eficiência dos governos democráticos em enfrentar crises financeiras que podem abalar rápida e severamente economias integradas globalmente, com graves repercussões no tecido social de legitimação dos poderes constituídos, o fato é que não se tem, até o presente momento, construído mecanismos adequados e suficientes de reformulação da complexa dinâmica envolvida na interligação de elementos-chave que vão, desde o incremento do modelo de capitalismo financeiro, desregulamentação de mercados, retração da regulamentação estatal,  até a extrema concentração de renda, com crescimento da pobreza e das desigualdades sociais e perda de confiança na política. O presente trabalho busca, assim, através do método dedutivo e por meio de análise de trabalhos doutrinários desenvolvidos acerca da presente problemática, contribuir para a análise e sopesamento integrado de toda essa gama de fatores imbricados e interrelacionados, que se retroalimentam mutuamente, destacando o papel central e disruptivo que o agravamento das desigualdades econômicas, que se decantam social e politicamente de forma altamente negativa, representa para a própria preservação dos sistemas democráticos de governo em tempos tão desafiadores. Ao final, pode-se concluir que, apesar de ser possível e desejável a coexistência de sistemas econômicos de matriz capitalista, com regimes democráticos de governo, faz-se necessário um mútuo enquadramento que, preservando as essências de um e de outro, alcance um equilíbrio entre dois valores, dentre diversos outros, muito caros à humanidade: liberdade e igualdade.

Palavras-chave: Democracia. Liberalismo. Economia. Globalização. Capitalismo. Desigualdades.

ABSTRACT: Although the scenario of questioning the efficiency of democratic governments in facing financial crises that can quickly and severely affect globally integrated economies cannot be presented as new, with serious repercussions on the social fabric of legitimacy of the constituted powers, the fact is that there is no , to date, adequate and sufficient incorporation of reformulation of the complex dynamics involved in the interconnection of key elements ranging from the increment of the financial capitalism model, market deregulation, retraction of state regulation, to the extreme concentration of income, with growing poverty and social inequalities and loss of confidence in politics. The present work seeks, therefore, through the deductive method and through the analysis of doctrinal work developed on the present issue, contributing to an integrated analysis and weighing of all this range of interrelated and interrelated factors, which mutually feed back, highlighting the role central and disruptive that the aggravation of inequalities protect, which are socially and politically highly negative, represents for the very preservation of democratic systems of government in such challenging times. In the end, it can be observed that, although the coexistence of economic systems of a capitalist matrix is ​​possible and desirable, with democratic government regimes, a mutual framework is needed that, preserving the essences of one and the other, achieves a balance between two values, among many others, very dear to humanity: freedom and equality.

Keywords: Democracy. Liberalism. Economy. Globalization. Capitalism. Inequalities.

1 INTRODUÇÃO

“Many forms of Government have been tried, and will be tried in this world of sic and woe. No one pretends that democracy is perfect or all-wise. Indeed it has been Said that democracy is the worts form of Government except for all those other forms that have been tried from time to time.[2]

Muito tempo transcorreu desde que, em novembro de 1947, Winston Churchill proferiu sua célebre crítica à democracia como regime político imperfeito e insatisfatório – exteriorizando uma idéia que, ademais, nem era mesmo originalmente sua[3], como deixa claro ao empregar a expressão it has been said, (tem sido dito), como se tratasse de uma percepção já bastante comum à época.

Uma percepção generalizada, vale ressaltar, que se tem sensivelmente agravado de modo bastante preocupante nos dias atuais, quando nos encontramos em um ponto tão crítico e sensível, confrontados com cenários não estanques de crises complexas e sobrepostas – climáticas, financeiras, sanitárias, humanitárias, dentre outras – que parecemos mesmo prestes a sucumbir ao risco de reavivar e aprofundar quadros de ruptura política historicamente já experimentados e que então nos pareciam solenemente superados e rejeitados[4].

Na introdução a sua obra, Ruptura: A crise da Democracia Liberal, CASTELLS principia por alertar para a existência de uma crise mais profunda, a potencializar de modo preocupante nossa incapacidade de compreender e agir frente às dificuldades e desafios que os tempos recentes nos impõem: o rompimento da relação de identificação e confiança entre  governantes e governados. Segundo o autor[5]:

“A desconfiança nas instituições, em quase todo o mundo, deslegitima a representação política e, portanto, nos deixa órfãos de um abrigo que nos proteja em nome do interesse comum. Não é uma questão de opções políticas, de direita ou de esquerda. A ruptura é mais profunda, tanto em nível emocionl quanto cognitivo. Trata-se do colapso gradual de um modelo político de representação e governança: a democracia liberal que se havia consolidado nos últimos séculos, à custa de lágrimas, suor e sangue, contra os Estados autoritários e o arbítrio institucional.”

Não à toa, recente obra de ciência política, ao alertar sobre as formas “como as democracias morrem”, acabou por ultrapassar um público que poderia quedar restrito aos meios acadêmicos, sendo traduzida e editada em diversos países[6].

Ao longo das últimas décadas, com efeito, vários autores dos mais diversos campos das ciências sociais tem dedicado suas pesquisas à compreensão desse fenômeno comumente percebido como uma crise da democracia representativa ou, como mais profundamente identifica DUSO[7], uma substancial problemática de representação política, que se encontraria na raiz do fenômeno de gradual fragilização e desgaste acentuado do modelo democrático como estudado atualmente.

Como alerta o autor, a percepção popular quanto à dissociação entre as figuras de representantes e representados, traduzida no progressivo distanciamento entre a forma com que são conduzidas as políticas públicas, por meio dos representantes democraticamente eleitos, e aquelas propostas que mais idealmente representariam os legítimos anseios e carências do eleitorado constituiria, enquanto medida da crise de legitimidade do modelo político em questão, uma significativa evidência de falha substancial na concretização do princípio representativo, essencial ao regime democrático.

Nas palavras de DUSO[8]:  

“da Hobbes alla moderna democrazia non si dà Stato se non mediante il principio rappresentativo. Qui si condensa sia il problema della direzione, del governo e della differenza tra governati e governanti – e dunque della obbligazione politica –, sia, nello stesso tempo, quello del rapporto tra rappresentante e rappresentati, della costituzione cioè, mediante la rappresentanza politica, dell’identità del popolo e dell’espressione del suo stesso agire. “ (p. 211-212)

Por seu turno, TOPLISEK destaca que a série de protestos públicos desencadeados ao redor do mundo, a partir do final da década passada, poucos anos após a eclosão e alastramento de um dos mais graves colapsos financeiros e econômicos mundiais desde a grande depressão de 1930, representa fenômeno profundamente imbricado com a já decantada crise da liberal democracia – assunto que não seria propriamente novo para o debate acadêmico, como ressalta o autor[9].

No início de sua obra Liberal Democracy in Crisis: Rethinking Resistance under Neoliberal Governmentality, TOPLISEK[10] elenca algumas externalidades mais comuns da desconfiança na capacidade de governar das democracias, que bem podem decantar-se de variadas formas em diferentes níveis da sociedade: (i) queda no apoio a partidos políticos estabelecidos, especialmente os de orientação mais centralizada no cenário democrático, tanto com inclinação à social-democracia de centro-esquerda, quanto à liberal de centro-direita, com declínio na respectiva filiação partidária e redução drásticas dos respectivos percentuais de votos; (ii)  perda de legitimidade das instituições democráticas formais, consideradas como pouco representativas pela base do eleitorado; (iii) profissionalização da política, que induz à cristalização de uma categoria social que tende a sobrepor seus próprios interesses àqueles de seus eleitores[11]; (iv) alinhamento dos principais partidos políticos a agendas centradas no chamado consenso neoliberal, conduzindo a uma mudança substantiva do papel das instituições de Estado em um contexto de integração no mercado global, em detrimento das franjas sociais mais vulneráveis a essa “mercantilização da sociedade”.[12]

Nesse rol, guardaria ainda especial local de destaque a observação de um recorrente e atual fenômeno, que afeta diretamente a legitimidade do próprio pacto representativo, ao fragmentar a identificação entre governados e governantes: as significativas taxas de abstenção do eleitorado por ocasião de eleições gerais realizadas em regimes democráticos, a revelar uma subliminar e danosa exclusão sócio-política interligada e potencializada pela desigualdade econômica.

Como bem ressalta MERKEL:

“The crucial problem democracy theory faces is not the turnout figures themselves but the social selectivity they imply. The empirically proven rule of thum is that the lower the electoral turnout, the higher the social exclusion within the context of elections.[13]

É sabido, entretanto, que a pesquisa sobre as diversas e imbricadas causas dos estremecimentos e fissuras dos tradicionais modelos constitucionais de representação democrática, notadamente em sua variante de matriz liberal – identificada pela consagração de liberdades e direitos individuais, sociais e políticos, da previsão de mecanismos de limitação e controle do Estado, bem como da possível alternância no exercício do poder político, através de eleições livres, amplas e periódicas – não se revela tarefa simples, eis que necessariamente já se há de iniciar enfrentando as conhecidas dificuldades em definir com consistência científica o objeto em si de tais estudos: a própria democracia, um conceito polissêmico por essência.

Como refere VOIGT, “sistemas políticos nos quais o poder estatal parte do povo costumam ser chamados ‘democracias’”. Uma das questões centrais na matéria, entretanto, reside justamente na indagação acerca do(s) modo(s) como tal poder seria pelo povo exercido, ou, como aponta com mais precisão o autor, “como união e vontade do povo podem ser geradas no processo político”. É nesse diapasão que emerge o princípio representativo como um dos elementos constitutivos da democracia liberal, na medida em que é essa “compreendida como síntese de duas tradições diferentes: da tradição liberal do domínio da lei e direitos individuais e da tradição democrática da soberania do povo.[14]

Enquanto nítida construção histórico-cultural[15], que foi se desenvolvendo a aperfeiçoando ao longo dos tempos para permitir a progressiva construção e preservação de canais de equacionamento e distensão dos conflitos sociais inerentes à disputa, conquista e mantença de espaços políticos de exercício do poder em sociedades organizadas – de modo a permitir o incremento do desenvolvimento econômico por meio de uma relativa estabilização sócio-política, condição necessária à segurança jurídica, tão cara às chamadas economias de mercado – por evidente que, em se tratando de democracia liberal representativa, não se poderia trabalhar com definições estanques e perfeitamente categorizadas, mas com um leque de perspectivas múltiplas, variáveis no tempo e espaço e que apenas fazem por refletir a complexidade inerente a tal modelo de organização política.

De um modo mais geral, como sintetiza CASTELLS, a democracia liberal consistiria em um sistema hábil a garantir não apenas o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, mas igualmente a proteção de direitos políticos inerentes ao exercício da cidadania “incluídas as liberdades de associação, reunião e expressão, mediante o império da lei protegida pelos tribunais”. O modelo político em questão ainda deveria assentar-se nos princípios da separação tríplice de poderes, com eleições livres e periódicas de seus respectivos dirigentes – categoria em que o autor, vale destacar, compreende todos os que ocupem “cargos decisórios em cada um dos poderes” – assegurando a supremacia da constituição, bem como de mecanismos de controle formais e substanciais do poder estatal “e, claro, exclusão dos poderes econômicos ou ideológicos na condução dos assuntos públicos, mediante sua influência sobre o sistema político”.[16]

É precisamente no que respeita a esse último tópico, entretanto, que se pode identificar um dos componentes mais sensíveis a se destacar nesse caldo atual de crises sobrepostas e interrelacionadas[17] que, ao corroer a essência do sistema de democracia participativa – consistente no próprio ideal de representatividade, como fundamento legitimante do poder político exercido em nome do povo, subjetivamente plasmado na identificação majoritária dos eleitores com seus representantes – fazem emergir as imperfeições e fragilidades do modelo democrático em um contexto político-econômico de matriz liberal: a dissonância básica entre a lógica idealmente voltada à realização do bem comum, alma das políticas democráticas, e o princípio egoístico da acumulação de riquezas e maximização de lucros, essencial à mecânica dos sistemas capitalistas, enquanto voltada à otimização da eficiência econômica.[18]

Na medida, porém, que já se encontra razoavelmente assentada a percepção de que um maior grau de liberdade econômica – um dos mais importantes vetores das chamadas economias de livre mercado – teria potencial de influir positivamente na qualidade das democracias[19], seria de se indagar se efetivamente haveria um modo de manter-se um sistema político democrático, preservando-se sua essência representativa, em regimes econômicos capitalistas que consagrem a ampla liberdade de mercado, ou se efetivamente a história será testemunha da derrocada e superação do modelo democrático liberal que restou consagrado principalmente a partir do último quarto do século passado, passando-se ao abandono da experiência de coexistência, ainda que nem sempre harmônica, entre liberdades políticas e econômicas.

Por outro prisma, como bem ressalta SEN[20], “há poucas evidências gerais de que governo autoritário e supressão de direitos políticos e civis sejam realmente benéficos para incentivar o desenvolvimento econômico”, destacando-se especialmente o papel “instrumental” desempenhado pelas liberdades políticas, quando efetivamente traduzidas em mecanismos legítimos de pressão popular sobre governantes, em sistemas democráticos sujeitos ao desalinhamento da representatividade das camadas mais profundas da sociedade, em razão da esmagadora influência de dissonantes interesses defendidos pelo capital financeiro e grandes conglomerados econômicos sobre os atores políticos.

A presente pesquisa, assim, através do método dedutivo e por meio de análise de trabalhos doutrinários desenvolvidos acerca da presente problemática, dirige-se ao estudo e compreensão da complexa e imbricada dinâmica entre a preservação dos elementos estruturantes da democracia representativa, de matriz liberal, em regimes econômicos igualmente ditos liberais – ou, mais propriamente, neoliberais – que conformam os modelos de governança estatal à máxima proteção à liberdade dos mercados, marcadamente globalizados e minimamente regulados, ao amplo trânsito de capitais e a uma danosa mercantilização das mais variadas esferas da vida privada e social[21].

Há razões para refletir e muito, portanto, não apenas por quais motivos segue a democracia, enquanto sistema político reconhecidamente imperfeito – e, como se pressente de forma ainda mais aguda desde o raiar de nosso século, deveras fragilizado perante os novos e conturbados tempos, plenos de tecnologias em rede ineditamente disruptivas e desafiadoras – a permanecer como valor precioso a ser preservado em sociedades institucionalmente organizadas em forma de Estado.

Há que se perquirir, sobretudo, como ser revigorado e fortalecido esse ideal democrático que se aprecia por si mesmo e por todos os valores subjacentes que bem lhe representam ao longo da história humana – por mais atribulada que ela reconhecidamente se apresente nos tempos atuais.

2 A PROBLEMÁTICA PRESERVAÇÃO DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA EM REGIMES DE ECONOMIA DE LIVRE MERCADO

“Democracia, escreveu faz tempo Robert Escarpit, é quando batem na sua porta às cinco da manhã e você supõe que é o leiteiro. Nós que vivemos o franquismo sabemos o valor dessa visão minimalista de democracia, que ainda não foi alcançada na maior parte do planeta. Contudo, após milênios de construção de instituições às quais possamos delegar o poder soberano que, teoricamente, nós cidadãos detemos, aspiramos a algo mais. E de fato é isso que o modelo de democracia liberal nos propõe. ”[22]

Ao longo dos últimos dois séculos, como bem observa MERKEL[23], capitalismo e democracia provaram ser os mais bem sucedidos sistemas de ordem econômica e política, respectivamente – com notória prevalência do primeiro ao redor do mundo, à exclusão de alguns poucos e isolados países, como a Coreia do Norte[24], que se mostraram capazes de resistir ao sucesso do capitalismo basicamente à custa de regimes de força, com acentuada restrição a liberdades individuais e sócio-políticas.

Todavia, como ressalta o autor, embora evidências históricas confirmem que não exista maior campo para o desenvolvimento de regimes democráticos sem um razoável anteparo econômico de matriz capitalista, não se mostra possível concluir reversamente que a otimização da liberdade de mercado dependa necessariamente de um modelo político que consagre os primados democráticos – considerando-se, inclusive, o registro de diversas matizes de regimes autoritários de viés capitalista, como os da América Latina e da Ásia no século XX[25], que evidenciam a viabilidade de subsistência desse regime econômico nos mais diversos espectros de liberdade política e social.

Com efeito, analisando-se os dez países mais bem classificados em hanking elaborado com base em comparação entre índices de liberdade econômica e de democracia, aferidos em 2019, pode-se constatar que os Emirados Árabes, identificado como regime autoritário que efetivamente representa, logra figurar em 9ª posição quanto ao grau de liberdade econômica – cujos pilares fundamentais seriam a escolha pessoal, a troca voluntária, a liberdade de entrar nos mercados e competir, a segurança da pessoa e da propriedade privada[26].

Entretanto, ainda que se possa identificar países com maior grau de liberdade econômica sob governos classificados como autoritários[27], não se poderia efetivamente afirmar de modo válido que o emprego de regimes de força, notoriamente centrados na supressão de direitos civis e políticos como mecanismo eficiente de coerção social, maximizem a operação funcional dos mercados, otimizando ou incrementando significativamente os ganhos econômicos – muito menos que o façam de modo direcionado à promoção de partilha de riquezas e redução de desigualdades[28].

Nesse ponto, SEN dedica-se, em sua obra Desenvolvimento como liberdade, a “demonstrar que a intensidade das necessidades econômicas aumenta – e não diminui – a urgência das liberdades políticas”. Em sua lição[29]:

“As verdadeiras questões que têm de ser abordadas residem em outra parte, e envolvem observar amplas inter-relações entre as liberdades políticas e a compreensão e satisfação de necessidades econômicas. As relações não são apenas instrumentais (as liberdades políticas podem ter o papel fundamental de fornecer incentivos e informações na solução de necessidades econômicas acentuadas), mas também construtivas. Nossa conceituação de necessidades economias depende crucialmente de discussões e debates públicos abertos, cuja garantia requer que se faça questão da liberdade política e de direitos civis básicos.”

Em sua clássica obra, Capitalismo e liberdade, FRIEDMANN já cuidara da correlação entre liberdades econômicas e políticas, alertando que o próprio curso da história confirmara ser a concentração do poder pelos governos uma grande ameaça ao exercício amplo das liberdades – embora venha a reconhecer como imprescindível o papel do Estado na proteção e garantia de uma sociedade livre. Nas palavras do autor:

“A organização econômica desempenha um papel duplo na promoção de uma sociedade livre. De um lado, a liberdade econômica é arte da liberdade entendida em sentido mais amplo e, portanto, um fim em si própria. Em segundo lugar, a liberdade econômica é também um instrumento indispensável para a obtenção da liberdade política.”[30]

Uma das idéias defendidas por FRIEDMANN, inclusive, consistiria na compreensão de uma função de contrapeso e balanceamento que a liberdade do mercado, cujo exercício poderia ser amplamente dispersado entre os diversos atores econômicos – ainda que dependentes, por evidente, de um Estado regulador mínimo, hábil a fixar e garantir a aplicação das regras de funcionamento da economia, dentro dos moldes do liberalismo clássico – exerceria em relação à esfera de atuação dos agentes políticos, ao permitir a desconcentração e, em consequência, o desprendimento do processo de tomada de decisões econômicas pelo mercado, em apartado à organização e condução das estruturas deliberativas de ordem essencialmente política.[31]

Tal tinha de pensamento liberal, embora guardasse o mérito de antever a desastrosa degradação de sistemas de economia planificada em governos autoritários, mantidos mediante contenção substancial e/ou eliminação de liberdades políticas e sociais – por se mostrar essencialmente inviável a coordenação centralizada de decisões econômicas sem o emprego amplo de mecanismos de coerção estatais – acabou por não ser referendado historicamente quanto à concretização dos apregoados méritos do funcionamento perfeito e otimizado – e, quiçá por isso mesmo, inalcançável na prática – de mercados impessoais que, em teoria, serviriam, inclusive, como mecanismos de proteção de grupos minoritários contra discriminações não relacionadas a sua respectiva produtividade[32].

Como bem alerta SEN, “mesmo na obtenção de eficiência, o mecanismo de mercado pode às vezes não ser totalmente eficaz, em especial na presença dos chamados ‘bens públicos’ – que seriam aqueles passíveis de apropriação apenas de modo conjunto pela sociedade, como no caso da preservação ambiental, ou mesmo do combate a epidemias, para ficarmos em temas atuais de relevância inquestionável – em que a racionalidade dos mercados seria manifestamente insuficiente para suprir necessidades coletivas que extrapolariam a mera oferta ao consumo individual de bens e serviços de natureza essencialmente privada.[33]

De modo mais marcante a partir dos anos 70, de fato, o que se percebeu com a progressiva consagração do capitalismo de auto-regulação de mercados, de clara matriz neoliberal, com livre circulação de capitais em escalas cada vez mais globalizadas e dinâmicas – reformulando drasticamente as relações entre economia e Estado, em progressiva superação às formas do chamado Keynesian welfare state capitalism[34] – foi o verdadeiro esgarçamento das fronteiras de interferência e pressão do poder econômico sobre a esfera da racionalidade política.

Como bem apontou MERKEL[35], ao traçar as principais distinções entre os diversos tipos de capitalismo – (i) de mercado liberal, (ii) organizado e tradicional (organized and embedded capitalism) e (iii) neoliberal – é fato que esse último modelo representou uma significativa reformulação do sistema capitalista tradicional, fortemente enquadrado pelo Estado e  consagrado principalmente após a segunda guerra, passando a projetar-se fortemente através da progressiva adoção de políticas verdadeiramente disruptivas do precário equilíbrio que vinha sendo mantido pela moldura capitalista até então prevalente nas maiores democracias ocidentais.

Observou-se assim, notadamente a partir dos últimos 50 anos, sob a ótica do projeto neo-liberal de Estado mínimo e máxima liberdade econômica, um significativo incremento à desregulamentação de mercados, com substancial impulso à financeirização da economia[36], adoção de políticas de privatizações e de desconstrução crescente do estado de bem estar social – tudo em um cenário de livre fluxo globalizado de capitais, internacionalização de redes de produção e de consumo, avanço de tecnologias substitutivas de mão-de-obra não especializada, esvaziamento de sistemas de proteção social, incremento de desemprego e crescimento das desigualdades sócio-econômicas.

Nesse passo, sob forte influência de um prisma notadamente individualista de maximização de ganhos e diluição de prejuízos, por subverter-se de forma grave a própria lógica do jogo democrático, ao contaminar de forma indelével os complexos mecanismos de racionalidade política, que se haveria de guiar essencialmente pelo ideal de proteção e tutela do bem comum, direcionados à concretização de uma maior justiça social.

Nesse aspecto, como bem ressalta GOLDMANN, analisando as idéias de Amartya SEN, embora a racionalidade pública não seja capaz necessariamente de conduzir, por si só, a resultados ideais, serviria ela em tese, pelo menos, à prevenção de injustiças graves e claramente remediáveis. Na visão de SEN, decisões resultante desse processo tenderiam a ser consideradas eticamente superiores e mais inclusivas, especialmente quando gestadas em sociedades pluralísticas, enquanto direcionadas à ponderação de todos os interesses envolvidos e afetados pelo exercício da autoridade pública[37].

Segundo GOLDMANN, desde o Iluminismo, pode-se distinguir duas diferentes, embora interrelacionadas, perspectivas acerca das possíveis causas de ser  a democracia a forma de governo preferível – e, portanto, dominante, ao menos na maior parte dos países ocidentais, mesmo que de forma algo falha[38]. A primeira abordagem restaria focada no aspecto intrínseco da formatação de decisões políticas (input aspect of politics), de modo a se concluir que a democracia é preferível como forma de governo por razões transcendentes (a priori) porque estabeleceria um quadro institucional moralmente justo para o exercício da autoridade pública. Já a segunda abordagem enfatizaria o aspecto político extrínseco (output) à racionalidade política, de modo que a democracia seria preferível por razões instrumentais, eis que facilitaria o avanço do bem estar social[39].

Contrariamente a tal propósito, entretanto, as estruturas de governança, ao influxo de uma verdadeira mercantilização da sociedade[40] acabaram mesmo por sucumbir à pesada força do jogo econômico, instrumentalizando a internacionalização e fragmentação da cadeia produtiva em detrimento dos recursos humanos e materiais locais, eliminando ou fragilizando garantias historicamente conquistadas pelos trabalhadores, implantando políticas enviesadas de tributação e incentivos fiscais e minimizando ou precarizando sistemas de benefícios sociais e assistenciais, protetivos das camadas mais vulneráveis da população – dentre outras medidas que igualmente não nos são estranhas – que acabaram por minar severamente a rede social de proteção estatal aos mais desfavorecidos economicamente, incrementando desigualdades severas e promovendo acentuada concentração das riquezas em poucas e não desinteressadas mãos.

Na análise desse intricado fenômeno político-econômico de influência global – que acabou por entrelaçar de modo aparentemente indissociável a ascensão do chamado neoliberalismo e a reformulação das estruturas de governança de acordo com os princípios do livre mercado, alinhados à internacionalização do capital financeiro – como bem ressalta TOPLISEK, com extrema agudeza, não se há de desviar o foco do exame dessa significativa mudança de curso político da racionalidade governamental que, ao se reorganizar sob a condicionante da tutela da economia de mercado, impacta de modo negativo a coesão social, agravando acentuadas desigualdades e injustiças sócio-econômicas[41].  

Como antes já destacado, as bases lógicas entre capitalismo e democracia diferem substancialmente, coexistindo sob considerável e permanente tensão, uma vez que a essência legitimante de um e outro é mesmo de natureza largamente diversa. Por um lado temos a consagrada lógica capitalista, que se direciona organicamente à desigual distribuição de riquezas – uma vez que sua acumulação reconhecidamente funciona tanto como incentivo aos agentes econômicos para correr os riscos inerentes a todo empreendimento, através da apropriação dos lucros gerados pela exploração empresa, quanto representa pressuposto necessário ao próprio investimento de capital em atividades produtivas. Por seu turno, como já antes referido, a racionalidade político-democrática encontra-se direcionada à realização do bem comum, orientada pela primazia ao princípio da igualdade de direitos, oportunidades e deveres.

Nesse aspecto, vale transcrever a precisa lição de MERKEL[42]:

“Under capitalism, decisions and their implementation lead to a degree of economic and social inequality (in income, wealth, power, and life chances) that is hardly acceptable in a democracy built on principles rooted in equal rights, opportunities, and duties. Vice versa, full aplication of democratic decision-making – general and  equal participation as well as majority decisions and minority protection – is inconceivable under rules of capitalism. Thus, capitalism is not democratic; democracy is not capitalist.”

Segundo o autor, capitalismo e democracia podem facilmente conflitar em duas situações básicas, ligadas ambas à esfera de tutela estatal de um dos direitos individuais de assento institucional mais antigo: a proteção, contra terceiros e igualmente em face do Estado, à propriedade privada. Uma dessas hipóteses de potencial conflito se daria quando o modelo privatístico de utilização e distribuição desse direito conduzisse a um nível tal de acumulação de riquezas que viria a impedir ou dificultar a adoção de políticas públicas direcionadas à respectiva equalização, dada a pressão dos agentes econômicos já estabelecidos na preservação de suas posições privilegiadas. Outra situação, posta em sentido diametralmente contrário, seria evidenciada quando decisões democráticas fossem tomadas para limitar significativamente o exercício do direito de propriedade – interferindo negativamente na esfera de liberdade de atuação dos atores econômicos.[43]   

Entretanto, se é bem verdade que capitalismo não seja em essência um sistema econômico moldado em ideais democráticos forjados na primazia de uma racionalidade pública direcionada à justiça social[44] nem, por seu turno, a democracia deva almejar, por natureza, seguir a lógica capitalista da acumulação crescente de riquezas em detrimento do primado da igualdade, não se pode negar que partilhem ambos alguns significativos “inimigos comuns”[45]. Nesse rol poderiam ser listados concentração excessiva de poder político e econômico, instabilidade ou desordem social, ambiente de imprevisibilidade negocial e/ou jurídica e corrupção generalizada – quadros que, por sua natureza fortemente disruptiva do equilíbrio de forças do jogo político e econômico, reduzem ou eliminam tanto a funcionalidade e competitividade da economia de mercado, como igualmente guardam o potencial de contaminar substancialmente o processo de construção das políticas públicas.

Em contrapartida, embora fosse teoricamente possível para o capitalismo produzir e funcionar, ainda que não idealmente, em realidades de extrema desigualdade na distribuição de renda e riqueza, é fato que regimes democráticos não logram subsistir funcionalmente em sistemas econômicos de excessiva concentração de poder, riquezas e capitais.[46]  

Retoma-se, assim, o questionamento inicialmente já apontado: haveria um campo possível de coexistência “pacífica” e mútuo comprometimento entre governos democráticos e sistemas econômicos fortemente globalizados, que operem sem maiores amarras sob a lógica da ampla concorrência e do livre mercado? MERKEL defende que, em tese, capitalismo e democracia podem efetivamente “suportar um ao outro”, embora, como adiante se verá, se faça presente a necessidade de mútuos enquadramentos para uma coexistência sustentável.[47]

3. DESAFIOS À DEMOCRACIA NOS TEMPOS ATUAIS

“Para cada forma de manifestação de democracia, o equilíbrio entre liberdade e segurança é de importância central. Esses dois pólos – ‘liberdade’ e ‘segurança’  – tem alimentado  discussão democrática teórica desde sempre. É entre esses dois pólos que o Estado democrático se movimenta ao longo de seu desenvolvimento, sendo que por vezes, o pêndulo tende mais para um lado, por outras, mais para o outro. ‘Liberdade’ – no sentido liberal – pode ser entendida como liberdade de Estado, mas também como obrigação do Estado de garantir liberdade a seus cidadãos. Isso é importante porque a democracia é o espaço da liberdade, como postulou  a teórica política Hanna Arendt.[48]

Muito tempo antes da crise financeira que acometeu o mundo globalizado na década inicial do século XXI – evidenciando então um inegável conflito estrutural entre democracia e economia de livre mercado – Wolfgang Streek já alertara que o pêndulo se inclinara, na esfera ocidental ao menos, no sentido de um neo-liberalismo não democrático, firmado em políticas de austeridade fiscal e ampla desregulamentação. Segundo o autor, a idéia de uma verdadeira “democracia capitalista” restaria mesmo inviável, por conduzir a um contínuo embate entre interesses de grupos essencialmente conflitantes – cuja vitória, a depender do lado consagrado nesse potencial conflito, ou resultaria em uma não democrática economia de livre mercado, servindo aos propósitos de ricos e poderosos, ou em um estado democrático de bem estar social, interferindo de modo significativo nas dinâmicas próprias de sistemas econômicos de matriz capitalista[49].

Interessante ressaltar, quando da análise da apontada inviabilidade de um “capitalismo democrático”, identificada em razão do insuperável confronto entre pautas corporativas e/ou privadas – defendidas por grupos orientados evidentemente para a forte defesa de suas posições e prioridades, despidos de maiores comprometimentos com primados idealizados de justiça social ou interesse público – que, uma vez dominado o debate político sob agendas não democráticas, restaria maculada a legitimidade da racionalidade intrínseca à tomada de decisões na esfera pública. Não restaria absolutamente prejudicada, é verdade, a potencial sobrevivência de democracias de bem estar social, mas sua viabilidade, nesse caso, estaria necessariamente condicionada à superação ou violação de regras protetivas que seriam extremamente caras à estruturação da chamada economia de livre mercado.

Como ressalta GOLDMANN[50], entretanto, a última grave crise financeira global – que evidenciou a falta de governança sobre o setor bancário e, mais notadamente, o mercado de derivativos para alavancagem especulativa – revelou-se mais do que o fruto de uma dissonância entre a lógica democrática e a economia de mercado. Representaria, em verdade, o resultado de uma severa falha na compreensão da democracia como espaço de racionalidade e deliberação pública – que, para tanto, deveria ser devidamente municiado de instrumentos de supervisão e controle institucionais eficientes, aptos a fornecer dados suficientes e necessários à correta orientação de uma atuação estatal transparente e eticamente responsável.    

Analisando os efeitos negativos do capitalismo financeiro neo-liberal sobre a qualidade das democracias, MERKEL traçou algumas hipóteses centrais descritivas da precarização dos princípios de governabilidade democrático-representativa nos tempos atuais, que merecem ser aqui reportadas, conquanto bem podem servir de guia na dissecação das causas e possíveis alternativas de contorno à apontada problemática.

Assim, na visão do autor, um dos pontos mais relevantes consistiria no significativo aumento da pobreza e das desigualdades sócio-econômicas registrado ao longo das últimas décadas, que teria se refletido em uma participação política assimétrica, em desfavor dos economicamente mais atingidos. Ou seja, a extrema concentração de renda teria o potencial de desdobrar-se negativamente não apenas em desigualdades sociais amplas, mas também repercutiria na esfera política, ao incrementar o absenteísmo nas eleições, com evidente prejuízo à representação dos interesses daqueles que integram a base da pirâmide social[51].

Outro aspecto central, que não deixa de ser um reflexo do primeiro, consistiria na incapacidade de se conter o cenário de crescente desigualdade por meio da realização de eleições – dada a já apontada fragilização do princípio representativo, a se exteriorizar como déficit de identificação entre representantes e representados e desconfiança acerca da capacidade de governar das democracias[52].

Destaca-se nesse contexto, ainda, o papel decisivo que a punjante financialização do capitalismo, aliada à facilidade em movimentar facilmente capitais para além de fronteiras nacionais, desempenhou ao agregar mais um complicador nesse complexo cenário de economias globalizadas e interdependentes, menos regulamentadas e, por consequência, sujeitas aos humores instáveis dos mercados: tornar os Estados soberanos mais vulneráveis às interferências dos interesses do capital especulativo. Como bem alerta MERKEL[53]:

“Financialization, however, not only increased the dependence of industrial production on the financial industry; it also increased the dependence of the state and society on this sector. Intentionally or not, the state emasculated itself, by desregulating financial markets. Governments and parties dependent on economic prosperity to stay in power became reliant on the decisions of big investors and foreing creditors.”                                                                                                    

Fritz Scharpf bem resumiu o dilema resultante do evidente conflito de interesses subjacente a tal cenário: “In capitalist democracies, governments depend on the confidence of their voters. But to maintain this confidence they also depend on the performance of their real economies and, increasingly, on the confidence of financial markets.” [54]

Deve-se ressaltar, ademais, que o dinâmico funcionamento do capitalismo financeiro, marcado pela complexidade e volumes crescentes de transações globais, demanda rapidez, agilidade e fluidez na tomada de decisões – em um timing que opera em compasso muito diverso, evidentemente, daquele necessário ao curso regular do processo deliberativo democrático. Essa substancial dessincronia entre o tempo da política e o da economia, elevada a um extremo em tempos de transações financeiras instantâneas e de largo alcance, muitas vezes além fronteiras demarcadas, é ainda apontada por MERKEL[55] como um dos fatores a impulsionar a mudança do poder de decisão política da esfera parlamentar para o executivo – a incrementar ainda mais, como se pode depreender, o já decantado déficit de representatividade política que fragiliza a essência dos sistemas democráticos de governo.

Mas se os tempos atuais de economias e sociedades irreversivelmente globalizadas e interconectadas estão a impactar de modo tão intenso os mecanismos tradicionais de funcionamento dos governos democráticos, gerando intensos questionamentos e insatisfações crescentes em face dos poderes instituídos, que soluções ou caminhos poderiam ser validamente traçados de modo que se preservem as democracias e se passe ao largo de regimes autoritários?

Como bem sintetizam CASTELO BRANCO e GOUVEIA, “quando a desigualdade econômica se torna mais forte e a descrença na política se intensifica, a democracia liberal está em crise.”[56] Desigualdades sócio-econômicas e enfraquecimento do primado da representatividade democrática guardam, como já visto, uma intrínseca e decantada correlação, mas não é só: há uma interdependência mútua, de modo que se retroalimentam reciprocamente. Assim, se é fato que o desequilíbrio severo de renda e riqueza em um dado contexto social repercute politicamente de modo negativo, ao esgarçar a identificação das camadas mais desfavorecidas economicamente com seus representantes, não se pode igualmente olvidar que a correspectiva alienação da base do eleitorado – dada a apontada descrença na política – contribui para reduzir sua participação em eleições e, ao fazê-lo, mina a potencial representatividade parlamentar que daí poderia surgir em defesa de seus interesses.  

Mas a questão é ainda mais complexa e envolve igualmente a progressiva perda de relevância no jogo econômico e político de sindicatos, associações de trabalhadores, coletivos organizados para defesa de interesses das franjas sociais e outras formas de manifestação de poder por parte da sociedade organizada[57].

Como destaca VOIGT[58]: “Entre a maioria dos teóricos da democracia existe o consenso de que a participação é indiscutivelmente um elemento indissolúvel de toda democracia. Existe, porém, dissenso quanto à extensão em que isso é politicamente praticável, Para muitos, isso não passa de uma promessa vazia.”  

Há, com efeito, muitas e complexas condicionantes envolvidas na preservação de um ambiente democrático saudável e equilibrado, que passam certamente pelo fortalecimento de práticas políticas de feição essencialmente liberal – como a defesa da pluralidade de opiniões e interesses, ampla liberdade de imprensa e de expressão, direito à livre associação, dentre outras correlatas – mas que necessariamente incluem a formatação de um sistema representativo eleitoral funcional: com positivo engajamento dos cidadãos na discussão de políticas públicas, fortalecimento dos partidos políticos, inclusive por meio de financiamento não privado e garantias de acesso equalizado à mídia – em resumo, um modelo substancialmente diverso do estado atual, nominado por CROUCH como pós-democracia, em que a política seria apenas “um espetáculo rigidamente controlado. [59]

Em seu ensaio, Coping with Post-Democracy, o apontado autor traça um cenário que – embora reconhecidamente algo dramatizado, como de resto exagerado seria o próprio ideal democrático em sua aplicação máxima e pura – guardaria alguns elementos reconhecíveis nas atuais práticas políticas: [60]

“The issue becomes more intriguing when we confront the ambitious ideal, not with the simple minimal model of the existence of more or less free and fair elections, but with what I have in mind as post-democracy. Under this model, while elections certainly exist and can change governments, public electoral debate is a tightly controlled spectacle, managed by rival teams of professionals expert in the techniques of persuasion, and considering a small range of issues selected by those teams. The mass of citizens plays a passive, quiescent, even apathetic part, responding only to the signals given them. Behind this spectacle of the electoral game politics is really shaped in private by interaction between elected governments and elites which overwhelmingly represent business interests.”

Quanto ao apontado questionamento de ser a democracia compatível, ou não, com o capitalismo, vale referir a precisa lição de MERKEL[61]:

“Financial capitalism is harmful for democracy, since it has cracked its social and political “embeddedness”. This does not mean that capitalism per se is incompatible with democracy. A sustainable coexistence of capitalism and democracy is best achieved through mutual embedding.”

Assim, ressaltando que a coexistência sustentável entre capitalismo e democracia não apenas é possível, como desejável, por meio de um mútuo enquadramento ou incorporação, destaca o autor a importância vital que o direito de propriedade privada e o funcionamento dos mercados representam como mecanismos de contenção à concentração de poder político em regimes democráticos. Por outra via, sua combinação com industrialização, demandas capitalistas, protestos e movimentos libertários bem poderiam, em condições favoráveis, promover uma maior democratização, “despite diverging capitalist intentions. The history of capitalism and democracy demonstrated this over large periods of the past century”.[62]

5 CONCLUSÕES

“Quando a guerra fria acabou, os mercados e o pensamento pautado pelo mercado passaram a desfrutar de um prestígio sem igual, e muito compreensivelmente. Nenhum outro mecanismo de organização da produção e distribuição de bens tinha s revelado tão bem-sucedido na geração de afluência e prosperidade. Mas, enquanto um número cada vez maior de países em todo o mundo adotava mecanismos de mercado na gestão da economia, algo mais também acontecia. Os valores de mercado passavam a desempenhar um papel cada vez maior na vida social. A economia tornava-se um domínio imperial. Hoje, a lógica da compra e venda não se aplica apenas a bens materiais: governa crescentemente a vida como um todo. Está na hora de perguntarmos se queremos viver assim.”[63]

Embora efetivamente não se possa apresentar como novo o cenário de questionamento acerca da eficiência dos governos democráticos em enfrentar crises financeiras que podem abalar rápida e severamente economias integradas globalmente, com graves repercussões no tecido social de legitimação dos poderes constituídos, o fato é que não se tem, até o presente momento, construído mecanismos adequados e suficientes de reformulação da complexa dinâmica envolvida na interligação de elementos-chave que vão, desde o incremento do modelo de capitalismo financeiro, desregulamentação de mercados, retração da regulamentação estatal, até a extrema concentração de renda, com crescimento da pobreza e das desigualdades sociais e perda de confiança na política.

Buscou-se, ainda que de forma singela em razão da restrita dimensão inerente ao modelo da presente pesquisa, contribuir para a análise e sopesamento integrado de toda essa gama de fatores imbricados e interrelacionados, que se retroalimentam mutuamente, com especial enfoque ao papel central e disruptivo que o agravamento das desigualdades econômicas, que se decantam social e politicamente de forma altamente negativa, representa para a própria preservação dos sistemas democráticos de governo em tempos tão desafiadores.

Com efeito, embora à primeira vista possa parecer que o problema resida basicamente na elevação dos índices de pobreza ao redor do globo, em decorrência das já apontadas distorções de funcionamento de economias globalizadas e desregulamentadas, além de cenários de guerras, epidemias, desastres ambientais e crises humanitárias – de modo a crer que a solução central residiria no combate à miséria, por meio da implantação de mecanismos de redistribuição de renda, por exemplo – um exame mais detalhado sobre a matéria revela que o agravamento das desigualdades sócio-econômicas, decorrente do processo de intensificação de concentração de renda observado como fenômeno generalizado desde o início do século XXI, é em si mesmo um mal a ser combatido, em razão dos efeitos deletérios sobre a própria essência dos regimes democráticos: o princípio da representatividade, esfera de legitimação social ao exercício do governo pelos poderes constituídos institucionalmente.

 Como evidenciado no decorrer da pesquisa, a extrema concentração de riqueza potencializa a interferência negativa do poder econômico na racionalidade política, distorcendo e contaminando a própria lógica democrática firmada historicamente na construção da justiça social à luz do interesse comum.

Mas, se é bem verdade que o meio econômico necessário ao florescimento das democracias é o de liberdade econômica, não se pode igualmente negar a diversidade essencial entre a racionalidade capitalista, dirigida à acumulação de riqueza, e o primado democrático da igualdade, a tensionar continuamente essa possível e desejável a coexistência de sistemas econômicos de matriz capitalista, com regimes democráticos de governo.

Para tanto, faz-se mais do que premente e necessário um mútuo enquadramento que, preservando as essências de um e de outro sistema econômico e político, seja capaz de alcançar um patamar maior de equilíbrio entre dois valores, dentre diversos outros, muito caros à humanidade: liberdade e igualdade.

Como bem resume MERKEL, de fato: “If these challenges are not met with democratic and economic reforms, democracy may slowly transform into oligarchy, formally legitimizes by general elections. It is not the crisis of capitalism that challenges democracy but its neoliberal triumph.”[64]

Que os “ventos malignos” que sopram sobre nosso belo “planeta azul” –  para empregar aqui a simbólica expressão cunhada por CASTELLS em sua contundente introdução à obra Ruptura: a crise da democracia liberal[65] – possam efetivamente ser depurados e canalizados positivamente para impulsionar as mudanças de curso que se fazem mais do que necessárias e prementes nesses nossos conturbados dias.

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CASTELO BRANCO, Pedro H. Villas Bôas; GOUVÊA, Carina Barbosa; LAMENHA, Bruno. coords. Populismo, Constitucionalismo Populista, Jurisdição Populista e Crise da Democracia. Belo Horizonte : Casa do Direito, 2020.

CROUCH, Colin. Coping with Post-Democracy. Disponível emhttps://www.fabians.org.uk/wp-content/uploads/2012/07/Post-Democracy.pdf.

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ISMAEL, J. C. O perigoso desprestígio da democracia. Migalhas. https://www.migalhas.com.br/depeso/14029/o-perigoso-desprestigio-da-democracia

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SANDEL, Michael J. O que o dinheiro não compra: Os limites morais do mercado. 5ªed. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 2013.

SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo : Companhia das Letras, 2008 VOIGT, Rudigger. Crise da Democracia? CASTELO BRANCO, Pedro H. Villas Bôas; GOUVÊA, Carina Barbosa; LAMENHA, Bruno. coords. Populismo, Constitucionalismo Populista, Jurisdição Populista e Crise da Democracia. Belo Horizonte : Casa do Direito, 2020.


[1] Mestre e doutoranda em Direito Público pelo Centro de Ciências Jurídicas e Sociais da UFPE, professora titular de Direito Empresarial no Curso de Direito do Centro Universitário João Pessoa- UNIPE, juíza federal.

[2] Trecho do discurso proferido, na Câmara dos Comuns do parlamento britânico, por Winston Churchill, em 11/11/1947, assim traduzido livremente: “Muitas formas de governo já foram tentadas, e ainda serão tentadas nesse mundo de pecado e aflição. Ninguém afirma que a democracia seja perfeita ou sublime. De fato, já foi dito que a democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as outras formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos.” (Apud HARO, Guilherme Prado Bohac de; DIAS, Jefferson Aparecido; FERRER, Walkiria Martinez Heinrich. A influência da liberdade econômica nos índices de aferição da qualidade das democracias. Revista de Informação Legislativa; RIL, Brasília, DF, v.57, n. 277, p. 165, jul./set. 2020. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/57/227/ril_v57_n227_p155)

[3] Como ressalta J. C. Ismael:

“se Churchill pretendeu ser original é porque desconhecia afirmação parecida feita, trinta anos atrás, por seu compatriota, o pastor anglicano e scholar William R. Inge. Cérebre por sua visão crítica e pessimista do mundo, Inge rendera-se igualmente ao óbvio: a democracia pode ser racionalmente defendida não pelo fato de ser o ideal, mas o menos ruim dos sistema de governo,”  (O perigoso desprestígio da democracia, Migalhas, disponível em https://www.migalhas.com.br/depeso/14029/o-perigoso-desprestigio-da-democracia)

[4] O incremento de movimentos políticos de cunho autoritário nos mais diversos países ao redor do globo, contaminados por um populismo contemporâneo altamente nocivo ao tecido de coesão social de sustentação das instituições estabelecidas – e que pode se basear em qualquer um dos dois extremos das preferências políticas, embora com mais forte pendor atualmente para o conservadorismo de direita radical – tem-se revelado como um grande e muitas vezes subestimado risco à preservação dos regimes democráticos. Nesse contexto, há que se restar alerta para “o resultado desse efeito em cadeia na formação de crenças de segmentos da população que se alicerçam em promessas populistas que despertam nacionalismos disruptivos, rejeições de multiculturalismos e de cooperação internacional que estiveram no palco da ordem geo-política global do pós-guerra.” Como exposto por CASTELO BRANCO e GOUVÊA, na apresentação de sua obra Populismo, Constitucionalismo Populista, Jurisdição Populista e Crise da Democracia: “A visão tradicional de que as vitórias e as perdas políticas são parte do processo democrático e a essência de uma política auto constituída foi substituída por um impulso extremista moralista voltado à intimidação e perseguição do adversário político.” CASTELO BRANCO, Pedro H. Villas Bôas; GOUVÊA, Carina Barbosa; LAMENHA, Bruno. coords. Populismo, Constitucionalismo Populista, Jurisdição Populista e Crise da Democracia. Belo Horizonte : Casa do Direito, 2020, p. 13.

[5] CASTELLS, Manuel. Ruptura: a crise da democracia liberal. Rio de Janeiro : Zahar, 2018, p.9.

[6] LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as Democracias Morrem. Zahar :  Rio de Janeiro, 2018.

[7] DUSO, G. La rappresentanza política: Genesi e crisi del concetto. 2a ed. Milano : Franco Angeli, 2003 (p. 211-212). Em uma tradução livre, teríamos o seguinte trecho:

 “De Hobbes à democracia moderna não há Estado senão por meio do princípio representativo. Aqui condensamos tanto o problema da gestão, do governo e da diferença entre governados e governantes – e, portanto, da obrigação política – e, ao mesmo tempo, o da relação entre representantes e representados, da constituição, isto é, através da representação política, da identidade das pessoas e da expressão das suas próprias ações.”

[9] Como narra o autor, em 15 de setembro de 2008, foi à falência o quarto maior banco de investimento dos Estados Unidos, o Lehman Brothers, desencadeando um colapso em série de diversos e relevantes participantes do mercado financeiro ao redor do globo, ainda com maior impacto na Europa, onde as instituições financeiras encontravam-se mais fragilmente expostas aos riscos da desmedida alavancagem da dívida imobiliária americana, então fortemente baseada em um superestimado mercado de derivativos, os chamados créditos subprime. A forma como maioria dos governos democráticos ocidentais reagiu à crise, resgatando os bancos com recursos públicos e impondo severos cortes no financiamento de serviços sociais para reduzir a dívida pública, conduziu a uma inédita onda generalizada de protestos contra a desigualdade econômica e medidas de austeridade fiscal. Governos de todo o mundo foram abertamente criticados por sua cumplicidade na contínua neoliberalização, ou mercantilização, da sociedade e pelo flagrante fracasso em proteger as populações mais vulneráveis dos efeitos negativos da turbulência e instabilidade dos mercados financeiros globais. TOPLISEK, Alen. Liberal Democracy in Crisis: Rethinking Resistance under Neoliberal Governmentality. Cham : Palgrave Macmillan, 2019, p. 19.

[10] TOPLISEK, Alen. Liberal Democracy in Crisis: Rethinking Resistance under Neoliberal Governmentality. Cham : Palgrave Macmillan, 2019, p. 1.

[11] Como destaca CASTELL: “A política de profissionaliza e os políticos se tornam um grupo social que defende seus interesses comuns acima dos interesses daqueles que eles dizem representar: forma-se uma classe política que com honrosas exceções, transcende ideologias e cuida de seu oligopólio.” CASTELLS, Manuel. Ruptura: a crise da democracia liberal. Rio de Janeiro : Zahar, 2018, p.13.

[12] TOPLISEK, Alen. Liberal Democracy in Crisis: Rethinking Resistance under Neoliberal Governmentality. Cham : Palgrave Macmillan, 2019, p.4.

[13] MERKEL, Wolfgang. Is Capitalism Compatible with Democracy?  MERKEL, Wolfgang. KNEIP, Sascha. eds. Challengs in Turbulent Times. Cham : Springer, 2018, p. 262. O trecho colacionado poderia ser assim traduzido: “O problema crucial que a teoria da democracia enfrenta não são é a participação em si, mas a seletividade social que ela implica. A regra empiricamente comprovada é que quanto menor a participação eleitoral, maior a exclusão social no contexto das eleições. ” 

[14]  VOIGT, Rudigger. Crise da Democracia? in CASTELO BRANCO, Pedro H. Villas Bôas; GOUVÊA, Carina Barbosa; LAMENHA, Bruno. coords. Populismo, Constitucionalismo Populista, Jurisdição Populista e Crise da Democracia. Belo Horizonte : Casa do Direito, 2020, p. 442-444.

[15] Nas palavras de HARARI:                                           

“A imensa diversidade de realidades imaginadas que os sapiens inventaram e a diversidade resultante de padrões de comportamento são os principais componentes do que chamamos ‘culturas’. Desde que apareceram, as culturas nunca deixaram de se transformar e se desenvolver, e essas alterações irrefreáveis são o que denominamos ‘história’.” (HARARI, Yuval Noah. Sapiens: Uma breve história da humanidade. 19. ed. Porto Alegre : L&PM, 2017, p. 46.      

[16] CASTELLS, Manuel. Ruptura: a crise da democracia liberal. Rio de Janeiro : Zahar, 2018, p.12.

[17] Ao tratar do corrente cenário de crises globais que marcam o início do século XXI, VOIGT destaca que, embora exteriorizem uma natureza essencialmente financeira, são igualmente emergentes do impacto da globalização sobre a vida das pessoas de modo ainda mais amplo. Para justificar sua afirmação, aponta o autor para a presente crise sanitária causada pelo coronavírus COVID-19, em que o rápido alastramento da pandemia ao redor do globo, fruto justamente da realidade de livre e facilitada circulação de pessoas entre os mais diversos países, impactou direitos fundamentais como a liberdade de ir e vir, potencializando ainda mais conflitos e insatisfações que se encontravam instaladas em sociedades já conflagradas por desigualdades econômicas e sociais generalizadas. VOIGT, Rudigger. Crise da Democracia? in CASTELO BRANCO, Pedro H. Villas Bôas; GOUVÊA, Carina Barbosa; LAMENHA, Bruno. coords. Populismo, Constitucionalismo Populista, Jurisdição Populista e Crise da Democracia. Belo Horizonte : Casa do Direito, 2020, p. 445-446.

[18] MERKEL, Wolfgang. Is Capitalism Compatible with Democracy?  MERKEL, Wolfgang. KNEIP, Sascha. eds. Challengs in Turbulent Times. Cham : Springer, 2018, p. 253-271.

[19] HARO, Guilherme Prado Bohac de; DIAS, Jefferson Aparecido; FERRER, Walkiria Martinez Heinrich. A influência da liberdade econômica nos índices de aferição da qualidade das democracias. Revista de Informação Legislativa: RIL, Brasília, DF, v. 57, n. 227, p. 155-176, jul./set. 2020. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/57/227/ril_v57_n227_p.155

[20] SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo : Companhia das Letras, 2008, p. 177.

[21] TOPLISEK, Alen. Liberal Democracy in Crisis: Rethinking Resistance under Neoliberal Governmentality. Cham : Palgrave Macmillan, 2019, p.6.

[22] CASTELLS, Manuel. Ruptura: a crise da democracia liberal. Rio de Janeiro : Zahar, 2018, p.09.

[23] MERKEL, Wolfgang. Is Capitalism Compatible with Democracy?  MERKEL, Wolfgang. KNEIP, Sascha. eds. Challengs in Turbulent Times. Cham : Springer, 2018, p. 253.

[24] Apontada na última posição, dentre 180 países, no ranking de liberdade econômica, elaborado com base na comparação entre os índices de liberdade econômica (THE HERITAGE FOUNDATION, 2019) e os índices de democracia (THE ECONOMIST INTELLIGENCE UNIT, 2019). Fonte: HARO, Guilherme Prado Bohac de; DIAS, Jefferson Aparecido; FERRER, Walkiria Martinez Heinrich. A influência da liberdade econômica nos índices de aferição da qualidade das democracias. Revista de Informação Legislativa: RIL, Brasília, DF, v. 57, n. 227, p. 171, jul./set. 2020. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/57/227/ril_v57_n227_p.155

[25] MERKEL, Wolfgang. Is Capitalism Compatible with Democracy?  MERKEL, Wolfgang. KNEIP, Sascha. eds. Challengs in Turbulent Times. Cham : Springer, 2018, p. 254.

[26] HARO, Guilherme Prado Bohac de; DIAS, Jefferson Aparecido; FERRER, Walkiria Martinez Heinrich. A influência da liberdade econômica nos índices de aferição da qualidade das democracias. Revista de Informação Legislativa: RIL, Brasília, DF, v. 57, n. 227, p. 171, jul./set. 2020. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/57/227/ril_v57_n227_p.155.

[27] Trabalho conduzido por HARO, DIAS e FERRER, que se propõe à análise da correlação entre liberdade econômica e qualidade das democracias, serve-se do Democracy Index, elaborado pela The Economist Intelligence Unit, um dos índices mais utilizados em pesquisas relativas à situação democrática dos países e que se baseia em 60 indicadores agrupados em cinco categorias diversas que medem o pluralismo, as liberdades civis, o funcionamento dos governos, a participação e a cultura política de cada país. A classificação ao final proposta serve para o enquadramento de 167 países em quatro categorias de regime: democracias plenas, imperfeitas, regimes híbridos e autoritários. Enquanto as primeiras consagram e fomentam o pleno exercício de liberdades civis e políticas, com problemas apenas pontuais em seu funcionamento, as democracias imperfeitas, embora assegurem eleições justas e livres, bem como liberdades civis básicas, podem apresentar falhas mais substanciais, por exemplo, quanto à garantia da liberdade de imprensa, cultura política subdesenvolvida, baixos níveis de participação política e/ou problemas de governança. Já os chamados regimes híbridos contariam com eleições maculadas por irregularidades graves, perseguição a opositores, imprensa e Poder Judiciário não independentes, corrupção generalizada e falhas mais severas que as democracias imperfeitas. Por fim, nos regimes autoritários, além da supressão ou redução extrema do pluralismo político, há infrações e abusos de liberdades civis são comuns, inexiste Judiciário independente e a mídia é geralmente controlada pelo Estado, com censura e supressão de críticas ao governo. HARO, Guilherme Prado Bohac de; DIAS, Jefferson Aparecido; FERRER, Walkiria Martinez Heinrich. A influência da liberdade econômica nos índices de aferição da qualidade das democracias. Revista de Informação Legislativa: RIL, Brasília, DF, v. 57, n. 227, p. 171, jul./set. 2020. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/57/227/ril_v57_n227_p.155.

[28] Como reforço ao argumento, pode-se apontar o caso da China, que alcançou o maior crescimento econômico no último quarto de século, após migrar gradualmente de uma economia fortemente planificada e centralizada para um modelo mais aberto ao capitalismo de mercado – embora 1/3 de sua economia ainda seja controlada pelo Estado – reduzindo drasticamente os níveis de pobreza no país mas, em contrapartida, com grande incremento das desigualdades na distribuição de renda e riquezas. Fonte: https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Economia_da_China.

[29] SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo : Companhia das Letras, 2008, p. 175.

[30] FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e Liberdade. São Paulo : Nova Cultural, 1988, p. 12 e 17.

[31] FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e Liberdade. São Paulo : Nova Cultural, 1988, p. 24.

[32] FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e Liberdade. São Paulo : Nova Cultural, 1988, p. 21-28. Seguindo o mesmo entendimento de FRIEDMAN, temos HARO, DIAS e FERRER, ao destacarem que, na opinião daquele, “o caráter voluntário de todas as transações em uma economia de mercado e a ampla diversidade que ela permite são ameaças fundamentais aos líderes políticos represssivos e diminuem o enorme o poder de coagir.” HARO, Guilherme Prado Bohac de; DIAS, Jefferson Aparecido; FERRER, Walkiria Martinez Heinrich. A influência da liberdade econômica nos índices de aferição da qualidade das democracias. Revista de Informação Legislativa: RIL, Brasília, DF, v. 57, n. 227, p. 171, jul./set. 2020. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/57/227/ril_v57_n227_p.155.

[33] SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo : Companhia das Letras, 2008, p. 153-154.

[34] MERKEL, Wolfgang. Is Capitalism Compatible with Democracy?  MERKEL, Wolfgang. KNEIP, Sascha. eds. Challengs in Turbulent Times. Cham : Springer, 2018, p. 259.

[35] MERKEL, Wolfgang. Is Capitalism Compatible with Democracy?  MERKEL, Wolfgang. KNEIP, Sascha. eds. Challengs in Turbulent Times. Cham : Springer, 2018, p. 255.

[36] Como ensina o autor, capitalismo financeiro seria o epítome, o símbolo ou resumo, do tipo de negócio que não é substancialmente feito através da produção e troca de bens, mas sim da especulação monetária em mercados financeiros mundialmente conectados e interdependentes, com perspectivas de grandes lucros e – em decorrência – altos riscos, geralmente inservível para embasar crescimento sustentável, embora represente parcela significativa de importância nas principais economias ocidentais. MERKEL, Wolfgang. Is Capitalism Compatible with Democracy?  MERKEL, Wolfgang. KNEIP, Sascha. eds. Challengs in Turbulent Times. Cham : Springer, 2018, p. 259-260.[37] GOLDMANN, Mattias. The Financial Crisis as a Crisis of Public Reasoning. ISAKHAN, Benjamin. SLAUGHTER, Steven. eds. Democracy and Crisis: Democratising Governance in the Twenty-First Century. Hampschire : PALGRAVE MACMILLAN, 2014, p. 75.

[38] Como aponta MERKEL, em seu já citado ensaio sobre a compatibilidade do capitalismo com a democracia, o sucesso da democracia nos últimos 25 anos do século XX, foi impressionante – ainda que represente um sucesso relativo se comparado com o incremento da implantação do capitalismo ao redor do globo. Levando-se em conta os padrões mínimos para um sistema político ser considerado democrático, segundo o autor, mais da metade dos países poderiam ser considerados como democracias eleitorais em 2010.   MERKEL, Wolfgang. Is Capitalism Compatible with Democracy?  MERKEL, Wolfgang. KNEIP, Sascha. eds. Challengs in Turbulent Times. Cham : Springer, 2018, p. 265.

[39] GOLDMANN, Mattias. The Financial Crisis as a Crisis of Public Reasoning. ISAKHAN, Benjamin. SLAUGHTER, Steven. eds. Democracy and Crisis: Democratising Governance in the Twenty-First Century. Hampschire : PALGRAVE MACMILLAN, 2014, p. 72.

[40] TOPLISEK, Alen. Liberal Democracy in Crisis: Rethinking Resistance under Neoliberal Governmentality. Cham : Palgrave Macmillan, 2019, p.4.

[41] TOPLISEK, Alen. Liberal Democracy in Crisis: Rethinking Resistance under Neoliberal Governmentality. Cham : Palgrave Macmillan, 2019, p.4.[42] MERKEL, Wolfgang. Is Capitalism Compatible with Democracy?  MERKEL, Wolfgang. KNEIP, Sascha. eds. Challengs in Turbulent Times. Cham : Springer, 2018, p. 256-257. Em tradução livre, teríamos o seguinte trecho: “No capitalismo, as decisões e sua implementação levam a um grau de desigualdade econômica e social (em renda, riqueza, poder e oportunidades de vida) que é dificilmente aceitável em uma democracia construída sobre princípios enraizados na igualdade de direitos, oportunidades e deveres. Vice-versa, a aplicação plena da tomada de decisão democrática – participação geral e igual, bem como decisões pela maioria e proteção da minoria – é inconcebível sob as regras do capitalismo. Assim, o capitalismo não é democrático; a democracia não é capitalista.”

[43] MERKEL, Wolfgang. Is Capitalism Compatible with Democracy?  MERKEL, Wolfgang. KNEIP, Sascha. eds. Challengs in Turbulent Times. Cham : Springer, 2018, p. 257.

[44]GOLDMANN, Mattias. The Financial Crisis as a Crisis of Public Reasoning. ISAKHAN, Benjamin. SLAUGHTER, Steven. eds. Democracy and Crisis: Democratising Governance in the Twenty-First Century. Hampschire : PALGRAVE MACMILLAN, 2014, p. 71

[45] MERKEL, Wolfgang. Is Capitalism Compatible with Democracy?  MERKEL, Wolfgang. KNEIP, Sascha. eds. Challengs in Turbulent Times. Cham : Springer, 2018, p. 257.

[46] MERKEL, Wolfgang. Is Capitalism Compatible with Democracy?  MERKEL, Wolfgang. KNEIP, Sascha. eds. Challengs in Turbulent Times. Cham : Springer, 2018, p. 257.

[47] MERKEL, Wolfgang. Is Capitalism Compatible with Democracy?  MERKEL, Wolfgang. KNEIP, Sascha. eds. Challengs in Turbulent Times. Cham : Springer, 2018, p. 257.

[48] VOIGT, Rudigger. Crise da Democracia? CASTELO BRANCO, Pedro H. Villas Bôas; GOUVÊA, Carina Barbosa; LAMENHA, Bruno. coords. Populismo, Constitucionalismo Populista, Jurisdição Populista e Crise da Democracia. Belo Horizonte : Casa do Direito, 2020, p. 451.

[49] Apud GOLDMANN, Mattias. The Financial Crisis as a Crisis of Public Reasoning. ISAKHAN, Benjamin. SLAUGHTER, Steven. eds. Democracy and Crisis: Democratising Governance in the Twenty-First Century. Hampschire : PALGRAVE MACMILLAN, 2014, p. 77.

[50] GOLDMANN, Mattias. The Financial Crisis as a Crisis of Public Reasoning. ISAKHAN, Benjamin. SLAUGHTER, Steven. eds. Democracy and Crisis: Democratising Governance in the Twenty-First Century. Hampschire : PALGRAVE MACMILLAN, 2014, p. 83-84.

[51] Conforme relata o autor, a lacuna na participação/representação das classes mais baixas aumentou em praticamente todos os países integrantes da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, na década passada.  MERKEL, Wolfgang. Is Capitalism Compatible with Democracy?  MERKEL, Wolfgang. KNEIP, Sascha. eds. Challengs in Turbulent Times. Cham : Springer, 2018, p. 263.

[52] TOPLISEK, Alen. Liberal Democracy in Crisis: Rethinking Resistance under Neoliberal Governmentality. Cham : Palgrave Macmillan, 2019, p. 1.[53] MERKEL, Wolfgang. Is Capitalism Compatible with Democracy?  MERKEL, Wolfgang. KNEIP, Sascha. eds. Challengs in Turbulent Times. Cham : Springer, 2018, p. 264-265. Em tradução livre: “A financeirização, porém, não só aumentou a dependência da produção industrial do setor financeiro; também aumentou a dependência do Estado e da sociedade neste setor. Intencionalmente ou não, o Estado se castrou, desregulando os mercados financeiros. Governos e partidos que dependiam da prosperidade econômica para   permanecer no poder passaram a depender das decisões de grandes investidores e credores estrangeiros.”[54] MERKEL, Wolfgang. Is Capitalism Compatible with Democracy?  MERKEL, Wolfgang. KNEIP, Sascha. eds. Challengs in Turbulent Times. Cham : Springer, 2018, p. 254. O trecho citado de Fritz Scharpf poderia ser assim traduzido livremente:“Nas democracias capitalistas, os governos dependem da confiança de seus eleitores. Mas, para manter essa confiança, eles dependem também do desempenho de suas economias reais e, cada vez mais, da confiança dos mercados financeiros.”

[55] MERKEL, Wolfgang. Is Capitalism Compatible with Democracy?  MERKEL, Wolfgang. KNEIP, Sascha. eds. Challengs in Turbulent Times. Cham : Springer, 2018, p. 266.

[56] CASTELO BRANCO, Pedro H. Villas Bôas; GOUVÊA, Carina Barbosa; LAMENHA, Bruno. coords. Populismo, Constitucionalismo Populista, Jurisdição Populista e Crise da Democracia. Belo Horizonte : Casa do Direito, 2020, p.

[57] MERKEL, Wolfgang. Is Capitalism Compatible with Democracy?  MERKEL, Wolfgang. KNEIP, Sascha. eds. Challengs in Turbulent Times. Cham : Springer, 2018, p. 269.

[58] VOIGT, Rudigger. Crise da Democracia? in CASTELO BRANCO, Pedro H. Villas Bôas; GOUVÊA, Carina Barbosa; LAMENHA, Bruno. coords. Populismo, Constitucionalismo Populista, Jurisdição Populista e Crise da Democracia. Belo Horizonte : Casa do Direito, 2020, p. 449.

[59]CROUCH, Colin. Coping with Post-Democracy. Disponível emhttps://www.fabians.org.uk/wp-content/uploads/2012/07/Post-Democracy.pdf.[60]CROUCH, Colin. Coping with Post-Democracy. Disponível emhttps://www.fabians.org.uk/wp-content/uploads/2012/07/Post-Democracy.pdf.Em tradução livre, teríamos o seguinte trecho:“A questão torna-se mais intrigante quando confrontamos o ideal ambicioso, não com o simples modelo mínimo da existência de eleições mais ou menos livres e justas, mas com o que tenho em mente como pós-democracia. Nesse modelo, embora as eleições certamente existam e possam mudar os governos, o debate eleitoral público é um espetáculo rigidamente controlado, administrado por equipes rivais de profissionais especialistas em técnicas de persuasão e considerando uma pequena gama de questões selecionadas por essas equipes. A massa de cidadãos desempenha um papel passivo, quiescente e até apático, respondendo apenas aos sinais que lhes são dados. Por trás desse espetáculo do jogo eleitoral, a política é realmente moldada em particular pela interação entre governos eleitos e elites que representam de forma esmagadora os interesses comerciais.”

[61] MERKEL, Wolfgang. Is Capitalism Compatible with Democracy?  MERKEL, Wolfgang. KNEIP, Sascha. eds. Challengs in Turbulent Times. Cham : Springer, 2018, p. 269. Em tradução livre: “O capitalismo financeiro é prejudicial para a democracia, pois rompeu seu “enraizamento” social e político. Isso não significa que o capitalismo per se seja incompatível com a democracia. A coexistência sustentável do capitalismo e da democracia é melhor alcançada por meio da incorporação mútua. ”[62] Em tradução livre “apesar das divergentes intenções capitalistas. A história do capitalismo e da democracia demonstrou isso por largos períodos do século passado.” MERKEL, Wolfgang. Is Capitalism Compatible with Democracy?  MERKEL, Wolfgang. KNEIP, Sascha. eds. Challengs in Turbulent Times. Cham : Springer, 2018, p. 269.

[63] SANDEL, Michael J. O que o dinheiro não compra: Os limites morais do mercado. 5ªed. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 2013, p. 11.[64] MERKEL, Wolfgang. Is Capitalism Compatible with Democracy?  MERKEL, Wolfgang. KNEIP, Sascha. eds. Challengs in Turbulent Times. Cham : Springer, 2018, p. 269.

[65] CASTELLS, Manuel. Ruptura: a crise da democracia liberal. Rio de Janeiro : Zahar, 2018.