ESTELIONATO E A FACILITAÇÃO DO SEU AVANÇO POR MEIO DA TECNOLOGIA NO CENÁRIO BRASILEIRO

ESTELIONATO E A FACILITAÇÃO DO SEU AVANÇO POR MEIO DA TECNOLOGIA NO CENÁRIO BRASILEIRO

20 de dezembro de 2023 Off Por Scientia et Ratio

FRAUD AND THE FACILITATION OF ITS ADVANCEMENT THROUGH TECHNOLOGY IN THE BRAZILIAN SCENARIO

Artigo submetido em 10 de dezembro de 2023
Artigo aprovado em 18 de dezembro de 2023
Artigo publicado em 20 de dezembro de 2023

Scientia et Ratio
Volume 3 – Número 4 – Dezembro de 2023
ISSN 2525-8532
Autor:
Gabriel Luíz Araruna Muniz[1]

RESUMO: Este artigo tem como propósito fornecer uma análise sobre os crimes cometidos na internet, com foco especial no estelionato. A pesquisa aborda os principais meios virtuais empregados por criminosos em suas atividades ilícitas. Muitas vezes, eles se valem de diversos websites e plataformas de redes sociais, aproveitando o crescimento exponencial no número de usuários a cada ano. Inicialmente, o artigo discute a evolução da internet, destacando sua importância e relevância no mundo contemporâneo, bem como os aspectos negativos relacionados ao aumento da atividade criminosa no ambiente digital. A metodologia utilizada para conduzir esta pesquisa baseia-se principalmente na revisão bibliográfica.

Palavras-chave: Crime; Estelionato; Internet; Virtual.

ABSTRACT: The purpose of this article is to provide an analysis of crimes committed on the internet, with a special focus on fraud. The research discusses the main virtual methods employed by criminals in their illicit activities. Often, they make use of various websites and social media platforms, taking advantage of the exponential growth in the number of users each year. Initially, the article delves into the evolution of the internet, highlighting its importance and relevance in the contemporary world, as well as the negative aspects related to the rise in criminal activity in the digital environment. The methodology used for this research is primarily based on literature review.

Keywords:  Crime; Fraud; Internet; Virtual.

INTRODUÇÃO

O presente estudo tem como objetivo analisar de forma geral o avanço do crime de estelionato praticado no Brasil por meios digitais, demonstrando como esse tipo de crime evoluiu conjuntamente com a evolução digital no país. Sendo essa evolução a responsável inclusive por alterações no Art. 171 do Código Penal Brasileiro, em que trata de fraude eletrônica, previsto no §2-A e §2-B.

Deste modo, será analisado se a atual legislação Brasileira específica é eficiente para coibir a prática de crimes dessa natureza ou mesmo se ainda se apresenta déficit para atingir tal objetivo.

Ao longo das sucessivas mudanças da sociedade, a humanidade por si só passou por diversas transformações e avanços nos âmagos sociais, econômicos e, acima destes, tecnológicos. Nas últimas décadas, as formas de interações sociais se tornaram cada vez mais dinâmicas, sendo impulsionadas pelo uso ubíquo da internet e das redes sociais.

É incontestável que a sociedade se tornou de forma quase integral dependente de uma infraestrutura informatizada, não apenas nas vidas privadas, onde é notadamente marcada pelas redes sociais e aplicativos de entretenimento de forma geral, mas também notasse tal fato nos órgãos e serviços públicos, onde se é preponderante a utilização de sistemas próprios com funcionalidades computacionais direcionadas para cada um deles.

As tecnologias da informação tornaram-se instrumentos essenciais para a realização das atividades do nosso próprio cotidiano e também para o pleno funcionamento da economia, dos órgãos governamentais e da sociedade de forma geral.

Sendo assim, a análise dessas mudanças sociais e tecnológicas se torna imprescindível não apenas para compreender o atual cenário histórico, mas também com a finalidade de analisar os efeitos práticos que a internet exerce sobre o direito penal atual.

Nota-se que o acesso à internet tem crescido de forma exponencial, alcançando diariamente novos usuários. Esses indivíduos de nossa sociedade encontram-se imersos em um novo cenário social, o conhecido como mundo virtual, que atualmente se apresenta como um universo totalmente diferente do que vivemos – onde todos estariam livres, sem os limites impostos pela sociedade – sendo apresentado de uma forma tão bem estabelecida que propicia um ambiente fértil para a prática de atividades criminosas.

A criminalidade, como fenômeno da raça humana, está em evolução constante, adaptando-se de forma contínua aos novos cenários de nossa sociedade, e com isso, naturalmente, buscando novos meios para a prática de crimes que sejam mais difíceis de detecção e punição.

 Com efeito, a segurança dos cidadãos no conhecido ciberespaço torna-se cada vez mais perigosa, visto a vulnerabilidade do ambiente digital, ficando deste modo suscetível às ações criminosas perpetradas por terceiros.

Nesse contexto, cabe ao Estado a responsabilidade de resolver tais problemas, controlando, combatendo e punindo, de forma que possa reprimir e prevenir a sociedade, trazendo assim uma segurança aos direitos dos usuários, assim como acontece no mundo físico.

1 CONTEXTO DA REDE MUNDIAL DE COMPUTADORES

O século XXI se destaca como uma época de crescimento tecnológico sem precedentes na história da humanidade (Ramos, 2019). Este período é caracterizado por inovações que simplificam a vida humana e causam impactos significativos na economia global.

 Esse notável avanço é impulsionado pela globalização, um processo de expansão econômica, política e cultural que teve origem nas grandes navegações e se tornou ainda mais abrangente na contemporaneidade, conectando nações em uma economia globalizada.

 Uma característica marcante desse processo é a interconexão mundial, impulsionada pelo crescimento e aprimoramento dos meios de comunicação. Isso reflete a aproximação entre países, impulsionada por fatores econômicos, políticos e culturais.

 A expansão do uso da internet e das redes sociais, que eliminam as barreiras geográficas entre pessoas, tem se ampliado constantemente, atingindo uma parte significativa da população global.

Essas ferramentas surgem como resultado dos avanços da sociedade, possibilitando ligações econômicas e culturais, bem como interações sociais em escala global e permitindo comunicações em tempo real entre indivíduos de diversas nações.

A internet possui um vasto potencial de alcance, uma vez que a interação humana é uma necessidade que remonta aos primórdios da civilização. Portanto, esses meios interativos são geralmente bem recebidos pela sociedade.

No entanto, esse ambiente virtual pode ser explorado como uma ferramenta para a prática de crimes, seja pela disseminação de informações falsas ou pela criação de contas falsas em nomes de terceiros.

Nesse contexto, uma variedade de delitos pode ser cometida tanto nas redes sociais quanto por meio de outras plataformas digitais, abrangendo desde crimes relacionados à difamação e à violação de honra até delitos cometidos através de fraudes virtuais, visando à obtenção de vantagens ilícitas.

2 DO CRIME DE ESTELIONATO

Como é previsto no art. 171, Código Penal Brasileiro (1940), o crime de estelionato é um delito que envolve engano, fraude ou artifícios para obter vantagem financeira indevida de outra pessoa, induzindo-a em erro. Também é conhecido como “fraude” ou “golpe”.

De acordo com Cunha (2019), este é um delito contra o patrimônio, e a legislação penal tem como objetivo salvaguardar a integridade do patrimônio, especialmente em situações onde o infrator busca enganar a vítima para obter benefícios pessoais.

Em análise sucinta, Capez, acerca do assunto afirma:

Este delito caracteriza-se por não envolver violência ou ameaça grave por parte do autor. Em vez disso, o agente utiliza artimanhas para enganar a vítima, induzindo-a a uma percepção equivocada dos acontecimentos, ou para mantê-la em erro, recorrendo a manobras que impedem que ela perceba o equívoco em que está envolvida (CAPEZ, 2020, p. 841)

 No estelionato, o autor utiliza de manobras enganosas para fazer com que a vítima entregue dinheiro, bens, propriedades ou qualquer tipo de benefício de forma voluntária, acreditando em informações falsas ou distorcidas apresentadas pelo autor do crime.

Para que o estelionato seja configurado, é necessário que algumas condições estejam presentes, como a intenção deliberada do autor de enganar a vítima, levando-a a tomar uma atitude prejudicial baseada nas informações falsas fornecidas. Além disso, é fundamental que a vítima tenha sofrido algum prejuízo financeiro como resultado direto do engano.

O estelionato configura um delito contra o patrimônio, caracterizado pela ausência de violência ou ameaça grave à pessoa, o que resulta em penas relativamente mais brandas.

É um crime de ocorrência ampla quanto ao sujeito ativo, ou seja, qualquer pessoa pode ser autora do crime de estelionato. Da mesma forma, é um crime de ampla aplicação em relação ao sujeito passivo, visto que qualquer indivíduo pode ser vítima do estelionato.

Os casos de estelionato podem variar amplamente, desde esquemas complexos envolvendo finanças, investimentos falsos, falsificação de documentos, até situações mais simples como venda de produtos falsificados, falsas promessas de emprego ou falsas representações de produtos ou serviços.

 Em muitos sistemas legais, o estelionato é considerado um crime penal, sujeito a penalidades que podem incluir multas substanciais e prisão, dependendo das leis do país e da gravidade do crime (MPF, 2016). A gravidade do estelionato muitas vezes está relacionada ao valor do prejuízo causado à vítima e à natureza das ações fraudulentas empreendidas pelo autor.

2.1 Estelionato no mundo virtual

É amplamente reconhecido que a internet evoluiu paralelamente à globalização e continua a atrair um número crescente de usuários a cada dia. Isso facilita a interação entre pessoas de diversas origens geográficas, promovendo a troca de informações e se tornando uma poderosa ferramenta para impulsionar o comércio.

 No entanto, esse ambiente com uma base de usuários em constante expansão também desperta o interesse de criminosos que exploram meios tecnológicos para cometer delitos.

Devido ao significativo crescimento da internet, das plataformas que facilitam a compra de produtos e da comodidade de acessar contas bancárias sem sair de casa, a prática de crimes virtuais tornou-se cada vez mais comum.

Nessas atividades criminosas, os perpetradores invadem dispositivos eletrônicos com o objetivo de obter informações pessoais da vítima, como números de CPF, cartões de crédito e senhas. Eles fazem uso de links, mensagens e anúncios atraentes que direcionam as vítimas para páginas fraudulentas.

A Lei n° 12.737, promulgada em 30 de novembro de 2012 (Brasil, 2012), trata da criminalização de delitos informáticos e aborda outras medidas correlatas. Ela visa especificamente a punição de crimes cometidos contra dispositivos ou sistemas de informação, diferenciando-os dos crimes comuns realizados por meio do computador, intitulada de “Lei Carolina Dieckmann”.

O artigo 154-A da mencionada legislação (Brasil, 2012), estabelece que cometer a ação de invadir um dispositivo informático pertencente a outrem, esteja ele conectado ou não à rede de computadores, por meio da violação inadequada de mecanismos de segurança, com a intenção de obter, alterar ou destruir dados ou informações sem a autorização expressa ou tácita do proprietário do dispositivo, ou instalar vulnerabilidades com o propósito de obter vantagem ilícita, constitui um ato criminoso.

O progresso tecnológico está impulsionando de forma crescente a disseminação dessas práticas criminosas. Atualmente, a internet, devido à sua ampla utilização e acessibilidade, transformou-se em um ambiente altamente suscetível à exploração e à aplicação de golpes, o que se manifesta através de inúmeros sites fraudulentos, criação de websites, bancos, perfis em redes sociais e no WhatsApp.

A ocorrência do estelionato praticado virtualmente é uma novidade nos tribunais brasileiros, mas sua incidência tem aumentado com o avanço da tecnologia, à medida que meios mais eficazes para a execução desses delitos são desenvolvidos. Para que o estelionato virtual seja configurado, três requisitos essenciais de validade, que compõem o ato criminoso, devem estar presentes (Silva; Santos). Sem eles, seria impossível atribuir penalidades ao agente. Esses requisitos incluem a tipificação clara do crime em lei, a conduta do autor e o dano causado à vítima.

A prática desse crime no ambiente virtual é frequentemente executada por indivíduos que demonstram notável conhecimento sobre a internet e tecnologias da informação. Eles adentram o espaço virtual com a intenção de prejudicar e enganar outras pessoas, visando obter vantagens ilícitas.

 Vale destacar, no entanto, que a única distinção entre o estelionato virtual e o estelionato tradicional reside no “modo de operação” empregado: o primeiro ocorre online, enquanto o segundo tem lugar no mundo físico. Uma das formas mais comuns de estelionato no ambiente virtual é a invasão das contas de e-mail das vítimas, que, ao acessar suas páginas com informações pessoais, acabam tendo suas contas virtuais clonadas.

Entre os estelionatos virtuais mais comuns, encontramos a clonagem de WhatsApp, na qual os criminosos se fazem passar pela vítima, utilizando sua identidade, e empregam táticas como simulações de assaltos para extorquir dinheiro de familiares e amigos.

E quanto ao tema da clonagem do WhatsApp e agentes delituosos se passarem por terceiros, Nelson Hungria afirma:

O conjunto de caracteres próprios de uma pessoa, que permite identificá-la e distingui-la das demais, a exemplo do nome, idade, profissão, sexo, estado civil etc. A lei pune a auto atribuição falsa, ou a atribuição falsa a terceiro, isto é, o agente se identifica incorretamente, com dados que não lhe são próprios, ou atua, da mesma forma, atribuindo esses dados falsos a terceira pessoa (HUNGRIA, 1958).

A Lei nº 13.228/2015 introduziu modificações no Código Penal (Brasil, 2015), visando estabelecer uma circunstância de agravamento da pena para o estelionato praticado contra idosos. Essa alteração acrescentou o 4º parágrafo ao dispositivo que trata do estelionato, estipulando um aumento na pena quando a vítima é uma pessoa idosa. Como resultado, a escala de penalidades passou a variar de dois a dez anos de reclusão quando aplicada essa agravante.

 Além disso, a clonagem de cartões tornou-se cada vez mais frequente, com os estelionatários obtendo informações por meio de sites fraudulentos ou máquinas de cartão pertencentes às vítimas.

2.2 O sujeito do crime

No que se refere ao autor do estelionato, qualquer indivíduo pode ser o sujeito ativo, uma vez que se trata de um crime comum, não requerendo qualificação especial ou condição específica do agente. No que diz respeito à vítima, é importante destacar que também é um sujeito passivo comum, pois qualquer cidadão pode se tornar alvo de uma conduta fraudulenta perpetrada pelo criminoso, resultando em prejuízos ao seu patrimônio.

Quanto à vítima segundo Cunha (2019), é importante salientar que ela deve possuir a capacidade de discernimento, ou seja, a habilidade de ser enganada. Caso essa capacidade esteja ausente, o delito de estelionato não ocorrerá; em vez disso, o agente será sujeito a julgamento com base no artigo 173 do Código Penal, no delito denominado abuso de incapazes. Além disso, a vítima deve ser determinada, pois, se for incerta, estaremos tratando de crimes como os previstos, por exemplo, no artigo 2º, inciso XI, da Lei nº 1.521 de 1951.

Conforme afirma Hertes (2012), é amplamente reconhecido que os estelionatários, além de serem perspicazes, são, acima de tudo, hábeis sedutores. Eles geralmente exibem boa aparência e possuem um vocabulário cativante, utilizando argumentos que têm o poder de persuadir pessoas de várias idades, níveis de educação e estratos sociais diversos. No entanto, raramente operam de forma independente. Para que o delito de estelionato seja caracterizado, é essencial que a vítima entregue voluntariamente a vantagem ao criminoso. Caso contrário, estaríamos diante de outros tipos de crimes, como roubo ou extorsão.

2.3 Requisitos para configuração do crime

Para que de fato esteja caracterizado o crime de estelionato, devem estar presentes no elemento do tipo penal: a vantagem ilícita, prejuízo e fraude. Dito isto, resta-se configurado.

Com relação a vantagem ilícita, trata-se do elemento material central no crime em análise. O agente recorre a artifícios enganosos exclusivamente para iludir a vítima, em princípio, com o propósito de obter uma vantagem claramente ilícita, prejudicando terceiros.

 No entanto, se o agente busca algo que é legal, a infração não será caracterizada como estelionato, mas poderá ser classificada como exercício arbitrário das próprias razões (Art. 345, CP).

Como ensina Capez:

A vantagem deve possuir caráter econômico, uma vez que se trata de um delito de natureza patrimonial. Além disso, essa vantagem deve ser ilícita, ou seja, não estar relacionada a qualquer direito legítimo. Se a vantagem for lícita, estaremos diante do crime de exercício arbitrário das próprias razões. É importante destacar que, se o agente obtém uma vantagem ilícita à custa de outrem, não há necessidade de questionar a idoneidade do meio fraudulento utilizado. Essa questão só é relevante no caso de tentativa (Capez, 2020, p. 842).

Já com relação ao elemento do prejuízo, é necessário para estabelecer a tipificação do delito. Portanto, o crime só será configurado se a vítima experimentar um dano patrimonial que seja equiparável à vantagem indevida obtida pelo agente.

Quanto à fraude, o estelionato pode ocorrer através da utilização de artifícios, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento. É fundamental destacar que o meio escolhido deve, no mínimo, ser capaz de iludir a vítima, pois, caso contrário, estaríamos diante do que a lei considera como “crime impossível”, previsto no art. 17 do CP. (Cunha, 2019). O artifício se refere à fraude no sentido material, ou seja, quando o autor utiliza objetos ou documentos falsos para enganar a vítima e cometer o ato criminoso.

3 ALTERAÇÃO LEGISLATIVA QUANTO À AÇÃO PENAL

Com a chegada do pacote anticrime, ora denominado legislativamente de lei nº 13.964/2019, trouxe a alteração no tipo de ação penal do crime de estelionato. Do qual, antes de sua promulgação, o crime era de ação penal pública incondicionada. No entanto, após entrar em vigor, o delito de estelionato passou a ser de ação penal pública mediante representação.

Resumindo, uma vez que o crime fosse cometido, não era preciso que a vítima expressasse sua vontade a favor ou contra a punição do infrator. Essa avaliação de reprovação era atribuição do Ministério Público, que, após conduzir as investigações, não só apresentava a denúncia criminal contra o suposto estelionatário, mas também desempenhava um papel essencial na condução e nas manifestações ao longo do processo penal.

Embora a polícia judiciária permaneça encarregada das investigações essenciais e o Ministério Público da apresentação da denúncia e da gestão dos atos processuais, o processo criminal só será iniciado se a vítima expressar formalmente o desejo de representação contra o autor. Em outras palavras, a ação penal será desencadeada apenas quando a vítima manifestar seu interesse na punição do infrator.

4 SOCIEDADE E OS AVANÇOS DAS INFORMAÇÕES

A comodidade proporcionada pela internet é um elemento atrativo para as pessoas, o que fica evidente ao analisar o impressionante crescimento de usuários e atividades online nos últimos anos.

Segundo pesquisas conduzidas pelo Comitê Gestor da Internet do Brasil – CGI.br em 2021, o número de usuários da internet no Brasil ultrapassou 152 milhões, o que equivale a cerca de 81% da população brasileira com 10 anos ou mais. Além disso, os estudos demonstraram que o acesso à internet em domicílios aumentou em torno de 12% em comparação com 2019. Adicionalmente, houve um notável aumento no número de usuários em várias categorias, abrangendo moradores de áreas rurais (de 53% em 2019 para 70% em 2020), indivíduos com 60 anos ou mais (de 34% para 50%), aqueles com educação no nível do Ensino Fundamental (de 60% para 73%), bem como entre o público feminino (de 73% para 85%) e nas classes sociais DE (de 57% para 67%).

Logo, diante da alta migração para o meio virtual, os criminosos acabam escolhendo também migrar, e procurar seus alvos fáceis.

Uma análise simples do cenário jurídico criminal atual no Brasil revela que, para muitos criminosos, é mais vantajoso cometer delitos via internet, onde o anonimato é possível, do que envolver-se em crimes nas ruas, como assaltos. Isso ocorre porque, na grande maioria das vezes, o principal objetivo dos infratores que visam crimes contra o patrimônio é obter vantagem econômica.

Por outro lado, o roubo envolve sair às ruas, portar armas de fogo ou armas brancas e correr o risco de ser interceptado pela polícia. Além disso, o roubo é punido com penas mais severas, embora as consequências nem sempre sejam proporcionais ao desfalque patrimonial causado por um estelionatário.

O autor Damásio (2016), já havia dito quanto ao fato de que o meio virtual permitiria aos delinquentes alcançar de forma inimaginável as suas vítimas, e de forma simultânea, enganar inúmeros usuários da rede.

No contexto dos crimes informáticos, é importante notar que as características da internet não apenas possibilitaram o avanço das comunicações, mas também serviram de terreno fértil para o crescimento dos delitos cibernéticos. Esses crimes muitas vezes se beneficiam da sensação de anonimato e da baixa probabilidade de punição. Até recentemente, a legislação brasileira relacionada a crimes informáticos se limitava à Lei nº 9.983/2000, que introduziu apenas alguns poucos artigos no Código Penal, geralmente aplicáveis a funcionários públicos. Globalmente, os crimes virtuais já ocupam o terceiro lugar em termos de prejuízo financeiro, ficando atrás apenas do tráfico de drogas e da falsificação (JESUS, 2016, p.73)

De acordo com Corrêa (2010), a internet abriga um extenso repositório de informações, que, por sua vez, são vistas como ativos valiosos por criminosos, que as exploram com o propósito de cometer delitos e causar prejuízos a terceiros. Historicamente, onde há riqueza, também surgem crimes.

Para esses criminosos, é mais seguro e lucrativo cometer o delito de estelionato em vez de roubo. O estelionato geralmente impõe penas mais leves e, frequentemente, devido às dificuldades na identificação dos autores durante a fase de investigação, os casos nem sempre são resolvidos.

5 FORMAS DE COMBATE AOS CRIMES CIBERNÉTICOS

O enfrentamento dos crimes digitais tornou-se uma prioridade crucial diante do crescente aumento das atividades criminosas no ambiente virtual. Para lidar com essa desafiadora realidade, estão sendo empregadas uma série de estratégias e recursos com o objetivo de preservar a integridade da internet e garantir a segurança dos usuários.

Um dos pilares desse combate é a legislação atualizada, na qual os governos estão desenvolvendo e revisando leis específicas para crimes digitais. Essas leis estabelecem penalidades rigorosas para infratores envolvidos em atividades como hacking, fraudes online, roubo de identidade e invasões de sistemas. Além disso, a cooperação internacional desempenha um papel fundamental, uma vez que muitos desses crimes transpassam fronteiras.

 Tratados e acordos entre países possibilitam a troca de informações e a coordenação de ações para combater essas ameaças globais. Profissionais de segurança cibernética, policiais e juízes desempenham papéis cruciais nesse cenário. O treinamento contínuo mantém esses profissionais atualizados sobre as últimas táticas dos criminosos digitais, permitindo respostas mais eficazes e a aplicação de medidas legais apropriadas.

Além disso, a investigação tecnológica está em foco, com agências de aplicação da lei desenvolvendo habilidades para rastrear atividades digitais, coletar evidências e identificar os infratores por meio da análise forense digital. Uma abordagem holística inclui também a conscientização pública, capacitando os indivíduos a reconhecerem ameaças e adotarem práticas seguras online. A colaboração com a indústria de tecnologia é outra frente importante.

 Ao estabelecer parcerias com empresas de tecnologia e provedores de serviços online, é possível identificar e bloquear atividades suspeitas, além de desenvolver soluções de segurança mais robustas.

A pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias de segurança cibernética também desempenham um papel central nessa luta. Investir em sistemas avançados de detecção de intrusões, firewalls e sistemas de autenticação forte ajuda a proteger contra ameaças digitais em constante evolução.

A análise de big data é outra ferramenta poderosa, capaz de identificar padrões e comportamentos suspeitos que poderiam passar despercebidos em análises convencionais. A resposta ágil a incidentes cibernéticos é igualmente crucial. A detecção rápida e ação imediata ajudam a minimizar os danos e possibilitam a identificação dos criminosos antes que possam escapar.

A criação de equipes especializadas em crimes digitais também se mostra vantajosa, permitindo investigações mais especializadas e uma resposta mais ágil e eficaz aos incidentes.

Resumindo, o combate aos crimes digitais requer uma abordagem multifacetada, abrangendo desde o desenvolvimento de leis específicas até a colaboração com a indústria, a conscientização pública e o investimento em tecnologias de segurança. Somente por meio da cooperação global e da aplicação de estratégias abrangentes será possível criar um ambiente online mais seguro e protegido para todos.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A sociedade está cada vez mais conectada por meio da internet, desempenhando um papel fundamental na interação social, uma necessidade intrínseca ao ser humano. Essas ferramentas digitais fazem parte da vida de muitos brasileiros, e esse ambiente online, como observado, também se tornou uma oportunidade para a prática de crimes, devido à facilidade de acesso e ao grande número de usuários.

Uma análise das doutrinas e das inovações introduzidas pela Lei n° 14.155/2021, que acrescentou parágrafos ao artigo 171 do Código Penal e estabeleceu regras de competência para julgamentos, permitiu traçar um panorama sobre o crime de estelionato. Ficou evidente que o estelionato virtual se tornou uma ocorrência frequente.

No entanto, a identificação dos criminosos continua sendo um desafio significativo, evidenciando a necessidade de reformas legislativas no Brasil para combater eficazmente esses crimes. Isso se reflete na falta de eficiência e resultados substanciais das investigações de crimes virtuais no país, mesmo após as inovações legais mencionadas neste artigo.

REFERÊNCIAS

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[1] Graduado em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ.