A NOVAÇÃO NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL: UMA ANÁLISE SOBRE A APLICAÇÃO DO INSTITUTO DE DIREITO CIVIL AO DIREITO FALIMENTAR
30 de dezembro de 2024THE NOVATION IN JUDICIAL RECOVERY: AN ANALYSIS OF THE APPLICATION OF THE CIVIL LAW INSTITUTE TO BANKRUPTCY LAW
Artigo submetido em 08 de julho de 2024
Artigo aprovado em 19 de julho de 2024
Artigo publicado em 30 de dezembro de 2024
Scientia et Ratio Volume 4 – Número 7 – Dezembro de 2024 ISSN 2525-8532 |
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Autor: Ana Carolina Couto Matheus[1] |
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RESUMO: A pesquisa em epígrafe analisa as características da novação previstas na Lei nº. 11.101/2005, em contraposição às regras do Código Civil, abordando em um primeiro momento, a origem histórica e o desenvolvimento da legislação de falências no Brasil. Em seguida, torna-se fundamental compreender as etapas principais do processo de recuperação judicial. Posteriormente, será apresentada a noção de novação regida pelo Código Civil, juntamente com suas especificidades, a fim de possibilitar maior entendimento acerca da norma, seguida de uma comparação com a novação regida pela Lei nº. 11.101/2005. Insta salientar que a metodologia utilizada foi a revisão bibliográfica, o exame legislativo e jurisprudencial, as técnicas do referente, da categoria, do conceito operacional e do fichamento para avaliar a figura da novação regida pelo Código Civil, a fim de possibilitar uma comparação com a novação regida pela Lei nº. 11.101/2005, seguindo a metodologia dedutiva, ou seja, partindo de problematizações e hipóteses gerais para chegar a um entendimento específico.
Palavras-chave: Novação. Direito Falimentar. Direito Civil.
ABSTRACT: The aforementioned research analyzes the characteristics of novation provided for in Law nº. 11.101/2005, in contrast to the rules of the Civil Code, initially addressing the historical origin and development of bankruptcy legislation in Brazil. Next, it is essential to understand the main stages of the judicial recovery process. Subsequently, the notion of novation governed by the Civil Code will be presented, along with its specificities, in order to enable greater understanding of the norm, followed by a comparison with novation governed by Law nº. 11,101/2005. It is important to highlight that the methodology used was the bibliographical review, the legislative and jurisprudential examination, the referent, category, operational concept and registration techniques to evaluate the figure of novation governed by the Civil Code, in order to enable a comparison with the novation governed by Law nº. 11.101/2005, following the deductive methodology, that is, starting from problematizations and general hypotheses to reach a specific understanding.
Keywords: Novation. Bankruptcy Law. Civil Right.
1 INTRODUÇÃO
Comumente, visando satisfazer seus créditos, cada credor adentra o campo dos procedimentos judiciais ou extrajudiciais, valendo-se de execuções e/ou cobranças conduzidas de forma singular. Entretanto, diante de um conglomerado de credores unidos perante um devedor em comum, torna-se mais eficaz e proporcional instigar um debate em conjunto, com o escopo de instaurar um tratamento mais equitativo entre os credores e propiciar modalidades alternativas e mais viáveis para a consecução das obrigações por parte do devedor.
Diante de tal cenário, o legislador promulgou a legislação falimentar, cuja gestão está sob o comando da Lei nº. 11.101/2005, que regulamenta o âmbito da recuperação judicial, extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária.
Tal dispositivo substituiu o Decreto nº. 7.661/1945 pelo instituto da recuperação judicial, introduzindo também inovações no que tange à ampliação das prerrogativas dos credores, visto que o juízo universal incumbido de conduzir o processo de recuperação apenas detém competência para dirimir questões de natureza jurídica, enquanto que todas as outras, envolvendo propostas, modalidades de quitação e montantes devidos, são objeto de deliberação entre o credor, o empresário (devedor) em processo de recuperação e o administrador judicial.
Nessa conjuntura, é evidente que o direito falimentar redirecionou seu escopo primordial, outrora voltado para a punição do devedor insolvente e sua exclusão do mercado, agora direcionado para a preservação da empresa, com vistas à possível ressurgência desta e à manutenção de suas atividades econômicas, consequentemente, zelando pela estabilidade da economia nacional.
A recuperação judicial e extrajudicial são institutos aplicáveis ao empresário – concebido legalmente conforme estabelecido no artigo 966 do Código Civil – que se encontra em situação de insolvência perante um considerável número de credores, tal concepção é extraída do disposto no artigo 1º da Lei nº. 11.101/2005. Diante deste cenário, o devedor detém a prerrogativa de requerer a recuperação judicial, com o fito de viabilizar sua recuperação e a continuidade de suas operações econômicas.
Os objetivos e princípios norteadores da recuperação judicial estão delineados no artigo 47 da Lei n°. 11.101/2005, quais sejam: a preservação da empresa, a manutenção de sua função social e o estímulo à atividade econômica. A recuperação judicial representa um benefício conferido aos empresários devedores que ostentam meios de efetuar sua recuperação e permanecer no mercado econômico.
Assim sendo, infere-se que a finalidade preponderante é permitir a reabilitação dos empresários em situação crítica, todavia, o empresário deve comprovar a efetiva possibilidade de recuperação, cumprindo diversos requisitos substantivos e formais mediante a apresentação da documentação requerida nos artigos 48 e 51 da Lei n°. 11.101/2005.
Preenchidos os requisitos de legitimidade ativa, os requisitos materiais e formais relativos ao peticionante da recuperação, e tendo a petição inicial sido adequadamente instruída, o juiz universal deve emitir uma decisão de deferimento do pedido de recuperação judicial, conforme preceitua o artigo 52 da Lei nº. 11.101/2005.
Subsequentemente, a parte devedora em recuperação judicial dispõe de um prazo irrevogável de sessenta dias a contar da publicação da decisão que homologou o processamento da recuperação judicial para elaborar o plano de recuperação judicial, conforme estipula o artigo 53 da Lei nº. 11.101/2005.
O plano de recuperação representa uma proposição apresentada pelo devedor, detalhando como pretende quitar suas dívidas junto aos credores. O plano formulado pelo devedor é submetido à votação na Assembleia Geral de credores, ocasião em que estes deliberam sobre sua aprovação ou rejeição, prevalecendo a hipótese afirmativa, o plano é ratificado pelo juízo universal e a recuperação judicial é deferida ao empresário requerente.
Com a aprovação do plano, há uma substituição de todos os créditos abarcados pelo processo de recuperação judicial, em virtude do artigo 59 da Lei nº. 11.101/2005. Todavia, mesmo sendo este tópico expressamente previsto em lei, ainda existe muito a ser discutido, sobretudo no que tange à aplicação do instituto da novação, tradicionalmente regulado pelo Código Civil, no contexto do processo de recuperação judicial, abordando todas as suas particularidades.
A pesquisa objetiva, em sua primeira fase, elucidar a origem histórica e a evolução da legislação falimentar brasileira, e, em seguida, é crucial adquirir conhecimento acerca das etapas centrais do procedimento da recuperação judicial. Posteriormente, busca-se apresentar a figura da novação, regulamentada pelo Código Civil, a fim de possibilitar uma comparação com a novação disposta na Lei nº. 11.101/2005.
O escopo deste estudo é responder ao seguinte questionamento: a novação recuperacional é uma nova manifestação da novação civil tradicional ou uma abordagem inédita da aplicação deste instituto jurídico?
A metodologia utilizada foi a revisão bibliográfica, o exame legislativo e jurisprudencial, para avaliar a figura da novação regida pelo Código Civil, a fim de possibilitar uma comparação com a novação regida pela Lei nº. 11.101/2005, seguindo a metodologia dedutiva, ou seja, partindo de problematizações e hipóteses gerais para chegar a um entendimento específico.
2 ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA LEGISLAÇÃO FALIMENTAR BRASILEIRA
É importante destacar a preocupação com o adimplemento das obrigações desde a Roma Antiga, por meio do instituto manus injectio, como forma de garantia da dívida, inicialmente vinculada ao corpo do devedor. Posteriormente, a Lex Poetelia Papiria proibiu a morte ou escravização do devedor, direcionando a garantia para seu patrimônio.
Durante a transição da Idade Média para a Idade Moderna, o Direito Empresarial surgiu como disciplina especializada, consolidando-se com os Códigos Civil e Comercial na França em 1804 e 1808. Essa regulamentação específica teve impacto direto na evolução do direito falimentar.
No contexto brasileiro, o primeiro Código Comercial foi promulgado em 1850, mas o direito falimentar foi regulamentado independentemente pelo Regulamento 738 no mesmo ano. Contudo, críticas à excessiva autonomia concedida aos credores levaram à necessidade de modificação legislativa, culminando no Decreto nº. 917/1890.
Esse Código Comercial brasileiro havia dado excessiva importância aos interesses dos credores, concedendo-lhes tal autonomia que, ao juiz, cabia apenas homologar as suas decisões tomadas em assembleia geral. Além disso, dois terços dos credores quirografários podiam conceder a moratória e mesmo decidir sobre a decretação da falência. Muita ênfase era dada à ruína do devedor como resultado inevitável de sua falência. E mais, os críticos dessa legislação acusavam o Código de lento e muito dispendioso, e ao mesmo tempo sustentavam que ele havia conseguido a proeza de prejudicar tanto devedores quanto credores (Tzirulnik, 2005, p. 43).
A legislação falimentar brasileira passou por diversas reformas, sendo a mais significativa com o Decreto nº. 7.661/1945 e, posteriormente, em 2005, com a Lei nº. 11.101/2005. Essa última reflete influências dos princípios da função social da empresa e da preservação da empresa, adaptando-se às transformações econômicas e sociais, priorizando a recuperação empresarial em detrimento da punição do devedor insolvente.
2.1 CONCEITO E FINALIDADE DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Destaca-se a influência dos princípios da função social da empresa e da preservação da empresa na legislação falimentar brasileira, especificamente na Lei nº. 11.101/2005. O artigo 47 dessa lei define os objetivos da recuperação judicial, centrados na superação da crise econômico-financeira do devedor, visando a manutenção da fonte produtora, a preservação da empresa, sua função social, o estímulo à atividade econômica, e a proteção dos interesses dos credores e empregados.
A nova abordagem introduzida pela legislação falimentar, em contraste com o antigo Decreto-Lei, prioriza um sistema de reabilitação sobre o sistema de liquidação. A empresa deve demonstrar sua capacidade de recuperação para evitar a declaração de falência. A preservação da empresa é destacada como o cerne da questão, alinhando-se com o direito fundamental consagrado na Constituição Federal e respaldado pelo Enunciado 53 da I Jornada de Direito Civil.
A função social da empresa, regulamentada pelo direito empresarial e pela legislação falimentar, assegura a preservação da empresa, permitindo que ela continue suas atividades econômicas e cumpra sua função social. Em resumo, a legislação falimentar estabelece que a recuperação judicial busca preservar a empresa como meio fundamental para alcançar seus objetivos e princípios.
2.2 PRINCÍPIOS DA LEGISLAÇÃO RECUPERACIONAL
Os princípios da legislação recuperacional são muito importantes na interpretação da Lei nº. 11.101/2005. Os princípios fundamentais, como a preservação da empresa e sua função social, são ressaltados no artigo 47 da referida lei. A preservação da unidade empresarial é considerada crucial para o desenvolvimento econômico, gerando empregos e promovendo a circulação da moeda.
O Princípio da Viabilidade da Empresa destaca a necessidade de comprovar a situação financeira da empresa em crise no pedido de recuperação, utilizando demonstrativos contábeis. O Princípio da Igualdade entre os Credores assegura tratamento equitativo e proporcional, embora exista uma ordem preferencial entre as cinco classes de credores, com os créditos trabalhistas em primeiro lugar.
O Princípio da Participação Ativa dos Credores destaca a importância dos credores na aprovação do plano de recuperação durante a assembleia geral. Os Princípios da Celeridade e Eficiência Processual estão relacionados ao funcionamento contínuo da empresa durante a recuperação, visando cumprir prazos estabelecidos na legislação.
O texto enfatiza que esses princípios orientadores, interligados ao princípio da conservação da empresa, desempenham um papel crucial no processo de recuperação judicial, orientando tanto a interpretação legislativa quanto a jurisprudencial. Eles servem como guias para a legislação falimentar, contribuindo em todas as etapas do processo.
3 O PROCEDIMENTO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL
A recuperação judicial é um processo específico, com particularidades destinadas a permitir a continuidade das operações comerciais de uma empresa em risco. Os dispositivos da legislação falimentar, incluindo a recuperação judicial, não devem ser vistos como medidas negativas, mas sim como benefícios concedidos a um grupo seleto de entidades que atendem aos requisitos legais estipulados.
3.1 A LEGITIMIDADE ATIVA E O PROCESSAMENTO DO PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL
O texto aborda a legitimidade ativa e o processamento do pedido de recuperação judicial, destacando os requisitos de natureza material que o empresário deve atender para obter a autorização do tribunal competente. Enumera os requisitos, como a regularidade da atividade econômica por pelo menos dois anos, ausência de decretação de falência nos últimos cinco anos e a não condenação por crime. Menciona a documentação necessária e destaca a importância de apresentar uma lista completa de todos os credores do devedor.
Na concepção de Tomazette (2021, p. 68), tais diretrizes visam apenas evitar situações em que haja uma representação artificial da verdadeira situação das atividades do requerente.
A constatação prévia, introduzida pela Lei nº. 14.112/2020 permite ao juiz nomear um profissional para analisar a veracidade e integralidade da documentação apresentada com o pedido de recuperação. A constatação prévia não avalia a viabilidade econômica, mas verifica as condições de funcionamento da empresa.
A decisão de processamento do pedido de recuperação autoriza o início do processo, mas a recuperação judicial só é concedida com a aprovação do plano pelos credores em assembleia. Representam efeitos dessa decisão, a nomeação do administrador judicial, a suspensão de ações ou execuções contra o devedor e a centralização dos processos no tribunal universal competente. O próximo passo é continuar a explanar os demais estágios do processo de recuperação judicial, incluindo a elaboração e aprovação do plano de recuperação judicial.
3.2 CRÉDITOS SUJEITOS À RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Os créditos bancários representam exceção estabelecida pela legislação aos créditos sujeitos à recuperação judicial. A legislação concede tratamento privilegiado a esses créditos, isentando-os como efeitos da recuperação judicial, com o objetivo de proteger a estabilidade econômica nacional e reduzir taxas de juros.
Os contratos de alienação fiduciária, nos quais os bancos detêm garantias sobre bens móveis e imóveis, e contratos de venda com reserva de domínio; os créditos desses contratos não estão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial, destacando a importância do registro do contrato em cartório.
A justificativa para esse benefício está na proteção da estabilidade econômica nacional, com o objetivo de proporcionar mais segurança aos empréstimos bancários no Brasil e, assim, reduzir as taxas de juros, dada a importância desses empréstimos em nossa economia, como afirmado por Ramos (2020, p. 1355).
A maioria dos credores que detêm garantias fiduciárias sobre bens móveis e imóveis são bancos, pois são os principais agentes envolvidos em transações garantidas por alienação fiduciária. O contrato de alienação fiduciária é um acordo no qual uma das partes (fiduciante), proprietária de um bem, o aliena em confiança para a outra parte (fiduciário), que se compromete a devolver a propriedade do bem nas condições estabelecidas no contrato.
A “trava bancária” (Ramos, 2020, p. 1361-1362) em que os recebíveis dados em garantia podem prejudicar a recuperação judicial, uma vez que os bancos retêm esses créditos como garantia.
O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou sobre o assunto no julgamento do REsp 1.725.609, afirmando que os créditos decorrentes de contratos de compra e venda com reserva de domínio não estão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial. É importante o registro do contrato em cartório como requisito para a aplicação dessa norma.
Os créditos provenientes de contratos de câmbio, devido à natureza flexível dessas transações em moedas estrangeiras, o legislador os categoriza como extraconcursais, não sujeitos à recuperação judicial.
A legislação de falências especifica quais tipos de créditos não estão sujeitos à recuperação judicial e, portanto, não devem ser incluídos na lista de credores e não estão vinculados às condições do plano de recuperação judicial.
3.3 O PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Trata-se do processo de elaboração, apresentação e aprovação do plano de recuperação judicial. Devido à sua natureza conciliatória, é crucial que haja um consenso entre o devedor e a massa de credores. Para que isso aconteça, é necessário que seja apresentada uma proposta de acordo, que é chamada de plano de recuperação judicial, conforme explicado por Tomazette (2021, p. 73).
O objetivo fundamental da recuperação judicial é reunir todos os credores do empresário em crise em um processo para alcançar um amplo acordo de pagamento de dívidas. Este é o propósito do Plano de Recuperação Judicial.
Em relação à obrigação de apresentação do plano, após a autorização do processamento do pedido de recuperação judicial, a empresa em recuperação tem um prazo de sessenta dias para elaborar e apresentar o plano de recuperação, sendo essa uma obrigação estabelecida por lei.
É muito importante cumprir o prazo legal para a apresentação do plano. O não cumprimento do prazo legal para a apresentação do plano resultará na conversão automática da recuperação em falência.
Quanto ao conteúdo do plano, é aconselhável que o plano seja cuidadosamente elaborado, de preferência por profissionais especializados em administração de empresas ou áreas relacionadas, e que apresente medidas viáveis para superar a crise enfrentada pela empresa, como sugerido por Ramos (2020, p. 1346).
A formulação do plano de recuperação é uma etapa crítica para o sucesso do processo, devendo ser cuidadosamente elaborado por profissionais especializados, apresentando medidas viáveis para superar a crise.
A legislação de falências estabelece requisitos específicos que devem ser incluídos no plano de recuperação, conforme listado nos incisos do artigo 53 da Lei nº. 11.101/2005 (LREF). O cerne do plano é a apresentação dos meios de recuperação, que podem incluir alterações na estrutura de gestão, redução de salários (mediante acordo coletivo) e métodos especiais para pagamento de créditos trabalhistas.
Após a apresentação do plano, os credores têm trinta dias corridos para analisar, manifestar opiniões e apresentar objeções. A ausência de objeções implica aprovação tacitamente. Se houver objeções, o juiz convoca uma Assembleia Geral de Credores para deliberar sobre o plano. Alterações no plano podem ser introduzidas durante a assembleia, desde que haja concordância do devedor.
A aprovação do plano de recuperação em Assembleia Geral de Credores é crucial. O juiz, ao homologar o plano, não analisa a viabilidade econômica da empresa, deixando essa tarefa para os credores, que possuem o poder decisório.
O controle judicial do plano se limita à legalidade, evitando fraude e abuso de direito. O juiz não deve recusar a concessão da recuperação judicial ou a homologação do plano com base na análise econômico-financeira, conforme estabelecido nos enunciados 44 e 46 da I Jornada de Direito Comercial do CJF/STJ.
Se o plano for rejeitado, o administrador judicial pode conceder um prazo para que os credores apresentem um plano alternativo. Se ambos os planos forem rejeitados, o juiz converterá a recuperação judicial em falência.
É muito importante a participação ativa dos credores na análise e aprovação do plano, pois o sucesso da recuperação judicial depende, em grande parte, da cooperação e decisões dos envolvidos no processo.
3.4 DA CONCESSÃO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Em relação à fase de concessão da recuperação judicial, é importante destacar que o juiz, ao homologar o plano de recuperação, concede a recuperação judicial ao empresário devedor, desde que cumpridas as exigências da lei. A concessão ocorre quando o plano não sofre objeção de credor nos termos do artigo 55 ou é aprovado pela assembleia-geral de credores, conforme artigos 45 ou 56-A da LREF.
A partir da concessão da recuperação judicial e a publicação da decisão que homologa o plano, inicia-se a fase executiva do processo de recuperação. O plano começa a produzir efeitos de acordo com o que foi aprovado.
Um dos principais efeitos é a novação de todos os créditos existentes antes do pedido de recuperação, com exceções legais. O artigo 59 da LREF estabelece que o plano implica novação dos créditos anteriores ao pedido, obrigando o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias.
A novação determinada pela lei significa que todos os créditos, inclusive aqueles que surgiram após o pedido de recuperação, estão submetidos aos efeitos do plano, mesmo que o credor não tenha participado da Assembleia Geral de Credores (AGC) ou não tenha concordado com os termos do plano.
A decisão que concede a recuperação judicial constitui um título executivo judicial, conforme o artigo 59, § 1º, da LREF. Essa decisão serve como base para a execução das disposições do plano, vinculando todos os credores do empresário devedor aos efeitos do plano aprovado, por meio da novação.
É importante ressaltar que a novação no contexto da recuperação judicial possui características específicas, diferenciando-se do conceito tradicionalmente disposto no Código Civil. Essa fase da concessão da recuperação judicial é crucial para determinar a eficácia do plano aprovado e para estabelecer as condições sob as quais os créditos serão novados, transformando a decisão judicial em um título executivo judicial vinculante para todas as partes envolvidas.
4 DO INSTITUTO DA NOVAÇÃO
O instituto da novação é muito importante no contexto da recuperação judicial. A novação é um conceito jurídico que envolve a substituição de uma obrigação anterior por uma nova, com o propósito de extinguir a obrigação anterior e criar uma nova obrigação, geralmente com termos e condições diferentes.
Na recuperação judicial, a novação ocorre quando um plano de recuperação é aprovado. Isso implica a substituição dos termos antigos dos contratos de dívida pelos estipulados no plano, vinculando os credores aos novos termos.
O efeito principal da novação na recuperação judicial é vincular os credores aos termos e condições do plano aprovado. Os credores não podem mais exigir o cumprimento das obrigações originais estipuladas nos contratos de dívida anteriores ao pedido de recuperação, estando sujeitos às regras do plano.
Os pressupostos da novação na recuperação judicial incluem a aprovação do plano pelos credores durante a Assembleia Geral de Credores (AGC) e a homologação judicial do plano pelo juiz. A aprovação pelos credores é seguida pela homologação judicial para que o plano entre em vigor.
A novação tem origem na substituição de obrigações em contratos civis e comerciais. Na recuperação judicial, ela é uma ferramenta legal essencial para reorganizar as dívidas da empresa em crise, possibilitando sua reabilitação financeira.
É crucial o posicionamento dos tribunais brasileiros sobre a novação na recuperação judicial. A jurisprudência geralmente reconhece a validade da novação na recuperação judicial, desde que os requisitos legais sejam cumpridos, ou seja, a aprovação pelos credores e a homologação judicial.
Em suma, a novação na recuperação judicial é um mecanismo legal que substitui as obrigações anteriores da empresa por novas, estabelecidas no plano aprovado. Isso é essencial para reorganizar as dívidas da empresa e facilitar sua recuperação financeira, com base na novação civil tradicional e respaldo na legislação e jurisprudência brasileira.
4.1 A NOVAÇÃO CIVIL E SUAS CARACTERÍSTICAS
A palavra “novação” tem origem no latim, significando “renovação”. No direito romano, a novação surgiu como uma maneira de extinguir obrigações impróprias, resultando na extinção da obrigação principal sem o efetivo cumprimento da prestação original.
A novação romana, por sua natureza, era uma técnica legal que permitia a substituição de uma obrigação por outra, extinguindo a primeira. Essa prática visava renovar relações jurídicas sem a necessidade de cumprimento efetivo da obrigação original.
Os princípios da novação romana influenciaram o conceito de novação no direito contemporâneo, incluindo seu uso na recuperação judicial. Na novação, ocorre indiretamente a cessão de crédito, extinguindo a obrigação primitiva e dando origem a uma nova entre o antigo devedor e um novo credor.
A novação é uma forma de transferência de crédito entre partes. Para Alves (2018, p. 478) “se eu quiser que seja devido a ti o que outrem me deve, não posso empregar nenhum dos modos de alienar as coisas corpóreas, sendo mister que, à minha ordem, tu estipules com ele; donde resulta que ele se desobriga com relação a mim, sujeitando-se a ti”; o que se denomina novação da obrigação.
A novação moderna não exige a manutenção das mesmas condições da obrigação anterior. Requisitos incluem a existência de uma obrigação anterior, a constituição de uma nova obrigação, a ocorrência de algo de novo e a intenção de novar.
No direito brasileiro, a novação é disciplinada nos artigos 360 a 367 do Código Civil. Esses artigos definem o conceito e os meios de aplicação desse instituto jurídico, estabelecendo as bases para sua utilização em diversas situações.
4.2 REQUISITOS DA NOVAÇÃO
O primeiro requisito essencial para que ocorra a novação civil é a existência prévia de uma obrigação válida (prior obligatio). A existência de uma obrigação prévia é o propósito fundamental da novação, sendo essencial para sua aplicação.
“Se a novação tem por finalidade extinguir uma relação obrigacional precedente, será imprescindível que esta exista, sob pena de a novação perder sua razão de ser; assim, é essencial a existência de um débito anterior, que será substituído por um novo” (Diniz, 2007, p. 292). A obrigação preexistente deve ser válida; obrigações nulas, extintas ou inexistentes não podem ser objeto de novação, conforme o disposto no art. 367 do Código Civil.
Quanto à possibilidade de transformação substancial, mesmo uma obrigação nula pode ser transformada substancialmente em uma nova obrigação viável, desde que contenha os mesmos requisitos da obrigação predecessora, de acordo com o art. 170 do Código Civil.
Obrigações anuláveis podem ser objeto de novação, pois permanecem válidas até serem anuladas por sentença judicial, conforme previsto no art. 177 do Código Civil.
A obrigação anulável permanecerá válida enquanto não for anulada por sentença. O vício que torna anulável a obrigação não afeta a ordem pública, e a disposição legal que prescreve seu desfazimento visa tão-somente a proteção do relativamente incapaz ou do que foi vítima de um vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude (Diniz, 2007, p. 292).
O segundo requisito da novação civil é a constituição de uma nova obrigação (posterior obligatio). A constituição de uma nova obrigação é um requisito fundamental da novação. A novação ocorre apenas se a nova obrigação for substancialmente distinta da antiga, podendo recair sobre o objeto e os sujeitos da obrigação. A nova obrigação deve atender aos requisitos do art. 104 do Código Civil para ser válida como novo negócio jurídico.
Caso não haja o conhecimento, a obrigação novada pode ser apenas anulável em parte (não viciada). Assim, o negócio continua a produzir efeitos no mundo jurídico, em conformidade com o explanado por Farias e Rosenvald (2017, p. 514).
O terceiro requisito da novação é a intenção de novar (animus novandi). A intenção de novar é considerada o elemento psíquico da novação. As partes interessadas devem expressamente declarar sua vontade de realizar o novo negócio jurídico com o objetivo de extinguir e substituir a obrigação prévia.
O animus novandi não se presume, precisa ser inequivocamente declarado pelas partes. Caso não haja intenção de novar, a segunda obrigação confirma simplesmente a primeira, sem aplicação do instituto da novação. Trata-se de ponto controverso a possibilidade de novação de obrigações naturais, mas alguns doutrinadores, como Gonçalves (2020), defendem sua aplicação.
O art. 104 do Código Civil estabelece condições para a validade do negócio jurídico, incluindo agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável, e forma prescrita ou não defesa em lei. O art. 361 do Código Civil estabelece que, não havendo ânimo de novar, a segunda obrigação confirma simplesmente a primeira.
4.3 EFEITOS DA NOVAÇÃO
A novação apresenta efeitos duplos, atuando tanto como agente extintor da obrigação prévia, quanto como gerador de uma nova obrigação sob um novo contexto contratual. Em relação ao efeito extintivo a novação age como agente de redenção, desfazendo os laços da obrigação preexistente. Com a extinção da obrigação ancestral, a cessação de todos os seus efeitos originais ocorre concomitantemente.
Apesar da regra de que o credor devedor insolvente não pode buscar regressão contra o devedor primordial, a boa-fé é essencial. Se o devedor ocultar intencionalmente a insolvência do sucessor na obrigação, a má-fé pode restaurar a obrigação anterior, como destaca Gonçalves (2020, p. 389).
A novação exonera automaticamente os devedores solidários que não participaram da novação. A responsabilidade persiste apenas para os devedores solidários que aderiram à nova obrigação, conforme o artigo 365 do Código Civil. A novação extingue obrigações acessórias, como juros e multas, e suas garantias, incluindo as reais, a menos que estejam vinculadas a garantias específicas como penhor, anticrese e hipoteca.
Destaca-se a distinção com a novação recuperacional, onde, como regra, os efeitos das garantias dos créditos novados são mantidos. Esses efeitos demonstram a potência normativa da novação, ressaltando a necessidade de cuidado e cautela por parte das partes envolvidas.
A má-fé pode anular a novação, e a exoneração automática dos devedores solidários é contraposta ao princípio da boa-fé. Além disso, a novação, ao extinguir obrigações acessórias e garantias, impacta significativamente o contexto das relações contratuais.
4.4 MODALIDADES DE NOVAÇÃO
As modalidades de novação, delineadas no art. 360 do Código Civil, abrangem diferentes situações em que a novação pode ocorrer. Na modalidade de novação objetiva ou real, o devedor assume uma nova obrigação para extinguir e substituir a anterior, mantendo os mesmos sujeitos da relação anterior, mas alterando o objeto da obrigação. A base legal é o art. 360, inciso I, do Código Civil.
A novação subjetiva ou pessoal envolve a substituição dos sujeitos na nova relação jurídica. Na novação subjetiva passiva ocorre a substituição do antigo devedor por um novo, liberando o primeiro da dívida.
Existem duas modalidades de novação subjetiva passiva: por expromissão ou por delegação. Por expromissão ocorre pela substituição sem a necessidade do consentimento do devedor original (artigo 362 do Código Civil). A delegação requer a anuência do devedor original ao indicar um terceiro para assumir sua posição na obrigação.
A novação subjetiva ativa, prevista no artigo 360, incisos II e III, do Código Civil, é a substituição do antigo credor por um novo, com o primeiro renunciando ao crédito mediante a celebração de uma nova obrigação. Ocorre a distinção clara dos institutos da cessão de crédito e sub-rogação, pois na novação ativa, a antiga obrigação é extinta e uma nova é criada.
A novação mista ocorre simultaneamente à mudança do objeto da prestação e dos sujeitos da relação jurídica obrigacional, ou seja, tanto o conteúdo quanto os participantes da obrigação sofrem alterações substanciais. Trata-se da combinação das modalidades objetiva e subjetiva.
Em suma, a novação é um instituto jurídico complexo com diferentes modalidades, cada uma com requisitos, efeitos e formas de aplicação distinta. O propósito principal da novação é extinguir uma obrigação antiga, substituindo-a por uma nova no cenário jurídico. A aplicação adequada requer atenção aos requisitos específicos de cada modalidade para alcançar o resultado desejado.
5 DA NOVAÇÃO RECUPERACIONAL E SUAS PECULIARIDADES
A novação no contexto da recuperação judicial de empresas, conforme estabelecido na Lei de Recuperação e Falências (LREF), envolve a substituição de uma obrigação anterior por uma nova, notadamente relevante no processo de reorganização financeira de empresas em crise.
A aprovação do plano de recuperação judicial implica novação de todos os créditos anteriores ao pedido, conforme o artigo 59 da LREF. Após a concessão da recuperação judicial, a novação implica a substituição dos termos antigos dos contratos de dívida pelos estipulados no plano de recuperação aprovado. Isso vincula os credores aos novos termos, extinguindo as obrigações anteriores. A novação também confere à decisão judicial que concede a recuperação judicial o status de título executivo judicial.
O artigo 49 da LREF amplia a abrangência da recuperação judicial a todos os créditos existentes na data do pedido, mesmo os não vencidos. Destaca-se que os credores conservam seus direitos e privilégios contra coobrigados, fiadores e obrigados de regresso.
A novação recuperacional não prejudica as garantias existentes, nem introduz alterações nas relações com os coobrigados e devedores solidários. Os credores mantêm intactos os seus direitos e privilégios em relação aos coobrigados, fiadores e obrigados regressivos.
A concessão da recuperação judicial não resulta na suspensão das garantias vinculadas à obrigação principal. Isso significa que eventuais ações judiciais de execução podem prosseguir normalmente contra o devedor, sem que as garantias sejam afetadas pelo processo de recuperação judicial. Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do Agravo Regimental no Conflito de Competência 116.173/AL:
AGRAVO REGIMENTAL NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. AS AÇÕES E EXECUÇÕES MOVIDAS CONTRA OS AVALISTAS NÃO SE SUSPENDEM POR FORÇA DO DEFERIMENTO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL DA COOBRIGADA. 1. Decorre do art. 6º da Lei 11.101/05 a suspensão das ações e execuções que se voltem contra o patrimônio da sociedade em recuperação. 2. O art. 49, § 1º, da Lei 11.101/2005, prevê que os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso. 3. A obrigação que decorre do aval é autônoma, não tendo a sua eficácia suspensa pelo deferimento da recuperação judicial da sociedade garantida. Precedentes. 4. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Conflito de Competência 116.173/AL. Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Brasília. AgRg no CC n. 116.173/AL, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Segunda Seção, DJe de 15.4.2013).
Neste sentido também é o posicionamento STJ no Informativo nº 554, a saber:
DIREITO EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL DE DEVEDOR PRINCIPAL E TERCEIROS DEVEDORES SOLIDÁRIOS OU COOBRIGADOS EM GERAL. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ). A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das execuções nem induz suspensão ou extinção de ações ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória, pois não se lhes aplicam a suspensão prevista nos arts. 6º, caput, e 52, III, ou a novação a que se refere o art. 59, caput, por força do que dispõe o art. 49, § 1º, todos da Lei 11.101/2005 (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recursos Repetitivos. Informativo nº 554, de 25 de fevereiro de 2015. Rel. Min. Luis Felipe Salomão. Informativo nº 554 do STJ, publicado em 25 de fevereiro de 2015, p. 8).
É evidente o posicionamento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em relação a esse tema, aplicando rigorosamente as diretrizes estabelecidas no artigo 49, § 1º da Lei de Recuperação e Falências. A Súmula nº 581 do STJ também corrobora essa abordagem, estabelecendo que a recuperação judicial do devedor principal não impede o andamento das ações contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória.
A novação recuperacional não extingue as obrigações acessórias ou as garantias vinculadas à obrigação principal. Por conseguinte, percebe-se que o disposto no art. 49, § 1º da LREF aparenta ir de encontro ao disposto no art. 364 do Código Civil, o qual exprime que a novação extingue os acessórios e garantias da dívida, sempre que não houver estipulação em contrário.
Conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a recuperação judicial não suspende ações e execuções contra avalistas, coobrigados ou devedores solidários. A obrigação decorrente do aval é autônoma e não tem sua eficácia suspensa pela recuperação judicial da sociedade garantida.
A novação na recuperação judicial, ao contrário da novação civil comum, preserva as garantias reais ou fidejussórias, permitindo que os credores exerçam seus direitos contra terceiros garantidores. A novação na recuperação judicial é específica, sujeita a condição resolutiva e não extingue as garantias, diferenciando-se da novação prevista na lei civil.
As particularidades da novação recuperacional no contexto da recuperação judicial de empresas se contrastam com a novação civil tradicional, especialmente no que diz respeito às garantias vinculadas às obrigações.
Inicialmente, destaca-se a aparente contradição entre a novação recuperacional, regida pelos dispositivos da Lei de Recuperação e Falências (LREF), e a novação civil tradicional conforme o Código Civil. Enquanto o Código Civil, no artigo 364, estabelece que a novação extingue garantias, a LREF, nos artigos 49, § 1º, e 59, afirma que a novação recuperacional não prejudica as garantias vinculadas às obrigações.
À primeira vista, a novação recuperacional parece seguir a lógica da novação civil tradicional, ocorrendo quando o devedor, ao aprovar o plano de recuperação, substitui uma obrigação preexistente por uma nova. No entanto, ao examinar mais detalhadamente a legislação de falências, são evidenciadas peculiaridades, principalmente no que diz respeito às garantias.
Enquanto a novação civil comumente extingue garantias, na novação recuperacional, a regra é a manutenção delas, conforme os artigos 49, § 1º, e 59 da LREF. Isso se deve à transferência da obrigação antiga para uma nova mediante a aprovação do plano de recuperação. A novação recuperacional ocorre “sem prejuízo das garantias”, conforme o disposto no artigo 59 da LREF.
As garantias não são afetadas pelo processo de recuperação judicial, o que proporciona segurança aos credores em relação aos seus direitos. O artigo 50 da LREF introduz uma exceção ao disposto no artigo 49, § 1º, permitindo a supressão ou substituição das garantias, desde que haja a aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia real.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) estendeu a aplicação do artigo 50, § 1º da LREF, afirmando no Informativo nº 591 que, durante a assembleia geral de credores, se o plano de recuperação explicitamente prevê a classe dos credores reais, estes têm o poder de aprovar a supressão de todas as garantias fidejussórias ou reais.
O Informativo nº 591 do STJ discute a vinculação de todos os credores à determinação de um plano de recuperação judicial aprovado pela maioria na assembleia geral de credores. Destaca que, se a maioria dos credores, devidamente representada pelas respectivas classes, optar, por meio de dispositivo expressamente consignado no plano de recuperação judicial, pela supressão de todas as garantias fidejussórias e reais existentes na data da aprovação do plano, todos os credores, inclusive aqueles que não compareceram à assembleia ou que se abstiveram ou votaram contrariamente, estarão vinculados a essa determinação.
O STJ ressalta que o Poder Judiciário pode promover o controle de legalidade do plano de recuperação judicial, sem interferir na análise da viabilidade econômica da empresa em crise. O artigo 59 da Lei nº. 11.101/2005 estabelece que a concessão de recuperação judicial enseja a novação das obrigações, sem prejuízo das garantias, observando o disposto no § 1º do artigo 50 da mesma lei.
A novação operada pelo plano de recuperação judicial é diferenciada da novação civil, pois, enquanto a novação civil extingue as garantias da dívida, a novação recuperacional, por regra, preserva as garantias, especialmente as reais. A supressão ou substituição dessas garantias só é permitida mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia, conforme estabelecido no § 1º do artigo 50.
O referido Informativo destaca que a extinção das obrigações decorrente da homologação do plano de recuperação judicial está condicionada ao efetivo cumprimento de seus termos. Caso a condição resolutiva não seja implementada, os credores terão reconstituídos seus direitos e garantias nas condições originariamente contratadas, conforme o artigo 61, § 2º, da Lei nº. 11.101/2005. A não implementação da condição resolutiva pode levar à decretação da falência.
Ao permitir a supressão das garantias mediante aprovação majoritária na assembleia, a lei não restringe essa decisão apenas aos credores que votaram favoravelmente, visando viabilizar a consecução do plano de recuperação judicial. Destaca-se que a necessidade de consentimento dos credores com garantia real, conforme o artigo 50, § 1º, foi preservada, uma vez que todos os credores, ao aprovarem o plano que dispõe sobre a supressão das garantias, anuíram com essa condição.
O Recurso Especial nº. 1.794.209 – SP indica uma decisão mais recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em relação ao tema da supressão de garantias em planos de recuperação judicial. Segundo essa nova interpretação, a clareza e especificidade das cláusulas nos planos de recuperação tornam-se ainda mais relevantes.
De acordo com essa posição restritiva adotada pelo STJ, as cláusulas que dispensam as garantias, mesmo aprovadas pela assembleia geral de credores, aplicam-se somente aos credores que expressamente renunciem às suas garantias. Portanto, a aprovação na assembleia geral de credores não implica automaticamente na supressão das garantias de todos os credores reais. Somente aqueles que manifestarem expressamente sua renúncia às garantias estarão sujeitos a essa supressão.
Essa decisão destaca a importância da manifestação clara por parte dos credores reais que desejam manter suas garantias, mesmo que o plano seja aprovado pela assembleia geral de credores. A interpretação mais restrita reforça a necessidade de uma abordagem específica e individualizada para cada credor em relação às suas garantias, proporcionando uma maior proteção aos direitos dos credores na recuperação judicial.
O exposto fornece uma análise abrangente sobre o processo de recuperação judicial no contexto das normas estabelecidas pela Lei de Recuperação e Falências (LREF) no Brasil, incluindo considerações sobre novação, aprovação do plano de recuperação, supressão de garantias, prazos e a possível convolação da recuperação em falência.
A partir da interpretação mais recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), destaca-se a importância da clareza nas cláusulas do plano de recuperação, especialmente aquelas relacionadas à supressão de garantias. Conforme o Recurso Especial nº. 1.794.209 – SP, a cláusula que prevê a supressão das garantias reais e fidejussórias só se aplica aos credores que expressamente concordaram com a aprovação do plano, não sendo eficaz em relação aos credores ausentes da assembleia geral, abstidos de votar ou que se posicionaram contra tal disposição.
Além disso, caso o devedor descumpra o plano dentro do prazo de dois anos após a concessão da recuperação judicial, isso pode levar à convolação da recuperação em falência, conforme previsto no artigo 61 da LREF. Essa possibilidade busca assegurar que o cumprimento do plano ocorra dentro de um prazo razoável e proporciona aos credores uma via para protegerem seus interesses no caso de inadimplemento.
A análise detalhada dos artigos 61 e 63 da LREF mostra que, se o plano for cumprido adequadamente, o juiz pode decretar o encerramento da recuperação judicial. Isso inclui o pagamento do saldo de honorários ao administrador judicial, a apuração do saldo das custas judiciais, a apresentação de relatório circunstanciado do administrador judicial sobre a execução do plano e a dissolução do Comitê de Credores.
Em resumo, o processo de recuperação judicial no Brasil é um mecanismo complexo que visa proporcionar a revitalização de empresas em dificuldades financeiras, garantindo, ao mesmo tempo, a proteção dos direitos dos credores. O acompanhamento das decisões judiciais e o entendimento das disposições legais são cruciais para as partes envolvidas neste processo. A novação recuperacional é uma modalidade peculiar desse instituto jurídico que se adapta às características específicas do processo de recuperação judicial.
A ênfase na não extinção imediata dos créditos e na condição resolutiva vinculada ao cumprimento do plano de recuperação é crucial para compreender a dinâmica dessa novação. A possibilidade de conversão da recuperação em falência, caso o devedor não cumpra o plano, evidencia a natureza condicional da novação recuperacional, diferenciando-a substancialmente da novação civil tradicional.
A manutenção das garantias reais, a conservação dos direitos contra coobrigados e a permissão para inclusão de cláusulas no plano que prevejam a supressão ou substituição das garantias, mediante a expressa concordância dos credores, são aspectos que ressaltam a complexidade e a flexibilidade desse instituto no contexto da recuperação judicial.
A novação recuperacional é uma resposta legislativa às demandas específicas do ambiente de reestruturação de empresas em dificuldades financeiras. Demonstra a necessidade de adaptação das normas jurídicas para lidar com situações complexas e dinâmicas. Sua análise abrangente contribui para uma compreensão mais profunda desse fenômeno jurídico.
A novação é uma ferramenta jurídica essencial na reestruturação de dívidas durante a recuperação judicial, com diversas nuances e implicações específicas que devem ser compreendidas para sua correta aplicação.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante o decorrer da pesquisa realizada sobre o tema em questão, evidenciou-se que o procedimento de recuperação judicial, conforme regido pela Lei nº. 11.101/2005 introduziu no ordenamento jurídico brasileiro uma inovadora maneira de permitir que o empresário devedor em situação de crise possa se reabilitar, desde que demonstre de forma convincente sua capacidade de se recuperar.
Assim, a legislação de reestruturação deve abranger todos os elementos necessários para facilitar essa recuperação do empresário em crise, visto que a manutenção da atividade econômica é benéfica para todas as partes envolvidas, contribuindo para o bom funcionamento da economia nacional, e a falência deve ser uma opção apenas para as empresas cuja recuperação é manifestamente inviável.
Nesse contexto, a preservação da empresa e de sua função social não são meros conceitos abstratos, mas sim objetivos concretos que devem ser alcançados por meio da recuperação judicial, conforme estabelecido no artigo 47 da Lei nº. 11.101/2005.
Ao contrário da crença comum, a recuperação judicial é um benefício concedido exclusivamente aos empresários, conforme definido no artigo 966 do Código Civil, quando estes se encontram em situação de insolvência.
A legislação de falência apresenta diversas particularidades que a distinguem de outros ramos do direito, e quando conceitos de outras áreas do direito são aplicados ao processo de recuperação, é necessário adaptá-los à finalidade central da recuperação, criando novas categorias jurídicas ou formas flexíveis de aplicação.
Portanto, o objetivo geral da pesquisa foi apresentar os procedimentos processuais e os objetivos fundamentais do instituto da recuperação judicial, destacando a inovação do legislador ao incorporar, na legislação de reestruturação tradicionalmente relacionada ao Direito Empresarial, o conceito de novação, que tradicionalmente pertence ao âmbito do Direito Civil.
Além disso, foram abordadas várias distinções entre a novação prevista na legislação de reestruturação e a novação civil, incluindo questões relacionadas às garantias dos credores e aos direitos vinculados às obrigações originais.
Consequentemente, surge a pergunta sobre a natureza da novação na recuperação, ou seja, se ela representa uma nova espécie de novação civil tradicional ou uma maneira diferente de aplicar esse conceito jurídico.
Foi discutido que existem diferenças significativas entre a novação na legislação de reestruturação e a novação civil, especialmente no que diz respeito às garantias dos credores e aos direitos vinculados às obrigações originais.
A novação na recuperação judicial é uma categoria única de novação, que difere substancialmente da novação civil em seus objetivos e efeitos nas obrigações às quais se aplica. Envolve a substituição de uma obrigação antiga por uma nova, contida no plano de recuperação, que só é extinta após o cumprimento integral do plano.
A novação na recuperação inclui uma cláusula resolutiva condicionada, que pode resultar na conversão da recuperação em falência se o plano não for cumprido, restaurando assim as obrigações e garantias originalmente contratadas.
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[1] Doutora em Ciência Jurídica pela UNIVALI-SC. Mestre em Direito pela UNIPAR-PR. Especialista em Direito Tributário pela UnP-RN. Pós-Graduada em Direito Constitucional pela UVB-SP. Bacharel em Direito pela TOLEDO-SP. Professora Associada do Departamento de Ciências Jurídicas, do Centro de Ciências Jurídicas da UFPB. Professora de Direito Processual Civil do DCJ/CCJ/UFPB. Orientadora. Conferencista. Conselheira Editorial. Pesquisadora. Advogada. Consultora Jurídica. E-mail: carol.couto2023@gmail.com.