ANÁLISE DA LIBERDADE RELIGIOSA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

ANÁLISE DA LIBERDADE RELIGIOSA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

20 de dezembro de 2023 Off Por Scientia et Ratio

ANALYSIS OF RELIGIOUS FREEDOM IN CONTEMPORARY BRAZIL

Artigo submetido em 02 de novembro de 2023
Artigo aprovado em 15 de dezembro de 2023
Artigo publicado em 20 de dezembro de 2023

Scientia et Ratio
Volume 3 – Número 4 – Dezembro de 2023
ISSN 2525-8532
Autor:
Markus Samuel Leite Norat[1]

Resumo: O presente artigo explora a liberdade religiosa no Brasil, abordando sua evolução histórica, marco legal e institucional, prática cotidiana e as experiências de minorias religiosas. A análise histórica destaca a influência da Igreja Católica durante o período colonial e a transição para a laicidade do Estado com a República. Legalmente, a Constituição de 1988 estabelece o Brasil como um Estado laico, garantindo liberdade religiosa. Entretanto, na prática, há um descompasso entre a legislação e a realidade, evidenciado por casos de discriminação e intolerância, principalmente contra minorias religiosas. O papel das instituições governamentais, judiciárias e não governamentais é fundamental na proteção deste direito; e apesar dos avanços legais, desafios persistem na garantia efetiva da liberdade religiosa no Brasil, exigindo políticas públicas inclusivas e promoção do diálogo inter-religioso para uma coexistência pacífica e respeitosa entre diferentes crenças.

Palavras-chave: Liberdade Religiosa; Laicidade; Discriminação Religiosa.

Abstract: This article explores religious freedom in Brazil, addressing its historical evolution, legal and institutional framework, daily practice, and the experiences of religious minorities. The historical analysis highlights the influence of the Catholic Church during the colonial period and the transition to a secular state with the Republic. Legally, the 1988 Constitution establishes Brazil as a secular state, ensuring religious freedom. However, in practice, there is a discrepancy between legislation and reality, evidenced by cases of discrimination and intolerance, especially against religious minorities. The role of governmental, judicial, and non-governmental institutions is fundamental in protecting this right; and despite legal advances, challenges persist in effectively guaranteeing religious freedom in Brazil, requiring inclusive public policies and the promotion of inter-religious dialogue for a peaceful and respectful coexistence among different beliefs.

Keywords: Religious Freedom; Secularity; Religious Discrimination.

INTRODUÇÃO

A liberdade religiosa, enquanto direito fundamental, é essencial para a manutenção de uma sociedade plural e democrática. No Brasil, essa liberdade se configura como um pilar vital para o respeito à diversidade cultural e religiosa, sendo um reflexo direto da complexidade histórica e social do país. A presente pesquisa tem como objetivo central analisar a liberdade religiosa no Brasil, desde suas raízes históricas até sua configuração na contemporaneidade, explorando as dinâmicas legais, sociais e culturais que a moldam.

O Brasil, caracterizado por sua diversidade étnica e cultural, apresenta um mosaico de práticas e crenças religiosas. Essa pluralidade é fruto de um longo processo histórico que inclui influências indígenas, africanas, europeias, além das contribuições de imigrantes de várias partes do mundo. Entender como a liberdade religiosa se desenvolveu neste contexto exige uma análise detalhada de vários períodos, especialmente o período colonial, marcado pela imposição da fé católica, e a transição para a República, que estabeleceu a laicidade do Estado.

A Constituição Federal de 1988 é um marco para a liberdade religiosa no Brasil, assegurando a liberdade de crença e o livre exercício dos cultos religiosos. Apesar dessa garantia constitucional, a prática cotidiana frequentemente revela desafios, como casos de intolerância e discriminação, especialmente contra minorias religiosas. Isso ressalta uma lacuna entre a teoria legal e a realidade vivida por muitos cidadãos.

O estudo da liberdade religiosa no Brasil é de relevância fundamental não apenas para compreender aspectos específicos da sociedade brasileira, mas também para contribuir para o debate mais amplo sobre direitos humanos e tolerância religiosa. Analisar como diferentes instituições, desde o governo até a sociedade civil, atuam na garantia desses direitos é crucial para identificar avanços, desafios e oportunidades para uma coexistência pacífica e respeitosa entre diferentes grupos religiosos.

Este estudo visa, portanto, fornecer um panorama detalhado da liberdade religiosa no Brasil, contribuindo para o entendimento de como um país com tamanha diversidade religiosa lida com o desafio de garantir e promover o respeito mútuo entre diferentes crenças. Além disso, busca oferecer insights sobre políticas públicas e iniciativas sociais que podem ser implementadas para reforçar a liberdade religiosa e o respeito à diversidade no país.

1. CONTEXTO HISTÓRICO DA LIBERDADE RELIGIOSA NO BRASIL

O período colonial brasileiro, que se estendeu do início do século XVI até o final do século XVIII, foi marcado por uma forte influência da Igreja Católica na sociedade e na cultura da época. Esta influência pode ser atribuída principalmente ao papel que a Igreja Católica desempenhou na colonização portuguesa, estabelecendo-se como uma instituição fundamental para a implementação das políticas coloniais e para a manutenção da ordem social.

No início da colonização, a relação entre a Igreja e o Estado português era estreita e interdependente, regida pelo regime do Padroado, que conferia ao rei de Portugal o controle sobre as questões eclesiásticas nas colônias. Este arranjo permitiu que a Igreja Católica exercitasse grande poder na sociedade colonial, tanto no aspecto espiritual quanto no temporal. A Igreja não apenas era responsável pela educação religiosa e pela moralidade pública, mas também exercia funções administrativas e judiciais, muitas vezes atuando como intermediária entre os colonizadores e os povos indígenas.

A catequese dos povos indígenas foi um dos aspectos mais significativos da atuação da Igreja Católica no Brasil colonial. Missionários, especialmente os jesuítas, foram fundamentais nesse processo, não só na conversão religiosa, mas também na transmissão de aspectos da cultura europeia. Este processo, como salienta Boxer (1962), não foi livre de conflitos e resistências, evidenciando as complexidades das interações culturais e espirituais da época.

Além disso, a Igreja desempenhou um papel relevante na legitimação das práticas coloniais, incluindo a escravidão. Embora alguns membros do clero, como o padre António Vieira, tenham defendido os direitos dos indígenas, a instituição como um todo manteve uma postura ambígua em relação à escravidão africana, como aponta Schwartz (1985). A aceitação tácita da escravidão pela Igreja foi crucial para a sua perpetuação durante o período colonial.

O impacto da Igreja Católica no Brasil colonial estendeu-se também à arquitetura, arte e às festividades religiosas, que se tornaram parte integrante da cultura brasileira. Igrejas barrocas, procissões e festas religiosas não só demonstravam o poder e a riqueza da Igreja, mas também serviam como instrumentos de evangelização e controle social.

A transição do Brasil de uma monarquia para uma república, no final do século XIX, representou uma mudança significativa não apenas na estrutura política do país, mas também nas relações entre o Estado e a Igreja Católica. O advento da República Brasileira, proclamada em 1889, trouxe consigo o princípio da laicidade do Estado, marcando o fim do regime do Padroado e estabelecendo uma separação formal entre a Igreja e o Estado.

Durante o Império, o Brasil vivenciou uma estreita relação entre o Estado e a Igreja Católica, com esta última desfrutando de privilégios consideráveis, como o monopólio da educação e a influência sobre as políticas governamentais. Contudo, com a proclamação da República, essa dinâmica mudou drasticamente. A Constituição de 1891, influenciada pelos ideais liberais e positivistas da época, instituiu a separação entre a Igreja e o Estado, retirando da Igreja o status de religião oficial do Brasil.

A laicidade do Estado, como apontado por Lacerda (1998), significou que o governo republicano não deveria favorecer ou prejudicar nenhuma religião, garantindo liberdade religiosa para todos os cidadãos. Este movimento foi influenciado por tendências globais de secularização e pelo desejo de modernizar e civilizar o país, segundo padrões europeus e norte-americanos. A separação entre a Igreja e o Estado foi, portanto, uma tentativa de alinhar o Brasil com os princípios do liberalismo e do republicanismo.

No entanto, essa transição não foi livre de desafios. A Igreja Católica, que havia sido uma força dominante na sociedade brasileira por séculos, resistiu a essa perda de poder e influência. Como mencionado por Ventura (2003), a Igreja buscou meios de manter sua presença na vida pública, adaptando-se ao novo contexto e buscando novas formas de exercer influência, especialmente através da educação e da ação social.

A laicidade do Estado brasileiro, embora estabelecida na Constituição, foi e continua sendo um processo dinâmico e complexo. A relação entre a religião e o Estado no Brasil é caracterizada por uma tensão contínua entre o princípio constitucional da laicidade e a forte presença da religião na sociedade brasileira.

A evolução histórica da liberdade religiosa no Brasil e seu impacto nas práticas religiosas contemporâneas é um tema de grande relevância, considerando a rica tapeçaria de crenças e tradições presentes no país. Desde o período colonial, passando pela República e chegando aos dias atuais, o Brasil experimentou diversas transformações que moldaram a maneira como a religião é vivida e expressa na sociedade.

Durante o período colonial, como discutido anteriormente, a Igreja Católica detinha um papel central, sendo a única religião oficialmente reconhecida. Com a chegada da República e a instituição da laicidade do Estado, houve uma abertura para a diversificação religiosa, embora a Igreja Católica continuasse a ter uma influência significativa. Esse cenário propiciou o surgimento e a expansão de diversas denominações cristãs, especialmente as igrejas protestantes e pentecostais.

As últimas décadas do século XX e o início do século XXI testemunharam um aumento considerável na pluralidade religiosa no Brasil. Segundo dados do Censo de 2010 realizado pelo IBGE, houve um crescimento expressivo de grupos evangélicos, enquanto a porcentagem de católicos no país diminuiu, embora ainda representem a maioria. Além disso, religiões afro-brasileiras, como o Candomblé e a Umbanda, bem como religiões de matriz indígena, ganharam maior visibilidade e reconhecimento.

Este cenário de pluralidade religiosa, conforme analisado por Pierucci (2004), reflete não apenas mudanças demográficas, mas também transformações sociais e culturais mais amplas. A urbanização, a globalização e o aumento da mobilidade social contribuíram para a diversificação religiosa e para a formação de novas identidades religiosas.

No entanto, essa diversidade não está isenta de desafios. A liberdade religiosa no Brasil contemporâneo é frequentemente posta à prova por casos de intolerância e discriminação, principalmente contra praticantes de religiões afro-brasileiras e grupos minoritários. O Estado laico, embora estabelecido constitucionalmente, enfrenta desafios em manter a neutralidade em meio à crescente influência de grupos religiosos na política.

2. MARCO LEGAL E INSTITUCIONAL DA LIBERDADE RELIGIOSA

A Constituição Federal do Brasil de 1988 representa um marco na consolidação dos direitos e garantias fundamentais, incluindo a liberdade religiosa. Esta Carta Magna, promulgada após um longo período de regime militar, estabeleceu o Brasil como um Estado democrático de direito, assegurando uma série de liberdades individuais e coletivas, entre as quais se destaca a liberdade de crença e de culto.

O artigo 5º, inciso VI, da Constituição Federal de 1988, estabelece explicitamente a liberdade de consciência e de crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos e garantindo, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias. Como destacado por Barroso (2009), este dispositivo é fundamental para garantir não apenas a liberdade de escolher e mudar de religião, mas também para praticar e difundir essa religião individual e coletivamente.

Além disso, o artigo 5º, inciso VIII, proíbe a privação de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei. Essa disposição assegura que ninguém será discriminado ou prejudicado em seus direitos por razões de sua fé ou crenças.

Importante também é o artigo 19, inciso I, que proíbe ao Estado estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público. Isso consolida o princípio da laicidade do Estado, crucial para uma convivência harmoniosa e respeitosa entre diferentes crenças religiosas.

As legislações correlatas à Constituição de 1988 também reforçam e regulamentam a liberdade religiosa. A Lei nº 9.459, de 13 de maio de 1997, por exemplo, tipifica como crime a prática de discriminação ou preconceito contra religiões. Além disso, a Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000, estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida, incluindo o acesso a templos e a locais de culto.

Portanto, a Constituição Federal de 1988 e as legislações correlatas estabelecem um sólido arcabouço legal para a proteção da liberdade religiosa no Brasil, refletindo um compromisso com a diversidade e o pluralismo religioso.

O papel das instituições na garantia da liberdade religiosa no Brasil é um aspecto vital para a manutenção e promoção de um ambiente de pluralismo e tolerância religiosa. Essas instituições, que incluem órgãos governamentais, o sistema judiciário e organizações não governamentais, têm a responsabilidade de assegurar que os direitos garantidos pela Constituição Federal e legislações correlatas sejam efetivamente respeitados e promovidos.

No âmbito governamental, diversos órgãos desempenham funções essenciais na proteção da liberdade religiosa. O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, por exemplo, possui atribuições relacionadas à promoção dos direitos humanos, incluindo a liberdade religiosa. Este Ministério atua na formulação de políticas públicas, na realização de campanhas de conscientização e na coordenação de ações que visam combater a intolerância religiosa.

O sistema judiciário, especialmente o Supremo Tribunal Federal (STF), tem um papel crucial na interpretação da Constituição e na resolução de conflitos relacionados à liberdade religiosa. As decisões do STF sobre questões de liberdade religiosa, como destacado por Mendes e Coelho (2007), servem como parâmetro para a atuação dos demais tribunais e para a sociedade em geral, reforçando o princípio da laicidade do Estado e o respeito às diversas crenças.

Além do governo e do sistema judiciário, organizações não governamentais e movimentos sociais desempenham um papel significativo na defesa da liberdade religiosa. Estas organizações atuam na sensibilização da sociedade, no monitoramento de casos de intolerância e discriminação religiosa, e na prestação de assistência jurídica às vítimas de violações de direitos.

Outra instituição importante na garantia da liberdade religiosa é a mídia. A maneira como os meios de comunicação retratam as diferentes religiões e abordam questões de intolerância religiosa tem um impacto profundo na percepção pública e no fomento do respeito mútuo entre diferentes crenças.

O papel das instituições na garantia da liberdade religiosa no Brasil é um aspecto vital para a manutenção e promoção de um ambiente de pluralismo e tolerância religiosa. Essas instituições, que incluem órgãos governamentais, o sistema judiciário e organizações não governamentais, têm a responsabilidade de assegurar que os direitos garantidos pela Constituição Federal e legislações correlatas sejam efetivamente respeitados e promovidos.

No âmbito governamental, diversos órgãos desempenham funções essenciais na proteção da liberdade religiosa. O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, por exemplo, possui atribuições relacionadas à promoção dos direitos humanos, incluindo a liberdade religiosa. Este Ministério atua na formulação de políticas públicas, na realização de campanhas de conscientização e na coordenação de ações que visam combater a intolerância religiosa.

O sistema judiciário, especialmente o Supremo Tribunal Federal (STF), tem um papel crucial na interpretação da Constituição e na resolução de conflitos relacionados à liberdade religiosa. As decisões do STF sobre questões de liberdade religiosa, como destacado por Mendes e Coelho (2007), servem como parâmetro para a atuação dos demais tribunais e para a sociedade em geral, reforçando o princípio da laicidade do Estado e o respeito às diversas crenças.

Além do governo e do sistema judiciário, organizações não governamentais e movimentos sociais desempenham um papel significativo na defesa da liberdade religiosa. Estas organizações atuam na sensibilização da sociedade, no monitoramento de casos de intolerância e discriminação religiosa, e na prestação de assistência jurídica às vítimas de violações de direitos.

3. LIBERDADE RELIGIOSA NA PRÁTICA: DESAFIOS E REALIDADES

A discriminação e a intolerância religiosa no Brasil são fenômenos complexos e multifacetados, que se manifestam de diversas formas e afetam distintos grupos religiosos. A análise de estudos de caso específicos oferece uma compreensão mais profunda sobre como essas questões se manifestam na sociedade brasileira e as implicações para a garantia da liberdade religiosa.

Um estudo de caso significativo é a discriminação enfrentada por praticantes de religiões afro-brasileiras, como o Candomblé e a Umbanda. Essas religiões, apesar de sua importância histórica e cultural, têm sido frequentemente alvo de preconceitos e ataques. Um exemplo marcante, documentado por Prandi (2005), refere-se aos atos de violência e vandalismo contra terreiros de Candomblé e Umbanda. Estes atos, muitas vezes motivados por intolerância religiosa, refletem não apenas preconceitos individuais, mas também falhas institucionais na proteção dessas comunidades.

Outro estudo de caso relevante é o crescente número de conflitos envolvendo grupos evangélicos e outras denominações religiosas. Como analisado por Almeida (2016), a expansão de igrejas neopentecostais no Brasil tem sido acompanhada, em alguns casos, por uma retórica agressiva contra outras crenças, especialmente aquelas de matriz africana. Essa postura tem contribuído para um aumento nos casos de intolerância religiosa, desafiando os princípios de convivência pacífica e respeito mútuo.

Além disso, a discriminação religiosa também se manifesta no contexto educacional. Um exemplo é a questão do ensino religioso nas escolas públicas, que tem sido objeto de debates e controvérsias. A imposição de práticas ou conteúdo de uma determinada religião em escolas públicas, como discutido por Arantes (2018), pode levar à exclusão ou desconforto de alunos de diferentes crenças, configurando uma forma de discriminação.

Esses estudos de caso demonstram que, apesar do arcabouço legal para a proteção da liberdade religiosa no Brasil, a discriminação e a intolerância religiosa são realidades presentes que exigem ações efetivas por parte do Estado e da sociedade. O combate a essas práticas não se limita apenas a medidas punitivas, mas também passa pela educação para a tolerância, pelo diálogo inter-religioso e pela promoção de uma cultura de respeito e reconhecimento da diversidade religiosa.

A análise das experiências de minorias religiosas no Brasil é um tópico crucial para entender as dinâmicas da liberdade religiosa e da tolerância no país. Minorias religiosas, definidas como grupos que não pertencem à religião majoritária ou dominante em uma sociedade, muitas vezes enfrentam desafios específicos que incluem discriminação, marginalização e, em alguns casos, violência.

No contexto brasileiro, minorias religiosas incluem grupos como judeus, muçulmanos, budistas, praticantes de religiões de matriz africana, como o Candomblé e a Umbanda, e diversos segmentos do cristianismo, como testemunhas de Jeová e mórmons. A experiência desses grupos é marcada por uma complexa interação de fatores culturais, sociais e históricos.

Um aspecto crucial na experiência das minorias religiosas no Brasil é a questão da visibilidade e reconhecimento. Conforme estudado por Vasquez e Mariano (2009), religiões de matriz africana, por exemplo, têm lutado por reconhecimento e respeito em uma sociedade onde preconceitos raciais e religiosos ainda são significativos. Estes grupos enfrentam não apenas discriminação social, mas também ataques físicos a seus lugares de culto e práticas religiosas.

Os muçulmanos no Brasil, embora representem um grupo relativamente pequeno, também vivenciam desafios específicos, especialmente em um contexto global de crescente islamofobia. Como analisado por Marques (2012), a comunidade muçulmana no Brasil enfrenta estereótipos e preconceitos, o que afeta sua integração e vivência religiosa.

Outra dimensão da experiência das minorias religiosas diz respeito à interação com o Estado. Apesar da laicidade do Estado brasileiro, garantida pela Constituição de 1988, em muitos casos, as minorias religiosas se deparam com dificuldades na garantia de seus direitos, especialmente quando suas práticas e crenças entram em conflito com normas e políticas públicas predominantes. Isso inclui desafios no âmbito educacional, como a adequação de calendários escolares a feriados religiosos específicos, e no respeito a práticas alimentares e de vestimenta.

Assim, a experiência das minorias religiosas no Brasil é marcada por um contínuo esforço de negociação de espaço e reconhecimento em uma sociedade diversa, porém ainda marcada por desigualdades e preconceitos. O enfrentamento a essas questões requer não apenas políticas públicas inclusivas, mas também um compromisso social com o respeito à diversidade e o diálogo inter-religioso.

O confronto entre a teoria legal e a prática cotidiana em relação à liberdade religiosa no Brasil é um tema de relevância significativa, ilustrando as complexidades e desafios na implementação efetiva dos direitos e liberdades fundamentais. Enquanto a legislação brasileira, notadamente a Constituição Federal de 1988, estabelece um sólido arcabouço para a proteção da liberdade religiosa, a realidade prática frequentemente revela lacunas e inconsistências na aplicação desses direitos.

A Constituição de 1988 é clara em seu apoio à liberdade de crença e de culto, como demonstrado no artigo 5º, incisos VI e VIII, que asseguram o livre exercício dos cultos religiosos e a proteção aos locais de culto, bem como a proibição de privação de direitos por motivo de crença religiosa (BRASIL, 1988). Além disso, a lei 9.459/1997 tipifica como crime a prática de discriminação ou preconceito contra religiões. Essas disposições legais estabelecem um claro compromisso do Estado brasileiro com a garantia da liberdade religiosa.

No entanto, na prática cotidiana, observa-se uma série de desafios e contradições. Casos de intolerância e discriminação religiosa, especialmente contra minorias religiosas e praticantes de religiões de matriz africana, são exemplos notórios dessa desconexão. Conforme documentado por Giumbelli (2010), esses casos não são apenas episódicos, mas indicativos de um problema estrutural na sociedade brasileira, onde preconceitos e falta de conhecimento sobre a diversidade religiosa são persistentes.

Outra questão relevante é a influência da religião na política e em instituições públicas. Apesar da laicidade do Estado, observa-se frequentemente uma intersecção entre crenças religiosas e decisões políticas, o que pode levar a decisões e políticas que não refletem a pluralidade religiosa da sociedade. A atuação de grupos religiosos em cenários políticos, como apontado por Oro (2003), pode criar situações em que a imparcialidade do Estado em assuntos religiosos é questionada.

A discrepância entre a teoria legal e a prática cotidiana também se manifesta na educação. O debate sobre o ensino religioso nas escolas públicas é um exemplo de como as práticas educacionais podem, por vezes, entrar em conflito com o princípio da laicidade e da igualdade de tratamento a todas as religiões.

Portanto, enquanto a legislação brasileira oferece uma base robusta para a proteção da liberdade religiosa, a realidade prática mostra que ainda há um longo caminho a ser percorrido para garantir que esses direitos sejam vivenciados de forma plena e equitativa. Isso requer um compromisso contínuo do Estado, da sociedade e das instituições educacionais em promover o respeito e a tolerância religiosa.

CONCLUSÃO

Na conclusão deste estudo sobre a liberdade religiosa no Brasil, diversas descobertas e insights significativos emergem, reforçando a importância deste direito fundamental para a manutenção e fortalecimento da democracia brasileira. A análise histórica, legal e prática da liberdade religiosa no Brasil revela um cenário de complexidade e desafios contínuos, mas também de progressos e possibilidades.

As descobertas do estudo destacam a profunda influência histórica, particularmente do período colonial e da transição para a República, na configuração atual da liberdade religiosa. A laicidade do Estado, estabelecida na Constituição de 1988, marca um avanço significativo, promovendo a igualdade e o respeito entre diferentes crenças. No entanto, a prática cotidiana frequentemente revela uma desconexão entre a legislação e a realidade vivida por muitos cidadãos, especialmente minorias religiosas, que ainda enfrentam discriminação e intolerância.

A importância da liberdade religiosa para a democracia brasileira é inquestionável. Ela não apenas assegura a cada indivíduo o direito de seguir e praticar sua fé, mas também promove o pluralismo e o respeito mútuo, pilares essenciais para uma sociedade democrática. A diversidade religiosa do Brasil, gerenciada com respeito e igualdade, pode servir como um exemplo de coexistência e harmonia em um mundo cada vez mais polarizado.

Diante dessas descobertas, recomenda-se a implementação e o fortalecimento de políticas públicas que visem à promoção efetiva da liberdade religiosa. Isso inclui ações educativas que enfatizem a importância do respeito à diversidade religiosa desde cedo nas escolas, além de campanhas de conscientização para combater a intolerância e o preconceito religioso em todos os níveis da sociedade.

Além disso, é crucial que o Estado mantenha e reforce seu compromisso com a laicidade, garantindo que decisões políticas e legislativas sejam feitas independentemente de influências religiosas e que os direitos de todas as religiões sejam igualmente respeitados e protegidos. Isso também implica em um sistema judiciário eficaz e imparcial, capaz de lidar com casos de discriminação religiosa de maneira justa e rápida.

Por fim, a promoção do diálogo inter-religioso, apoiado por instituições governamentais e não governamentais, é fundamental para construir uma compreensão mútua e respeito entre diferentes grupos religiosos. Este diálogo pode ajudar a desfazer estereótipos e a construir uma base de respeito e tolerância, essencial para a coesão social em uma sociedade plural como a brasileira. A liberdade religiosa no Brasil é um direito fundamental que reflete a essência da democracia. Seu pleno exercício e respeito são indicativos de uma sociedade madura, inclusiva e tolerante, características indispensáveis para o progresso e a harmonia social.

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[1] Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais. Mestre em Direito e Desenvolvimento Sustentável pelo Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ. Especialização em Direito da Seguridade Social – Previdenciário e Prática Previdenciária. Especialização em Advocacia Extrajudicial. Especialização em Coordenação Pedagógica. Especialização em Direito da Criança, Juventude e Idosos. Especialização em Direito Educacional. Especialização em Tutoria em Educação a Distância e Docência do Ensino Superior. Especialização em Direito do Consumidor. Especialização em Direito Civil, Processo Civil e Direito do Consumidor. Especialização em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho. Licenciatura em Geografia. Licenciatura em Ciências Biológicas. Licenciatura em História. Licenciatura em Letras – Português. Bacharelado em Direito. Editor de Livros, Revistas e Sites. Advogado. Coordenador Pedagógico e Professor do Departamento de Pós-Graduação em Direito do Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ; Professor convidado da Escola Nacional de Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça; Professor do Curso de Graduação em Direito no Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ; Membro Coordenador Editorial de Livros Jurídicos da Editora Edijur (São Paulo); Membro Diretor Geral e Editorial das seguintes Revistas Científicas: Scientia et Ratio; Revista Brasileira de Direito do Consumidor; Revista Brasileira de Direito e Processo Civil; Revista Brasileira de Direito Imobiliário; Revista Brasileira de Direito Penal; Revista Científica Jurídica Cognitio Juris, ISSN 2236-3009; e Ciência Jurídica; Membro do Conselho Editorial da Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo, ISSN 2237-1168; Autor de mais de 90 livros jurídicos e de diversos artigos científicos.