CRIME ORGANIZADO NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: UMA ANÁLISE REFLEXIVA À LUZ DO CONTEXTO BRASILEIRO E PONDERAÇÕES SOBRE A JUSTIÇA SOCIAL

CRIME ORGANIZADO NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: UMA ANÁLISE REFLEXIVA À LUZ DO CONTEXTO BRASILEIRO E PONDERAÇÕES SOBRE A JUSTIÇA SOCIAL

30 de junho de 2024 Off Por Scientia et Ratio

ORGANIZED CRIME IN CONTEMPORARY SOCIETY: A REFLECTIVE ANALYSIS IN THE LIGHT OF THE BRAZILIAN CONTEXT AND CONSIDERATIONS ON SOCIAL JUSTICE

Artigo submetido em 02 de junho de 2024
Artigo aprovado em 19 de junho de 2024
Artigo publicado em 30 de junho de 2024

Scientia et Ratio
Volume 4 – Número 6 – Junho de 2024
ISSN 2525-8532
Autor:
Maria Clara da Nóbrega Coura[1]
Lara Sanábria Viana[2]

RESUMO: Neste artigo analisa-se a problemática do crime organizado no cotidiano da sociedade contemporânea, frequentemente retratada em filmes, livros e outros meios de comunicação, por meio do seu método dedutivo, desde a origem desse tipo penal até os tempos atuais. Nesse cenário, verifica-se que a origem deste fenômeno criminal advém de questões estruturais, sociais, culturais e, especialmente, em razão da corrupção sistêmica. Noutro giro, destaca-se a importância dos instrumentos de combate e prevenção ao crime organizado, a partir do prisma da política criminal. As instâncias formais de controle desempenham papel fundamental na construção de um modelo político-criminal racional, a partir do marco político-institucional, para estabelecer os limites punitivos. Todavia, observa-se que os problemas estruturais, por sua vez, proporcionam a criação de um vazio institucional, ou seja, o espaço que deveria ser preenchido pelo Estado, mas que será colmatado pelo regresso à vingança privada, na busca pela justiça. Nesse diapasão, o Poder Judiciário exerce função precípua na manutenção do equilíbrio das relações sociais, ao aplicar o direito, particularmente, o direito penal, que é uma das formas mais expressivas de controle social.

Palavras-chaves: Crime Organizado; Poder Judiciário; Vingança Privada; Política Criminal.

ABSTRACT: In this article, the issue of organized crime in contemporary society is analyzed through a deductive method, tracing its origins to the present day. This phenomenon is frequently portrayed in films, books, and other media, highlighting its structural, social, cultural roots, and especially systemic corruption. On one hand, the origins of this criminal behavior stem from deep-seated structural, social, and cultural issues. On the other hand, systemic corruption plays a crucial role in its perpetuation. Furthermore, the article emphasizes the importance of tools for combating and preventing organized crime from the perspective of criminal policy. Formal instances of control play a fundamental role in constructing a rational political-criminal model, grounded in political and institutional frameworks, to establish punitive boundaries. However, structural problems often lead to institutional voids, where the state fails to fulfill its obligations, leaving space for private vengeance in pursuit of justice. In this context, the judiciary plays a pivotal role in maintaining social equilibrium by applying the law, particularly criminal law, which represents a significant form of social control.

Keywords: Organized Crime; Judiciary; Private Vengeance; Criminal Policy.

1 INTRODUÇÃO

Hodiernamente,  a violência e o poder corrupto são venerados, a educação e o bem-estar comum despencam em poços profundos. Assim é observado na criação das máfias, criadas inicialmente para a sobrevivência de seus dirigentes e participantes, e em seguida para o luxo destes e avanços acelerados em suas carreiras, com derramamento de sangue de pessoas inocentes e atitudes ardentes e irracionais.

Consoante Diego Gambetta, sociólogo italiano, “A máfia é uma forma de governo local que se alimenta da falta de um Estado eficaz e da confiança nas instituições públicas.” Coincidentemente, a parte sul da Itália é a região mais precária em termos de segurança, mas também é a região em que a máfia italiana mais próspera, justamente devido ao poder precário do governo e à falta de credibilidade nesse órgão por parte população europeia, que acaba recorrendo a máfias para resolver seus problemas com o Estado ou envolvidos.

Onde as instituições estão desacreditadas e o Estado não goza da confiança da população, o homem não enxerga as leis como legítimas, como manifestação de sua vontade. Não tem outra motivação para obedecer às leis, a não ser o receio da punição (…) Onde as instituições são sólidas e respeitadas, a adesão espiritual à lei é forte e o controle social informal reduz sensivelmente os índices criminais (SANTOS, A, 2006, p. 79)

Diante disso, as organizações criminosas atuam de forma diversificada, contudo, possuem o modus operandi característico das máfias italianas, reconhecida por seu alto poder de infiltração nas atividades comerciais e políticas. A associação criminosa, composta por três pessoas ou mais, ao contrário da organização, que é reconhecida com um mínimo de quatro integrantes, é punida com a participação de 3 a 6 anos de reclusão no Código Penal Brasileiro, enquanto seus promotores ou líderes são punidos com 4 a 9 anos de reclusão. A diferença posta da organização para a associação, justamente é sua organização, feita com maestria na primeira e não o feita na segunda. Na primeira visa-se à prática de infração penal, na segunda, a de crimes. Organização com uma infração penal cuja pena máxima é superior a 4 anos ou que tenha caráter transnacional, a associação dispensa limites mínimos de pena ou outras características.

A conceituação do que vem a ser crime organizado é bastante complicada. Devem ser levados em consideração aspectos institucionais e econômicos. Deve ser observado o modo de operacionalização dos atos delituosos, a divisão de funções no interior do grupo, a estrutura e a ramificação do grupo e o seu tempo de existência. A área de atuação das organizações criminosas também deve ser levada em consideração, posto que existem organizações nacionais ou transnacionais, algumas sem vínculos com outros grupos, algumas com conexão nacional e até mesmo internacional (OLIVEIRA, 2004).[3]

Além da pena, o crime organizado possui um lado brilhante, segundo Karoline Coelho, Mestra em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), já que as cifras, lucratividade fácil e grandiosa representa esse lado dos ilegalismos, levando a muitos adentrar nesse mundo, como mariposas ao redor de uma lâmpada, exemplo da pesquisadora.

Do mesmo modo, o crime organizado detém para si, uma grande quantidade de servidores públicos, podendo ser de via ameaçadora, como a “corrupção por medo” de Dubán Rincón Angarita – Mestre em Direito e Ciências Penais – ou uma via com o intuito de se aproveitar junto com os delinquentes. Consoante com o pesquisador, esse último se dá quando um servidor público aceita agir de forma contrária ao dever jurídico, tradicionalmente em troca de uma propina ou contraprestação.

Posteriormente, falar-se-á muito sobre o filme de 1972, “The Goodfather”,  que conta a história de Don Corleone, chefe da máfia siciliana, que sofre um atentado e fica impossibilitado de realizar suas ações habituais. Logo, seu filho Sunny e depois Michael assumem o papel de suas obrigações. O filme retrata como a máfia  e suas ramificações são verdadeiramente, mostra os conflitos entre as famílias mafiosas e suas relações de supremacia com o resto do mundo. Mais tarde, as organizações brasileiras foram criadas inspiradas nos sicilianos e italianos, tendo sua hierarquia como base e obedecendo cegamente ao topo de sua pirâmide. Portanto, comecemos agora e aprendamos sobre a máfia italiana, sua ramificação para o Brasil e a vingança privada estabelecida nas duas associações.

2 MÁFIAS ITALIANAS

A origem da máfia italiana partiu de quando ainda existia o feudalismo e a reforma agrária estava em ascensão, os senhores feudais preocupados, procuraram um grupo radical que fazia suas próprias leis e que estava crescendo temporariamente na sua região. Anos depois esse mesmo grupo se deslocou para os centros urbanos e capitalizou-se em maior intensidade.

          Enquanto, esses grupos ficaram acima do próprio Estado, com poder e mais reverência que este, chamando atenção dos auxiliares da justiça e dos oficiais. Quanto mais o capitalismo se expandia, na companhia dele, as máfias se fortalecem, dominando cada vez mais os negócios legais e ilegais.

O sucesso da Cosa Nostra pode ser atribuído à sua habilidade em manipular e explorar as fraquezas do sistema legal e político italiano. Ao construir uma rede de lealdades e um sistema interno de justiça, a máfia conseguiu se manter como uma força dominante na sociedade italiana. (DICKIE, 2008, p. 34)

        Consoante Zygmunt Bauman, o capitalismo é um sistema parasitário. Como todos os parasitas, pode prosperar durante certo período, desde que encontre um organismo ainda não explorado que lhe forneça alimento. Logo, conforme a Mestra Karoline Coelho,  salienta-se  que não se trata apenas de um lado brilhante da criminalidade, de lucros significativos e ilícitos, mas da imbricação desses mercados clandestinos com as veias do capitalismo, de forma que é impossível separar uma coisa de outra.

Após alguns anos, a Itália, com uma certa instabilidade causada pelo medo e furor que esse grupo radicalista causava, criou a Operação Mãos Limpas, que não teve muito sucesso no aprisionamento e julgamento dos delinquentes e participantes, resultando na morte de alguns membros da justiça local devido à perseguição, mas fez com que aqueles perdessem muita influência e se deslocassem para os Estados Unidos, como visto no filme “O Poderoso Chefão” ou “The Godfather”.

A máfia italiana foi uma figura paterna para muitas pessoas, como a tradução em inglês do filme anteriormente mencionado ,” O Bom Pai”em português, ficou conhecido pela história de Vito Corleone, que era apenas um personagem fictício, mas que ilustrava histórias semelhantes e como esse ramo litigioso funcionava. Esse grupo, acrescido da característica anteriormente mencionada, assumia o papel do Estado quando este não fazia o que os interessados desejavam, buscando assim quem poderia fazer “justiça” de verdade.

Elenca Wálter Fanganiello Maierovitch (1997) três entendimentos de pesquisadores a respeito da origem do vocábulo, que no início seria grafado maffia: a origem do latim vafer ou vaferosus, indicativo de astuto, ou seja, mafioso seria o homem com sagacidade para enganar o outro; pela proveniência francesa meffler ou maufer, relativos a “divindade do mal”, pela qual o mafioso seria o malfeitor; e, para a corrente preponderante, da origem árabe, decorreria de“a) màhfal,no sentido de assembleia, reunião;b)de mahiàs, significando fanfarrão;ou de c) màfa, como equivalente de proteção dada a alguém, em face de determinados acontecimentos. [4]

Nessa toada, essa também era uma entidade que “resolvia tudo”, desde imigração até assassinatos – exemplo dado no filme já mencionado. Eles eram muito leais à família, pelo menos no que diz respeito à procriação e ao respeito aos mais velhos, embora a perfeição desse ideal não fosse alcançado devido a inúmeras traições , violências e feminicídios por parte dos primogênitos da máfia como no livro “As mães da máfia” (PERRY ,2023). “A máfia se baseia na obediência apaixonada aos superiores”, diz o criminologista americano Peter Reuter, professor da Universidade de Maryland.

A máfia italiana é uma empresa criminosa com estrutura unitária e hierárquica, bem organizada e com ramificações internacionais, sempre com fins lucrativos, cujos membros são recrutados por meio da iniciação, prestam juramento com sangue de não trair a máfia, devendo manter o silêncio sobre suas atividades ilícitas e infiltrando-se no Estado. Nesse aspecto, Ana Luiza Almeida Ferro informa que a penetração da máfia no mundo político pela via do clientelismo começou pela Sicília e se difundiu para as demais regiões da Itália (FRIAS, M. 2019)[5]

Portanto, segundo João Santa Terra Júnior, Doutorando em Direito Penal pela Universidade de Salamanca, as semelhanças entre a máfia italiana e o Primeiro Comando da Capital (PCC) são as seguintes: O ingresso pelo “batismo” e o uso de códigos, o emprego da violência para dominação territorial e humana, a “lei do silêncio” (omertà)[6], a prestação de favores para manutenção do controle social e territorial, o narcotráfico como fonte de fomento das finalidades associativas, o retorno ao uso da comunicação pessoal e dos “pizzini” (bilhetes com ordens dos mafiosos) e por último, a simbiose com o poder público. Ademais, verá-se mais à seguinte sobre o PCC.

3 ORGANIZAÇÕES BRASILEIRAS

                                     Existe controvérsia sobre as origens das organizações brasileiras, primeiramente não tendo esse nome “máfia” como indicador ,já que segundo doutrinadores a origem das brasileiras são diferentes que as sicilianas, mas sua existência é de reparo célere. Segundo Billy Jaynes Chandler, historiador e escritor conhecido pelo seu trabalho com o cangaço brasileiro, Lampião não criou o cangaço, mas se tornou sua figura mais icônica. Sua entrada no cangaço foi motivada por uma série de injustiças e violências que ele e sua família sofreram, o que o levou a buscar vingança e proteção através do banditismo.

Durante anos o Brasil foi apenas uma passagem para o tráfico de drogas, servindo de caminho para o transporte da droga até a Europa ou Estados Unidos pela máfia colombiana. Entretanto, o país não se limitou a servir de corredor para o narcotráfico, visto que já desenvolveu sua primeira geração de traficantes. Os brasileiros que eram servidores da máfia colombiana resolveram montar sua própria máfia para retirar parcela do negócio mais lucrativo do planeta (SECCO, 1999).[7]

                                     Nesse diapasão, tal movimento demonstrava a insatisfação no governo da época, com suas medidas de coronelismo desigual, semelhantes às origens italianas. Em algumas ocasiões, acaba sendo subornado por coroneis em troca de favores. Existiam diferentes tipos de cangaceiros, aqueles em que o povo se sentia protegido e os que o povo repudia, cada bando com seu próprio estilo, mas todos possuíam uma estrutura hierárquica, divisão de tarefas e grande variação de atuações na era republicana, de acordo com o site História do Mundo.

Lampião e seu bando não são apenas criminosos sanguinários. Eles emergem como símbolos de resistência e de luta contra um sistema profundamente injusto e explorador. A brutalidade dos cangaceiros pode ser vista como uma resposta desesperada às condições de vida insuportáveis e à ausência de alternativas viáveis para os sertanejos. (CHANDLER, 2000, p. 123)

                                     O nome desse movimento é derivado da canga, uma peça de madeira utilizada na cabeça do gado para fins de transporte. Nesse sentido, eles eram nômades e muito bem armados, com todo tipo de artefato bélico e defensivo. Jagunços, capangas e cangaceiros operavam com apoio de chefes políticos. O jogo do bicho começou a ser monetizado por eles, já que a atividade se mostrou muito rentável e não havia controle fiscal, ficou fácil o envolvimento dos bicheiros com outras atividades ilícitas.

                                     No decorrer do tempo, com a modernização chegando em terras brasileiras, as organizações  também foram crescendo, embora não tenham tido a mesma fama das máfias estrangeiras. No entanto, essas associações têm se aperfeiçoado com o passar dos anos.

                                     Durante o processo de industrialização e o aumento do jogo ilegal, a criminalidade cresceu e abriu espaço para atividades de gangsteres estrangeiros e brasileiros, incluindo a prostituição e o tráfico de drogas. Além disso, após a Segunda Guerra Mundial, criminosos italianos fizeram conexões devido à neutralidade do país em relação às questões globais, mas esse sucesso foi de curta duração, devido à repressão imposta pela Superintendência de Segurança e Ordem Política, na ditadura militar. Essas medidas repressivas não cessaram, mas apenas diminuíram a atuação das ações litigiosas  no Brasil. Logo em seguida, surgiram as maiores facções brasileiras, o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho.

                                     A amedrontada e conhecida facção do Primeiro Comando da Capital foi criada em 1993 na Casa de Custódia de Taubaté, que era considerada a prisão mais segura do país na época. Seus objetivos eram reagir ao massacre do Carandiru e exigir melhores condições de vida dentro da prisão, cujos princípios hoje em dia não são mais determinantes, já que suas principais ações são econômicas e lucrativas, envolvendo desde tráfico de drogas, onde se encontra boa parte do seu faturamento, à assaltos a banco.

O PCC é mais do que um grupo de criminosos; é uma rede de poder que se desenvolveu a partir da insatisfação com o sistema prisional e da capacidade de mobilização e controle sobre seus membros e recursos. A ascensão do PCC reflete a falência das políticas de segurança pública e a capacidade dos grupos criminosos de preencher os vazios deixados pelo Estado (NUNES, 2019, p.89)

                                     Logo depois, o Comando Vermelho foi formado por reincidentes da antiga facção Falange Vermelha, que durante a década de setenta lutava pelo fim da tortura e dos maus-tratos aos presos.

O Comando Vermelho é uma organização criminosa que, a partir de suas origens na década de 1970, se consolidou como uma das principais facções do tráfico de drogas no Brasil. Sua influência é resultado de uma combinação de estratégias violentas e de uma capacidade notável de estabelecer alianças e expandir suas operações tanto no Rio de Janeiro quanto em outras regiões do país. (STOLL, 2018, p.78)

                                     Segundo Marcelo Valdir Monteiro, doutor em Direito Penal pela USP, no livro “Criminologia e os Problemas da Atualidade”, o crime organizado do tipo mafioso (diferente do empresarial, este não contendo apadrinhamento e com desejo apenas no lucro financeiro) pode surgir de quatro formas: por meio da cadeia, com a ligação e familiaridade dos presos, como no Comando Vermelho. Pela união de quadrilhas, como os Yakuza, com um conselho ou com chefões. Através de laços de sangue que unem grupos numa terra dominada, como a Máfia de Nova York. Ou pela união de grupos interessados na manutenção do monopólio de uma mercadoria de serviço, como o Cartel de Cali. 

                                     Com pontos em comum, observa-se que eles se organizam para lutar por seus direitos na prisão, onde são menos vigiados e protegidos, por mais paradoxal que aparente. De acordo com o sociólogo Ignacio Cano, isso é positivo, pois se unem por proteção. O aspecto negativo é o fato de essa ligação também envolver pessoas de fora e não apenas por motivos legais e de direito.

                                     Eles se comunicam bem com a comunidade ao redor, são populistas e leais. Fazem favores, desde os menores até os maiores. Operam vários negócios ao mesmo tempo, o que garante seu sucesso duradouro e bem-sucedido, em que a lealdade é forjada no fogo e segredos são a moeda de troca.

Essas organizações mafiosas visam o domínio local, contam com o apadrinhamento para busca de novos integrantes e normalmente contam com uma espécie de ritual de iniciação. No Brasil esse tipo de organização trabalha principalmente com jogo do bicho, tráfico de drogas, furto de veículo, roubo de carga e lavagem de dinheiro. Os criminosos são desde agentes do governo até autores diretos da conduta típica – os executores. A vítima é difusa e o controle social formal esbarra num problema sério que é o suborno dos agentes que deveriam reprimir esta criminalidade (MONTEIRO, M. p.218)

                  Logo, segundo a Mestra Karoline Coelho, essa nova gestão de ilegalismos que mostra-se mistura com a própria rede de poderes que governam juntos, em prol não somente da maximização da vida, como na biopolítica clássica, mas na maximização dos lucros. Enquanto de um lado do mundo cria-se a morte, no outro, através do tráfico de órgãos, salva-se a vida de alguém disposto a pagar o preço, segundo a pesquisadora.

3.1 SURGIMENTO DA LEI N.º 12.850.2013

De acordo com a lei n.12.580 de 2013 (Lei das Organizações Criminosas e seus meios de investigação criminal) no seu artigo primeiro, parágrafo primeiro: “§ 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.”

O crime acima trata-se de um delito cujo bem jurídico tutelado (o que o Direito deve proteger) é a paz social, sendo seu sujeito ativo qualquer pessoa que faça o posto acima e seu sujeito passivo a coletividade, um crime de vitimização difusa. Ademais, o tipo penal é polinuclear, ou seja, admite vários verbos no núcleo do tipo (promover, constituir, financiar, integrar).

A criação da Lei de Organizações Criminosas foi uma resposta à crescente sofisticação e ao poder das organizações criminosas no Brasil. A lei visou estruturar um aparato legal que pudesse lidar com a complexidade das operações desses grupos, introduzindo medidas que vão desde a punição até a prevenção e a repressão mais eficaz desses crimes. (NUCCI, 2017, p. 134)

Importante destacar o conceito de criminalidade de massa, que segundo Monteiro, surge principalmente como decorrência da desigualdade social na sociedade moderna e consumista, cuja suas vítimas são pessoas individuais e desinteressadas, a maioria das vezes, em comunicar o fato à polícia, em face da pouca chance de identificar o autor do fato e pelas mazelas do aparato policial e judiciário.

Quanto ao  crime organizado sendo de maior potencialidade que o de massa, de diversas espécies prejudicando os mais diversos bens jurídicos individuais e coletivos, sua forma hierárquica e fracionada usando a tecnologia a favor. Ademais, seu controle social é difícil e incerto já que o poder estatal não tem conhecimento sobre as pessoas que fazem parte do aparato, sendo seu controle social formal ineficaz, devido o tipo penal ser bem mais desenvolvido e consolidado do que o próprio Estado, contendo pessoas próprias destes envolvidas (MONTEIRO, M. 2008, p.218)

Na tentativa de evitar tais acontecimentos foram criados, na Criminologia, as teses do direito penal do cidadão e o direito penal do inimigo, esta última com uma redução dos direitos individuais conseguidos a partir do Iluminismo e Declarações Universais. A precariedade das políticas criminais e o imediatismo do legislador causam apenas medidas paliativas, sem embasamento jurídico, e que não saneadoras da problemática. Logo, são poucas as teorias que deslindam o caso, sendo uma dessas a Teoria do Domínio do Fato, que parte-se do conceito restritivo de autoria, ciente do critério distintivo entre autor e partícipe, para sintetizar elementos de ordem subjetiva, agregados da Teoria Extensiva, que compõem esta doutrina de essência híbrida (objetivo-subjetiva). Apesar do primado já positivado no direito brasileiro, admite uma nova espécie de autoria baseada em elementos subjetivos de vontade e controle sobre as ações de subordinados.

4 A JUSTIÇA INFORMAL NO CRIME ORGANIZADO

Cumpre registrar que existem três tipos de vingança, conforme o doutrinador Rogério Sanches: a primeira é a vingança divina, em que os fenômenos eram criados pelas divindades para recompensar ou punir os seres humanos por seus comportamentos. Essas divindades são chamadas de Totens, e suas punições eram crueis e degradantes, baseadas em uma suposta satisfação divina. A segunda é a vingança privada, que será explorada no parágrafo seguinte, e a última é a vingança pública, cujo objetivo é proteger a existência do Estado e de seu soberano. Com o tempo, a punição deixa de ter um caráter individual, mas ainda mantém sua crueldade e violência.

Segundo o promotor de justiça e doutrinador Sanches, a vingança privada é a reação punitiva realizada pela própria vítima ou por pessoas relacionadas ao seu grupo social, não tendo mais relação com divindades (vingança divina).

A reação do ofendido, devido à falta de regulamentação, era desproporcional, muitas vezes afetando outros indivíduos ligados a ele de alguma maneira, resultando em conflitos frequentes entre grupos sociais intensos. No direito hebreu, baseado na lei de Talião, a pena poderia atingir até a quarta geração da família e era pautada na vingança, concedendo o direito ao ofendido.

A violência, conforme ficou esclarecido acima, tem um objeto pouco definido (…) O sujeito centraliza-se unicamente em si mesmo. Portanto, a violência não supõe nem o amor e nem o ódio. Preexiste a qualquer ambivalência afetiva. O ataque se faz sem ódio, nem se justifica por nenhum sentimento de ódio, pois este supõe a presença e a capacidade do amor. O ataque justifica-se unicamente pela busca de autopreservação e da expansão vital (AUGUSTO, 2007, p. 42)

Na faculdade de Direito, nos primeiros dias ou até no primeiro período, fala-se muito sobre a Deusa da Justiça, conhecida como Temis. Ela possui inúmeros nomes e até mesmo várias aparências, mas sua importância e significado são os mesmos. Filha de Urano e Titeia, do Céu e da Terra, e posteriormente casada com Zeus, ela ficava ao lado de seu parceiro, auxiliando-o com seus conselhos baseados no amor à justiça e na prudência. Cega, segurando uma espada e uma balança, ou um feixe de machados, ela representa a imparcialidade do juiz de direito, estando vedada, assim como o sentimento de verdade, equidade e humanidade, colocando-os acima das paixões humanas. Infelizmente, essa ideologia de justiça imparcial não opera acertadamente na prática. A Temis de hoje, não é cega, ela vê e negligencia as diversidades logo, não institui sua lógica. Destarte, “A balança de Temis, deusa que representa a Justiça, está desequilibrada. E ela também jogou fora sua espada, que é símbolo de força”, comentário após uma decisão do Supremo Tribunal Federal em 11/10/2017.

Destarte, torna-se evidente que, mesmo que as consequências da vingança privada sejam ilegais e típicas, a injustiça prevalece devido à crise nas etapas do processo e nas próprias instâncias, ou até mesmo devido à corrupção dos meios legais e policiais. Isso leva pessoas a optarem por fazer justiça com as próprias mãos e arriscarem seu futuro por algo que lhes era muito valioso e que os foi tirado pelas ocasiões. Destarte, segundo o filósofo chinês Confúcio, antes de embarcar em uma jornada de vingança, cave duas sepulturas.

A delinquência é uma busca de solução por meio de uma tentativa de retorno à época em que as coisas corriam bem, para voltar a usufruir da posse do objeto primordial, de sua confiabilidade e reconquistar a segurança e autoconfiança (AUGUSTO, 2007, p. 85)

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

              Em síntese, o estudo das organizações criminosas revela um fenômeno complexo e multifacetado que transcende fronteiras geográficas e culturais. Desde suas origens ligadas a questões estruturais, sociais e culturais até suas manifestações contemporâneas permeadas por corrupção sistêmica, essas organizações desafiam não apenas a ordem jurídica, mas também os fundamentos da coexistência social.

                          Portanto, após a discussão sobre as máfias italianas, sua origem feudalista e características conservadoras, surgem as organizações brasileiras. Essas foram criadas com base nas anteriores e adaptadas à realidade e cotidiano do próprio país. O tipo penal que muitas vezes surge de forma desordenada nota como o Estado se mantém incapaz de cumprir o papel de reprimir a criminalidade, floresce e encontra prosperidade para sua progressão.

                          Dessa forma, ressalta-se a importância do papel do Poder Judiciário e a visão esclarecedora de que é necessário melhorar seu funcionamento e eficiência, de acordo com as fases do processo legal, de forma que aplique-se o direito de maneira justa e eficaz, com atribuição primordial na manutenção do equilíbrio social. Destarte, a implementação de estratégias integradas é essencial para enfrentar o tipo penal e o desequilíbrio democrático.

                          Além disso, é imprescindível aprimorar o sistema prisional, conferindo-lhe um caráter verdadeiramente ressocializador e preventivo, em conformidade com a Teoria Relativa da Pena e seus princípios. Do mesmo modo, a ausência estatal em áreas básicas da vida humana mostra a fragilidade e por onde os delinquentes acham o favorecimento. Logo, é necessário a ab-rogação de leis imediatistas e o avanço de medidas que controlem a criminalidade, estas sendo políticas criminais eficientes que resolvem os problemas de médio a longo prazo, da delinquência ao coeficiente social.

                          Com efeito, tais elementos atuam como possíveis mecanismos para evitar que se faça a justiça pelas próprias mãos e destacam a extrema necessidade de investimento e aprimoramento desses recursos, como forma de prevenção para um Brasil melhor, livre de máfias ardentes, com um sistema prisional verdadeiramente ressocializador e um Poder Judiciário célere e mediador, legitimamente consoante com o artigo terceiro da Carta Magna brasileira.

              Concluindo, o enfrentamento efetivo do crime organizado não é apenas um imperativo legal e moral ou ações reativas, mas uma necessidade contínua de proteção dos valores fundamentais de liberdade, segurança e justiça que sustentam as sociedades democráticas modernas, capazes de enfrentar as raízes profundas que alimentam essas formas penais.

REFERÊNCIAS

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[1] Graduanda em Direito pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Brasil. Email: mariaclaracouran@gmail.com

[2] Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Professora do Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ). Brasil.  Email: larasanabria85@gmail.com

[3] Disponível em:https://www.mpgo.mp.br/revista/dados_revista3/revista3_dados15.htm. Acesso em: 29 Jun 2024.

[4] Disponível em: https://www.mpgo.mp.br/revista/pdfs_37/6StaTerra_Layout1.pdf . Acesso em: 29 Jun 2024

[5] Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/231973775.pdf. Acesso em 25 Maio.2024

[6]Há enorme temor da população com relação às violentas retaliações certamente sofridas em caso de delações das atividades ilícitas desempenhadas no interior das comunidades. E, no interior das facções brasileiras, a figura do pentito é raridade, em face da certeza da vigência da norma de conduta que pune com a morte o “x9” ou “cagueta” (alcaguete),realidade criminológica que obsta delações relativas às práticas criminosas e torna a colaboração premiada, tão propalada técnica de investigação da atualidade processual penal brasileira, figura ineficaz no contexto do Primeiro Comando da Capital.”

[7] Disponível em: https://www.mpgo.mp.br/revista/dados_revista3/revista3_dados15.htm. Acesso em: 29 Jun 2024.