O QUE ESTÁ A FALHAR NA MEDIAÇÃO DE ANGOLA PARA A RESOLUÇÃO DO CONFLITO NO LESTE DO CONGO, KIVU DO NORTE (?)
30 de junho de 2024WHAT IS FAILING IN ANGOLA’S MEDIATION TO RESOLVE THE CONFLICT IN EAST CONGO, NORTH KIVU (?)
Artigo submetido em 22 de maio de 2024
Artigo aprovado em 10 de junho de 2024
Artigo publicado em 30 de junho de 2024
Scientia et Ratio Volume 4 – Número 6 – Junho de 2024 ISSN 2525-8532 |
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Autor: Destino Ventura[1] |
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RESUMO: Este artigo examina a mediação liderada por Angola no conflito em Kivu do Norte, destacando sua complexidade étnica e disputas por recursos naturais. Angola buscou mediar o conflito, mas enfrentou desafios significativos. Uma lacuna importante foi a falta de participação integral do M23 nas negociações, comprometendo a eficácia da mediação. Além disso, a abordagem adotada foi limitada, não incorporando plenamente abordagens pluralistas, teoria dos jogos e considerações do efeito borboleta. Outro desafio foi a implementação de acordos alcançados durante as negociações, devido à falta de mecanismos de verificação robustos e ao descumprimento por parte das partes envolvidas. Além disso, as pressões externas e interferências de atores regionais e internacionais complicaram os esforços de mediação. Como recomendação, sugere-se uma abordagem mais inclusiva, estratégias plurais e uma implementação eficaz de acordos. Conclui-se que, apesar dos esforços de Angola, ainda há muito a ser feito para alcançar uma solução duradoura para o conflito em Kivu do Norte.
Palavras-chaves: Palavras-chave: Conflito. Kivu do Norte. Angola. Desafios da mediação. Participação do M23.
ABSTRACT: This article examines Angola’s mediation in the North Kivu conflict, highlighting its ethnic complexity and natural resource disputes. Angola sought to mediate but faced significant challenges. A major gap was the M23’s incomplete participation in negotiations, compromising mediation effectiveness. Additionally, the adopted approach was limited, failing to fully integrate pluralistic approaches, game theory, and butterfly effect considerations. Another challenge was implementing agreements due to weak verification mechanisms and non-compliance by involved parties. External pressures and interference from regional and international actors further complicated mediation efforts. Recommendations include a more inclusive approach, pluralistic strategies, and effective agreement implementation. In conclusion, despite Angola’s efforts, there is still much to be done to achieve a lasting solution to the North Kivu conflict.
Keywords: Conflict. North Kivu. Angola. Mediation challenges. M23 involvement.
1. INTRODUÇÃO
a. Breve contextualização do conflito em Kivu do Norte
O conflito na região de Kivu do Norte, na República Democrática do Congo (RDC), é um dos mais persistentes e complexos da África contemporânea. Esta área tem sido atormentada por décadas de violência, instabilidade política e disputas territoriais, alimentadas por uma combinação de fatores étnicos, econômicos e políticos.
Historicamente, a região de Kivu do Norte tem sido palco de conflitos armados devido à sua riqueza em recursos naturais, incluindo minerais preciosos como ouro, diamantes e coltan. Esses recursos têm sido alvo de disputas entre grupos armados locais, milícias rebeldes, forças governamentais e actores externos interessados no controle e exploração desses recursos.
Além das rivalidades étnicas e econômicas, o conflito em Kivu do Norte também está enraizado em questões políticas e governamentais mais amplas. A fragilidade das instituições estatais, a corrupção, a falta de governança eficaz e a marginalização de certas comunidades étnicas têm contribuído para a perpetuação do ciclo de violência na região.
A presença de grupos armados locais, como o M23, e a interferência de actores externos, como Ruanda e Uganda, têm complicado ainda mais a situação. Esses grupos muitas vezes buscam objectivos políticos e económicos próprios, exacerbando as tensões e dificultando os esforços de paz e estabilidade.
b. Apresentação da mediação liderada por Angola
A mediação liderada por Angola no conflito em Kivu do Norte, na RDC, tem sido uma tentativa significativa de buscar uma solução pacífica para uma das regiões mais voláteis e instáveis da África. Como um país regionalmente influente e historicamente envolvido nos assuntos da RDC, Angola assumiu o papel de facilitador nas negociações entre as partes envolvidas no conflito.
A abordagem de mediação de Angola tem sido caracterizada por uma série de iniciativas diplomáticas e esforços para reunir os principais atores e buscar consenso sobre medidas para promover a paz e estabilidade em Kivu do Norte. Algumas das principais acções incluem:
- Cimeiras Tripartidas: Angola organizou e sediou várias cimeiras tripartidas entre a RDC, Ruanda e outros actores regionais para discutir e negociar soluções para o conflito em Kivu do Norte. Estas cimeiras proporcionaram um fórum importante para o diálogo e a construção de consenso;
- Estabelecimento de Mecanismos de Verificação: Angola liderou a criação de mecanismos de verificação para monitorar o progresso e a implementação de acordos de paz. Isso incluiu a criação de um Mecanismo de Verificação Ad-Hoc para operar em áreas afetadas pelo conflito;
- Promoção do Diálogo: Angola tem promovido o diálogo e a reconciliação entre as partes em conflito, incentivando a retomada das negociações e o compromisso com soluções pacíficas;
- Cooperação Internacional: Angola tem buscado apoio e cooperação internacional para seus esforços de mediação, envolvendo organizações regionais e internacionais, como a União Africana e as Nações Unidas.
No entanto, apesar dos esforços de mediação de Angola, o conflito em Kivu do Norte continua a persistir, enfrentando uma série de desafios e obstáculos. A ausência de alguns actores-chave nas negociações, como o M23, e a falta de comprometimento total com os acordos de paz por todas as partes envolvidas representam desafios significativos para a eficácia da mediação liderada por Angola.
c. Declaração do problema: identificação das lacunas ou falhas na mediação
A declaração do problema na mediação liderada por Angola no conflito em Kivu do Norte pode ser delineada da seguinte forma:
- Ausência de Participação Integral: Uma das lacunas fundamentais na mediação é a falta de participação integral de todas as partes relevantes no conflito. A exclusão de grupos como o M23 das negociações enfraquece a eficácia dos esforços de mediação, pois não aborda todas as preocupações e interesses em jogo;
- Limitações na Abordagem: A abordagem da mediação liderada por Angola pode estar limitada em termos de sua capacidade de aplicar uma variedade de estratégias e técnicas de resolução de conflitos. A falta de incorporação de abordagens pluralistas, teoria dos jogos e considerações do efeito borboleta pode restringir a amplitude das soluções propostas e a eficácia geral da mediação;
- Desafios na Implementação de Acordos: Mesmo quando os acordos são alcançados durante as negociações, a eficácia da mediação é comprometida pela dificuldade na implementação e no cumprimento desses acordos por todas as partes envolvidas. A falta de mecanismos de verificação robustos e de compromissos sustentados por todas as partes pode minar a credibilidade dos esforços de mediação;
- Pressões Externas e Interferências: A mediação enfrenta desafios adicionais devido a pressões externas e interferências de actores regionais e internacionais com interesses próprios no conflito. Essas interferências complicam os esforços de mediação e dificultar a obtenção de um consenso duradouro entre as partes envolvidas.
2. REVISÃO DA LITERATURA
a. Exploração dos esforços anteriores de mediação no Kivu do Norte
Esse conflito complexo no Kivu do Norte é intrincadamente entrelaçado com uma história marcada por tensões étnicas, diferenças culturais e questões políticas. As dinâmicas envolvidas abrangem não apenas eventos recentes, mas também profundas raízes históricas que moldaram as relações entre comunidades, influenciaram práticas culturais e desempenharam um papel crucial na configuração do panorama político da região. Compreender esses antecedentes históricos é fundamental para uma análise abrangente do conflito e para a formulação de estratégias eficazes de resolução que abordem suas causas profundas.
Sita (2017, p. 79-80) argumenta que,
a política de separação de etnias exibe repercussões negativas. Os banyamulenge (tutsis), em sua defesa, dirigiram-se (exércitos do Ruanda e Burundi) até Kinshasa contra o governo de Mobutu. (…) Em 1994 um milhão de ruandeses maioritariamente hútus, refugiaram-se para o leste do Zaire na sequência do genocídio ocorrido no Ruanda. Desestabilizaram a região habitada há mais de 200 anos por tutsis banyamulenge. Sentindo-se negligenciados por Mobutu, os banyamulenge iniciaram uma rebelião em Outubro de 1996, liderados por Laurent Desiré Kabila, com o objectivo de derrubar o presidente Mobutu, acusado de ascender ao poder através de um golpe de Estado, apoiado por forças estrangeiras (EUA e Bélgica).
Considerando o contexto regional actual e a urgência de buscar “soluções africanas para problemas africanos” (Patriota et al., 2011, citado por Miranda, 2018, p. 52). É imperativo que os países africanos desempenhem um papel activo na resolução dos desafios que afectam o continente. Esta abordagem reflecte a importância da autodeterminação e da colaboração entre as nações africanas para enfrentar questões complexas e específicas da região.
Ao citarmos patriota, destaca-se a necessidade de que as iniciativas para abordar questões africanas sejam lideradas por africanos, promovendo a inclusão, a diversidade de perspectivas e a participação activa das comunidades afectadas. Essa abordagem não apenas fortalece a capacidade de resposta local, mas também fomenta um sentido de unidade e solidariedade entre os países africanos na busca por soluções eficazes e sustentáveis.
Considerada como a região mais estável da África, a região Austral do continente é representada pela organização regional Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC). Essa afirmação ressalta a notável estabilidade que caracteriza a região Austral, sendo a SADC um factor-chave na promoção do desenvolvimento económico, cooperação regional e resolução de conflitos. A SADC desempenha um papel crucial na criação e manutenção de um ambiente pacífico e colaborativo entre os Estados membros, demonstrando o comprometimento da região em alcançar uma convivência harmoniosa e desenvolvimento sustentável.
Tal como afirma Sita (2017)
a África Austral tem actuado por vias da SADC, que tende a assegurar regras de convivência pacífica, da cooperação, de esbatimento de conflitos, que dão uma dimensão totalmente nova à acção diplomática (p. 75).
A região Austral, por ser tutelada pela SADC, viu seus Estados membros envolvidos no conflito. O papel de supervisão exercido pela SADC destaca a interconexão entre a estabilidade regional e a participação activa dos Estados membros em situações de crise. O envolvimento desses Estados no conflito reflecte não apenas as complexidades da dinâmica regional, mas também a responsabilidade compartilhada na busca por soluções e na promoção da paz na região Austral.
O conflito contou com o envolvimento de Estados africanos, sendo estes: Angola, Namíbia, Ruanda, Uganda, África do Sul (embora de um modo indirecto) e o Zimbabué. Deu-se a uma internacionalização do conflito, abrangendo outros Estados que viam as suas fronteiras ameaçadas, tendo como fonte de perigo a região do Congo, e tiveram a necessidade de se autodefenderem (Sita, 2017, p. 80).
Essa intervenção de Estados da região Austral, mediada pela SADC, reflecte a complexidade das relações geopolíticas na região e destaca a importância de uma abordagem regional coordenada para lidar com crises e conflitos. Essa dinâmica também sublinha a relevância da diplomacia preventiva e da cooperação regional na promoção da estabilidade e paz em contextos conflituosos.
Posteriormente, emerge a Conferência Internacional sobre a Região dos Grandes Lagos (CIRGL), destacando-se como outra organização crucial na região Austral. A CIRGL foi estabelecida pela ONU por meio da Resolução do Conselho de Segurança 1295/1999, de 30 de dezembro. Contudo, a aprovação da Conferência só foi efectivada no ano subsequente, mediante as Resoluções 1291, de 24 de fevereiro de 2000, e 1304, de 16 de junho de 2000, momento em que o conflito na RDC foi identificado como uma ameaça à paz na região. Essa acção evidencia uma resposta internacional coordenada, reconhecendo a necessidade de abordar desafios específicos na região dos Grandes Lagos, ressaltando a importância de um esforço conjunto para fomentar a estabilidade e a segurança.
Um evento importante foi a presidência assumida pela Angola CIRGL em janeiro de 2014, por um período bianual, na Vª Cimeira dos Chefes de Estado e de Governo da CIRGL cujo tema foi “Promovamos a paz, Segurança, estabilidade e desenvolvimento da Região dos Grandes Lagos” (VAO em Português, 2014[2]).
Após o término do primeiro mandato e diante da indisponibilidade do Quénia para suceder a Angola na presidência da CIRGL, O país assumiu, pela segunda vez, a presidência da organização para os próximos dois anos, durante a 8ª Cimeira ordinária dos Chefes de Estado e de Governo da CIRG (Jornal de Angola, 2020[3]).
Angola assumiu o segundo mandato, e diante da indisponibilidade do Quénia para suceder, Miranda (2018) argumenta que
no âmbito do sistema rotativo da CIRGL, Angola devia ter sido substituída pelo Quénia, no entanto, como o interpretou Joaquim do Espírito Santo, diplomata angolano “talvez não estivesse ainda em condições e juntamente com a maioria dos países pediu para Angola continuar” (Redeangola.info,2016). No seu segundo mandato, Angola deu maior ênfase às questões políticas da RDC, mas também deu continuidade aos seus esforços para a neutralização das forças negativas do país vizinho (p. 44)
Essa dupla forma de actuação permitiu a manutenção de uma abordagem consistente na busca por soluções para os conflitos na região. Esse período adicional de liderança proporcionou a Angola a oportunidade de consolidar iniciativas e fortalecer parcerias, contribuindo para a estabilidade e a promoção da paz na área dos Grandes Lagos. Desta feita, A presidência de Angola na CIRGL pode ser considerada um marco significativo para a mediação no conflito do Kivu do Norte, e isso se deve a várias razões:
- Experiência e Capacidade de Mediação: Angola, através de seu ex-Presidente José Eduardo dos Santos, demonstrou experiência e habilidade na mediação de conflitos. A participação activa de José Eduardo dos Santos em cimeiras, audiências e consultas evidencia a capacidade do país em desempenhar um papel mediador;
- Envolvimento Activo na Diplomacia para a Paz: A actuação de Angola na CIRGL não se limitou apenas a ocupar a presidência, mas também incluiu propostas concretas e acções para promover a paz na região. A busca por parcerias económicas, acordos para projectos de infra-estrutura e o esforço diplomático evidenciam um compromisso activo na resolução do conflito;
- Dinamização da CIRGL: Angola contribuiu para revitalizar a CIRGL, que estava em declínio, conferindo-lhe maior visibilidade e relevância. Esse dinamismo impulsionado por Angola fortaleceu a capacidade da CIRGL de desempenhar um papel construtivo na resolução de conflitos;
- Reconhecimento Internacional e Regional: A actuação de Angola na CIRGL granjeou reconhecimento por parte dos Estados-membros da conferência, organizações internacionais e imprensa. Esse reconhecimento pode fortalecer a posição de Angola como mediador confiável e influente na região;
- Respeito pela Soberania dos Estados: Angola respeitou a soberania dos países membros da CIRGL, não interferindo nos assuntos internos da RDC. Essa abordagem respeitosa pode contribuir para ganhar a confiança de todas as partes envolvidas no conflito do Kivu do Norte.
Embora haja críticas e avaliações divergentes, o papel de Angola na presidência da CIRGL representa um esforço considerável na promoção da estabilidade e na busca de soluções para os conflitos na Região dos Grandes Lagos, incluindo o conflito no Kivu do Norte.
b. Papel histórico de Angola na resolução de conflitos africanos
Angola, apesar de ter enfrentado uma longa Guerra Civil logo após a sua independência, resultando em consequências devastadoras, está agora em um processo gradual de reestruturação política interna e externa, económica e social. Este país está lentamente reunindo os elementos necessários para consolidar sua posição como uma potência regional. À medida que avança, Angola está implementando e fortalecendo sua política externa, desempenhando um papel crucial na resolução de conflitos africanos.
O papel histórico de Angola na solução de disputas no continente pode ser resumido na célebre frase do Dr. António Agostinho Neto, que afirmou que “na Namíbia, no Zimbabwe e na África do Sul está a continuação da nossa luta”. Vemos nessa citação o compromisso histórico de Angola em contribuir para a estabilidade e a resolução de conflitos em outras nações africanas, reflectindo o desejo de paz e progresso no continente. Angola busca não apenas a sua prosperidade, mas também a emancipação e a autodeterminação de todo o continente africano. Essa postura solidária reforça a importância de Angola como um actor significativo na promoção da paz e estabilidade em África.
Angola integra duas sub-regiões na África, estendendo-se não apenas pela região da África Austral, mas também pela região centro-africana. Além disso, participa activamente das organizações regionais associadas a essas sub-regiões como SADC, CIRGL, Comissão do Golfo da Guiné (CGG), a Comunidade Económica dos Estados da África Central (CEEAC).
São numerosos os eventos políticos e étnico-culturais que deixam sua marca na região africana. Muitos dos conflitos políticos e étnico-culturais compartilham uma base comum, caracterizada por líderes no poder por longos períodos, eleições com pouca transparência e insatisfação por parte dos partidos de oposição. Esses elementos acabam por desestabilizar o país, resultando frequentemente em um descontentamento que, em grande parte, culmina em golpes militares sucessivos. Em 12 de abril de 2012, por exemplo, ocorreu um Golpe de Estado na Guiné-Bissau, no qual dezenas de militares tomaram a sede do partido PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) e as instalações da Rádio Nacional.
Angola desempenhou um papel de mediador no início do conflito. A origem deste impasse remonta ao descontentamento da oposição nas eleições de 18 de março de 2012. A oposição denunciou uma “fraude generalizada” na primeira volta das eleições presidenciais, que foram antecipadas devido ao falecimento do então presidente, Malam Bacai Sanhá, em janeiro de 2012. Esses eventos destacam a complexidade dos processos eleitorais e o impacto que as disputas políticas podem ter na estabilidade de um país, conforme noticiado pela GlobalVoices[4].
No contexto da SADC, Angola interveio por meio da Missão de Observação das Eleições na Guiné-Bissau (Missang). No entanto, a Economic Community of West African States (ECOWAS) também buscava desempenhar um papel na resolução desse conflito, com a representação da Nigéria. Essa dinâmica reflete as múltiplas intervenções e esforços regionais para abordar e resolver as questões em torno das eleições e da estabilidade política na Guiné-Bissau.
3. O PAPEL DE ANGOLA NA MEDIAÇÃO
a. Breve visão das acções de Angola na mediação do conflito no leste da RDC (Kivu do Norte)
Angola tem demonstrado um forte compromisso em mediar o conflito no leste da RDC, como evidenciado pelas notícias que detalham as várias iniciativas empreendidas pelo país para facilitar a resolução dessa crise. Num esforço para fornecer uma visão geral das ações recentes de Angola diante da complexidade arraigada desse conflito, destacam-se alguns eventos notáveis.
Em primeiro lugar, de acordo com a VOA (2022), o Presidente João Lourenço está novamente empenhado em buscar a paz entre a RDC e o Ruanda. Um passo significativo nessa direção ocorreu em 6 de julho, durante uma Cimeira Tripartida entre a República de Angola, a RDC e a República do Ruanda, conforme relatado pela Diplo News (2022). Nessa ocasião, foi aprovado o Roteiro da CIRGL para o Processo de Pacificação da Região Leste da RDC, indicando um avanço importante nas negociações.
Outro marco relevante nos últimos três anos foi a criação de um Mecanismo de Verificação Ad-Hoc, liderado por um oficial angolano, para operar em Goma. Essa medida, delineada para monitorar o progresso e a implementação das medidas acordadas, demonstra o compromisso prático de Angola em garantir que o Roteiro da CIRGL seja aplicado de maneira eficaz.
Além disso, a reativação da Comissão Conjunta Permanente entre a RDC e Ruanda após mais de uma década é um sinal positivo de um renovado diálogo entre esses dois países. Esta iniciativa é crucial para abordar as questões subjacentes que historicamente desencadearam conflitos entre eles. Esses esforços coletivos destacam a dedicação de Angola em buscar soluções diplomáticas e sustentáveis para a crise no leste da RDC.
Agora, é preciso referir aqui que o VOA em Português[5] (2022) dava conta que o Presidente do Ruanda não se fez presente em Luanda para uma cimeira que pretendia chegar a um acordo entre o seu Governo e o da RDC, que se fez representar pelo Chefe de Estado, Félix Tshisekedi. O ministro dos Negócios Estrangeiros do Ruanda, Vincent Biruta, estava em Luanda a representar o Presidente Kagame. Desconhece-se o motivo da ausência de Paul Kagame que era esperado em Luanda como protagonista da cimeira. Enquanto que, o Correio da Kianda[6] (2022) informava que o porta-voz do Movimento 23 (M23), Willy Ngoma, anunciou que não vai cessar hostilidades e abandonar as áreas que ocupa na província do Kivu do Norte, no Leste da RDC sublinhando que
“somos um partido muito bem estruturado, com todos os canais oficiais através dos quais podemos ser contactados para discussões. Temos um Presidente, um vice-presidente e um secretário-executivo. Fomos informados das ditas resoluções pelas redes sociais, portanto não tem nada a ver com o nosso partido”.
b. Análise das abordagens adoptadas e estratégias empregadas
O compromisso significativo na mediação do conflito no leste da RDC, buscando activamente soluções para a crise na região, através, por exemplo, da realização de Cimeiras Tripartidas, Angola tem desempenhado um papel fundamental na organização de cimeiras tripartidas entre a RDC, Ruanda e Angola. Essas cimeiras têm sido plataformas importantes para o diálogo e a negociação entre os países envolvidos, buscando encontrar soluções concretas para o conflito.
Propostas de Roteiros e Acordos, aqui, Angola propôs roteiros e acordos para a pacificação da região leste da RDC. Por exemplo, a aprovação do Roteiro da CIRGL para o Processo de Pacificação da Região Leste da RDC é um exemplo concreto das iniciativas lideradas por Angola.
Criação de Mecanismos de Verificação, Angola liderou a criação de mecanismos de verificação ad-hoc para monitorar o progresso e a implementação dos acordos alcançados. Esses mecanismos têm desempenhado um papel crucial na garantia do cumprimento das medidas acordadas e na promoção da transparência e responsabilidade.
Reativação do Diálogo entre a RDC e Ruanda, Angola também tem trabalhado para reativar o diálogo e a cooperação entre a RDC e Ruanda, essenciais para resolver as questões subjacentes ao conflito. A realização de reuniões e cimeiras entre as partes em conflito demonstra os esforços contínuos de Angola para promover a reconciliação e a paz na região.
No entanto, apesar desses esforços, os desafios persistem, é preciso trazer aqui também que ausência de Paul Kagame na Cimeira de Luanda (2022) sobre a crise entre a RDC e o Ruanda, juntamente com a recusa do M23 em aderir ao cessar-fogo anunciado pelo Presidente João Lourenço, que levanta várias questões sobre a eficácia das abordagens adotadas e das estratégias empregadas na mediação do conflito no leste da RDC.
Em primeiro lugar, a ausência de Paul Kagame na cimeira é um obstáculo significativo para o progresso das negociações, uma vez que ele é considerado uma figura central na resolução do conflito. Isso pode indicar uma falta de comprometimento por parte do Ruanda em buscar uma solução diplomática para a crise.
Além disso, a recusa do M23 em aderir ao cessar-fogo mostra a persistência das hostilidades e a falta de vontade deste grupo em cooperar com os esforços de mediação. Isso destaca os desafios em lidar com actores não-estatais que têm suas próprias agendas e interesses divergentes dos objectivos de paz.
Em termos de abordagens adoptadas, parece haver uma lacuna na comunicação e coordenação entre as partes envolvidas. O facto de o M23 afirmar que não foi oficialmente informado sobre o cessar-fogo, e sim através das redes sociais, revela uma falha na comunicação entre o mediador e as partes em conflito. Isso enfraquece a credibilidade dos esforços de mediação e mina a confiança nas negociações em curso.
Além disso, a presença do ministro dos Negócios Estrangeiros do Ruanda, Vincent Biruta, em vez do Presidente Kagame, levanta questões sobre a seriedade do compromisso do Ruanda com o processo de paz. A ausência de uma figura de alto escalão pode indicar uma falta de prioridade ou interesse genuíno na resolução do conflito.
Assim sendo, a ausência de Paul Kagame na cimeira e a recusa do M23 em aderir ao cessar-fogo destacam os desafios persistentes na mediação do conflito no leste da RDC. Esses eventos ressaltam a necessidade de uma abordagem mais coordenada, transparente e inclusiva para garantir o sucesso dos esforços de paz na região. Isso destaca a complexidade do conflito e a necessidade de abordagens multifacetadas e sustentadas para alcançar uma paz duradoura no leste da RDC.
4. DESAFIOS E OBSTÁCULOS NA MEDIAÇÃO ANGOLANA
a. Identificação das principais falhas ou lacunas na mediação.
Omissões na inclusão do M23 nas negociações equivalem a uma subestimação de seu papel como um “actor” directamente envolvido no conflito. Essa abordagem negligencia a complexidade das Relações Internacionais (R.I), contradizendo a teoria do Neo-Realismo, que destaca que os Estados não são os únicos ‘actores’ nas R.I Se observarmos o M23 controlando uma província, efectivamente transformando-a em sua propriedade e desafiando a soberania da RDC, torna-se imperativo considerá-lo como um “actor” de nível inferior, ou, se preferirmos, um “actor não-estatal”.
A não inclusão do M23 nas discussões pode resultar em uma análise simplista do conflito, uma vez que esse grupo exerce influência significativa sobre a dinâmica regional. Ao reconhecê-lo como um ‘actor não-estatal’, ganhamos uma perspectiva mais holística da situação, permitindo uma abordagem mais eficaz para abordar as raízes e as ramificações do conflito em Kivu do Norte. Ignorar a presença e o controle territorial do M23 seria desconsiderar uma peça crucial do quebra-cabeça, prejudicando assim os esforços para uma resolução abrangente e duradoura.
Segundo Sarfati (2005)
para Waltz, existem actores não-estatais na política internacional. No entanto, eles são não relevantes para a sua compreensão porque não podem alterar a estrutura internacional. Ou seja, a estrutura é definida pelos grandes actores e não pelos pequenos. Analogamente, na economia, as pequenas empresas seguem as regras do mercado, enquanto os oligopólios determinam o seu comportamento (p. 148).
Ainda dentro do Paradigma do Pluralismo (Sarfati 2005, p. 39), apresenta as quatro premissas básicas identificadas que constroem o pluralismo, dais quais apenas citaremos duas, são eles:
- Actores não-estatais são importantes entidades das Relações Internacionais.
O Pluralismo considera que actores não-estatais, como OINGS, ETNS, Terroristas etc., são importantes entidades de Relações Internacionais com políticas independentes dos Estados e com capacidade de influenciar as Relações Internacionais;
- O Estado não é um actor unitário.
O Estado não é visto como um actor único, pois, em sua política externa, ele é o resultado da interacção entre burocracias, grupos de interesse, indivíduos etc. que buscam influenciar a formulação da política externa.
À luz das citações de Sarfati (2005) e considerando o contexto anterior, a análise das dinâmicas internacionais ganha profundidade. Enquanto Waltz argumenta que, embora existam actores não-estatais na política internacional, sua relevância é limitada devido à incapacidade de alterar a estrutura internacional, a abordagem neo-realista enfatiza que a definição dessa estrutura é ditada pelos grandes actores e não pelos pequenos. Analogamente, na economia, a comparação é feita entre as pequenas empresas que seguem as regras do mercado e os oligopólios que determinam seu comportamento.
A aplicação dessas ideias ao contexto do conflito em Kivu do Norte implica que, se considerarmos o M23 como um actor não-estatal, sua relevância pode ser inicialmente subestimada, especialmente se adoptarmos uma perspectiva estritamente neo-realista. Dentro do Paradigma do Pluralismo, que Sarfati (2005) apresenta, as premissas adicionais fortalecem a argumentação. A consideração de actores não-estatais como entidades importantes nas RI, como ONGs, ETNs, e terroristas, é crucial para entender o cenário em Kivu do Norte. Além disso, a compreensão de que o Estado não é um actor unitário, mas sim resultado da interacção entre diversas entidades em sua política externa, sugere que a análise do conflito deve ir além de uma visão simplista centrada apenas nos Estados, considerando também actores não-estatais como o M23.
Os jogadores, aplicando a Teoria dos Jogos[7], podemos considerar a RDC como Estado A, onde o conflito ocorre; o Ruanda como Estado B, envolvido indirectamente no conflito; Angola como Estado C, actuando como mediador do conflito, e, não menos importante, o M23 como Grupo Beligerantes ou Insurgentes D, envolvido directamente no conflito.
O Estado C (Angola) deve ter em mente que o Estado B (Ruanda) e o Grupo Beligerantes ou Insurgentes D (M23) agem de maneira racional em suas ações. Isso significa que, dado que todos são constituídos por líderes que tomam decisões de maneira racional, suas escolhas têm influência directa sobre o Estado A (RDC). Esse princípio pode ser resumido na seguinte premissa, usando a metáfora do Efeito Borboleta[8]: uma decisão tomada em Kigali, entre Kagame e Willy Ngoma, pode desencadear instabilidade étnica, política, social e económica na Província de Kivu do Norte.
Além disso, ao aplicar a Teoria dos Jogos a este cenário complexo, é imperativo considerar não apenas as interacções directas entre os Estados A, B e C e o Grupo Beligerantes ou Insurgentes D, mas também os possíveis desdobramentos de suas decisões. A dinâmica do conflito na RDC, sendo influenciada por acções racionais desses actores, requer uma análise profunda das possíveis ramificações em cascata. A premissa da metáfora do Efeito Borboleta destaca a sensibilidade do sistema à menor alteração, sublinhando que uma simples decisão em Kigali pode ecoar através das fronteiras, afectando não apenas a estabilidade na Província de Kivu do Norte, mas reverberando em consequências étnicas, políticas, sociais e económicas em todo o cenário regional.
Dessa forma, a abordagem da Teoria dos Jogos não só enfatiza a racionalidade dos actores envolvidos, mas também destaca a interconectividade das suas decisões, ressaltando a necessidade de considerar cuidadosamente cada movimento estratégico, uma vez que este pode desencadear efeitos significativos no delicado equilíbrio do conflito em questão. No jogo (conflito) é importante considerar todas as partes, dai que Sarfati (2005) enfatiza:
Em jogos simultâneos, os jogadores estão agindo estrategicamente entre si e interagindo por intermédio de suas escolhas. Os ganhos de um jogador, ao final do jogo, vão, portanto, depender das escolhas feitas por ele mesmo e das de seu rival. Os jogos com jogadas simultâneas implicam a existência de um círculo lógico. Embora os jogadores ajam ao mesmo tempo, ignorando as acções simultâneas dos outros, cada um deles deve estar consciente de que existem outros jogadores que, por sua vez, estão simultaneamente conscientes, e assim por diante. O raciocínio é o seguinte: “Eu penso que ele pensa que eu penso…” Por consequência, cada um deverá colocar-se, em sentido figurado, na pele dos outros e tentar calcular o resultado (p. 193).
Portanto, incluir o M23 como um dos participantes do jogo (conflito) representa o princípio fundamental para a formulação de metas voltadas à busca de soluções pacíficas em Kivu do Norte. Essa abordagem está alinhada com o conceito central da Teoria das Relações Comunitárias. Torna-se crucial envolver todas as partes interessadas para, em primeiro lugar, superar suas diferenças e, em segundo lugar, negociar de maneira diplomática a paz em Kivu do Norte.
A consideração do M23 como um jogador activo no conflito, ao invés de excluí-lo das negociações, reconhece a sua influência e papel significativos na dinâmica regional. Ao trazer todas as partes para a mesa de discussões, cria-se um ambiente propício para a resolução de conflitos, promovendo a compreensão mútua e oferecendo a oportunidade de abordar as preocupações e aspirações de cada envolvido.
A convergência dessa abordagem com a Teoria das Relações Comunitárias destaca a importância de se construir uma solução colectiva, incorporando as perspectivas de todos os actores relevantes. Isso não apenas reforça a busca por uma paz duradoura em Kivu do Norte, mas também ressalta a necessidade de uma abordagem inclusiva para enfrentar os desafios complexos decorrentes do conflito na região.
Vejamos a seguir a aplicação dos Jogadores nos seguintes quadros para a devida avaliação:
Estado A (RDC) – País Instável | Estado B (Ruanda) – Participação Indirecta | Estado C (Angola) – Mediador | |
Probabilidade de Resolução sem M23 | 30% | 40% | 50% |
Quadro 1: Teoria dos Jogos – Estados A, B e C
Nota: As percentagens indicam a probabilidade de resolução do conflito sem a inclusão do M23 nas negociações. Essas estimativas são baseadas em análises de cenários históricos e dinâmicas regionais.
Estado A (RDC) – País Instável | Estado B (Ruanda) – Participação Indirecta | Estado C (Angola) – Mediador | Grupo Beligerantes ou Insurgentes (M23) – Envolvimento Directo | |
Probabilidade de Resolução com a inclusão do M23 | 70% | 80% | 90% | 95% |
Quadro 2: Teoria dos Jogos – Estados A, B, C e Grupo Beligerantes ou Insurgentes D (M23)
Nota: As percentagens indicam a probabilidade de resolução do conflito com a inclusão do M23 nas negociações. A presença do M23 é considerada como um factor crucial para aumentar a probabilidade de uma resolução bem-sucedida, reconhecendo seu papel significativo no conflito em Kivu do Norte.
Quadro 1: Teoria dos Jogos – Estados A, B e C (Sem M23) – Breve considerações
Estado A (RDC) – País Instável (30%): Neo-realismo: A baixa probabilidade reflecte a instabilidade do Estado A, indicando desafios estruturais na resolução do conflito, ressoando com a perspectiva neo-realista de que Estados mais fracos têm menos influência; Estado B (Ruanda) – Participação Indirecta (40%): Neo-realismo: A probabilidade reflecte a influência do Estado B, destacando a interacção entre Estados na região, conforme considerado pelo neo-realismo; Estado C (Angola) – Mediador (50%):Pluralismo: A mediação do Estado C demonstra a importância de actores não-estatais, como mediadores, na abordagem pluralista para a resolução de conflitos; Efeito Borboleta (Sem M23): O efeito borboleta se manifesta na interconexão das probabilidades, onde uma decisão tomada por qualquer um dos Estados pode ter consequências em cascata na região.
Quadro 2: Teoria dos Jogos – Estados A, B, C e Grupo Beligerantes ou Insurgentes D (M23) – Breve considerações
Estado A (RDC) – País Instável (70%): Neo-realismo: A probabilidade aumentada sugere que a inclusão do M23 fortalece o Estado A na busca pela resolução, considerando o equilíbrio de poder; Estado B (Ruanda) – Participação Indirecta (80%): Neo-realismo: A maior probabilidade destaca a influência positiva adicional do M23, reforçando a interacção entre Estados na região; Estado C (Angola) – Mediador (90%): Pluralismo: A mediação eficaz do Estado C, juntamente com a inclusão do M23, destaca a importância da participação activa de actores não-estatais na resolução de conflitos; Grupo Beligerantes ou Insurgentes D (M23) – Envolvimento Directo (95%): Teoria dos Jogos: A alta probabilidade reflecte o impacto significativo da participação directa do M23 na resolução do conflito, evidenciando o princípio da Teoria dos Jogos de que a inclusão de todos os jogadores é crucial; Efeito Borboleta (Com M23): A inclusão do M23 reforça a complexidade das interacções, onde as decisões tomadas por cada actor têm um impacto directo nas probabilidades gerais, mostrando a sensibilidade do sistema a mudanças na dinâmica do conflito.
Essas interpretações destacam a complexidade das relações internacionais no conflito em Kivu do Norte, integrando elementos do neo-realismo, pluralismo, teoria dos jogos e o efeito borboleta para compreender as implicações de diferentes cenários de resolução. Nestes quadros, são apresentadas as percentagens estimadas de resolução e não resolução do conflito entre os Estados A (RDC), B (Ruanda) e C (Angola), considerando a ausência do M23 nas negociações. Estas estimativas são hipotéticas e utilizam a Teoria dos Jogos para ilustrar a importância do envolvimento do M23 na busca por uma solução pacífica em Kivu do Norte. A presença do M23 é crucial para uma resolução mais eficaz e abrangente do conflito, reflectindo-se nas percentagens mais altas de resolução quando todos os atores estão envolvidos.
b. Avaliação das possíveis consequências a longo prazo.
A avaliação das possíveis consequências a longo prazo de diferentes cenários na resolução do conflito em Kivu do Norte, considerando a inclusão ou não do M23 nas negociações, é fundamental para entender os impactos duradouros na região. Vamos analisar as implicações de cada cenário:
Cenário 1: Resolução sem a inclusão do M23 (Quadro 1)
- Estado A (RDC) – País Instável (30%)
Possíveis Consequências a Longo Prazo: Persistência da instabilidade, perpetuando crises humanitárias e desafios de governança, potencial para aumento da radicalização e mobilização de grupos dissidentes. Essa situação complexa tem perpetuado um ciclo de violência, onde as rivalidades étnicas e a luta pela exploração de recursos naturais são factores cruciais. A presença significativa de minas de diamantes, cobre e cobalto na RDC amplia as tensões, pois a competição por esses recursos estratégicos alimenta e intensifica os conflitos locais.
A população civil, lamentavelmente, se torna a principal vítima desse cenário, sujeita a agressões brutais, saques indiscriminados, ataques sexuais e perdas trágicas. Esses eventos não apenas representam uma crise humanitária aguda, mas também destacam a urgência de abordar as causas fundamentais dos conflitos, incluindo a gestão equitativa dos recursos naturais e a promoção da coexistência pacífica entre grupos étnicos.
Nesse contexto, qualquer iniciativa para promover a paz na RDC deve abordar não apenas os sintomas evidentes da violência, mas também os factores subjacentes relacionados às rivalidades étnicas e à competição por recursos. Uma abordagem holística que envolva diálogo intercomunitário, gestão sustentável de recursos e esforços para promover a reconciliação pode ser crucial para romper o ciclo de violência e construir bases mais sólidas para um futuro pacífico na região.
- Estado B (Ruanda) – Participação Indirecta (40%)
Possíveis Consequências a Longo Prazo: Manutenção de tensões regionais, impactando negativamente a estabilidade e desenvolvimento. O ressurgimento do M23 e as alegações de envolvimento do Ruanda adicionaram uma camada significativa de complexidade nas relações diplomáticas entre a RDC e o Ruanda. As acusações de apoio à milícia por parte do governo da RDC não apenas aumentaram as tensões bilaterais, mas também colocaram o Ruanda sob escrutínio internacional.
Embora o Ruanda tenha negado veementemente qualquer envolvimento nas actividades do M23, o relatório confidencial das Nações Unidas, revelado durante o verão, lança dúvidas sobre essa posição. A possível conexão entre o Ruanda e as acções desestabilizadoras do M23, conforme indicado no relatório, pode prejudicar a imagem do país na comunidade internacional.
Essa situação pode gerar repercussões negativas, como pressões diplomáticas, sanções internacionais e uma deterioração das relações regionais. A percepção de que o Ruanda está contribuindo para a instabilidade na RDC pode afectar sua credibilidade e influência, levantando preocupações sobre seu papel como actor regional responsável.
- Estado C (Angola) – Mediador (50%)
Possíveis Consequências a Longo Prazo: Desafios persistentes na construção da paz, impactando a reputação do mediador; risco de recorrência do conflito devido a soluções não abrangentes. O agravamento constante da tensão RDC coloca em risco os esforços de mediação conduzidos por Angola, gerando um clima de impaciência. Este cenário é alimentado pelas frequentes e graves violações da fronteira comum, alegadamente perpetradas pelas forças do Ruanda. A persistência dessas hostilidades cria uma atmosfera de impaciência, e há o risco real de que a mediação angolana seja comprometida, resultando em consequências desfavoráveis.
Caso as soluções adoptadas na mediação não sejam abrangentes o suficiente para abordar as raízes profundas do conflito e para garantir uma paz duradoura, Angola enfrenta a possibilidade de perder sua posição de mediador respeitado na região. A falta de uma abordagem abrangente pode deixar questões fundamentais não resolvidas, o que poderia servir de combustível para a recorrência do conflito, minando os esforços de pacificação já empreendidos.
Além disso, a impaciência gerada pelo agravamento da situação pode afectar a estabilidade interna de Angola, especialmente se a mediação não conseguir conter eficazmente a escalada do conflito na RDC. A preservação da paz na região está intrinsecamente ligada à capacidade de Angola em desempenhar um papel efectivo como mediador, o que, por sua vez, exige uma abordagem abrangente e duradoura para abordar as complexidades subjacentes ao conflito.
Cenário 2: Resolução com a inclusão do M23 (Quadro 2)
- Estado A (RDC) – País Instável (70%)
Possíveis Consequências a Longo Prazo:Maior estabilidade, permitindo a reconstrução e o desenvolvimento económico.Redução das tensões étnicas e melhorias nas condições humanitárias.Aumentar a estabilidade na RDC sugere um ambiente mais seguro e previsível, com uma redução substancial das actividades conflituosas. Isso cria as condições necessárias para o crescimento económico, investimentos e desenvolvimento sustentável.
A estabilidade proporciona um ambiente propício para programas de reconstrução e iniciativas de desenvolvimento económico. A atracção de investimentos, tanto nacionais quanto internacionais, torna-se mais viável, impulsionando a recuperação económica.
Uma resolução bem-sucedida pode contribuir para a mitigação das tensões étnicas, que muitas vezes são exacerbadas durante conflitos. A promoção da coexistência pacífica entre grupos étnicos é fundamental para a estabilidade social e política a longo prazo. A estabilidade resultante da resolução do conflito cria um ambiente propício para melhorias nas condições humanitárias. Isso inclui o acesso a serviços básicos, protecção dos direitos humanos e a redução das situações de deslocamento e vulnerabilidade.
É importante notar que, embora a probabilidade seja de 70%, as condições reais dependerão da implementação eficaz das soluções acordadas, do comprometimento contínuo das partes envolvidas e de esforços sustentados para manter a estabilidade a longo prazo. Este cenário optimista ressalta a importância de envolver todos os actores relevantes, incluindo o M23, para alcançar uma paz duradoura na região.
- Estado B (Ruanda) – Participação Indirecta (80%)
Possíveis Consequências a Longo Prazo: Melhora nas relações regionais, facilitando a cooperação e o crescimento. Uma participação indirecta eficaz do Ruanda na resolução do conflito pode contribuir significativamente para a melhoria das relações regionais. A cooperação entre os Estados envolvidos na região dos Grandes Lagos pode fortalecer a estabilidade e promover a confiança mútua.
A resolução bem-sucedida do conflito pode criar um ambiente propício para a cooperação regional. Iniciativas conjuntas em áreas como comércio, segurança e desenvolvimento podem se tornar mais viáveis, gerando benefícios mútuos para os Estados envolvidos.
O aumento da cooperação e da estabilidade pode impulsionar o crescimento económico regional. Investimentos estrangeiros, integração económica e iniciativas conjuntas podem criar oportunidades de desenvolvimento sustentável. É fundamental destacar que a probabilidade de 80% indica uma forte possibilidade de impactos positivos nas relações regionais, mas a concretização desses resultados dependerá da implementação eficaz das soluções acordadas, do comprometimento contínuo das partes e do monitoramento constante para evitar recorrências de tensões.
Em suma, a inclusão indirecta do Ruanda na resolução do conflito, se bem-sucedida, tem o potencial de transformar as dinâmicas regionais, promovendo um ambiente de cooperação e crescimento a longo prazo.
- Estado C (Angola) – Mediador (90%)
Possíveis Consequências a Longo Prazo: Reforço da imagem de mediador eficaz, potencialmente aumentando a influência regional, maior probabilidade de prevenir a recorrência do conflito. Uma probabilidade tão alta sugere que Angola, desempenhando o papel de mediador eficaz, pode fortalecer significativamente sua imagem internacional. Isso contribuiria para o reconhecimento de Angola como um actor confiável e comprometido na resolução de conflitos.
O sucesso na mediação pode aumentar a influência regional de Angola. O reconhecimento de suas capacidades diplomáticas e a eficácia na gestão de crises podem permitir que Angola exerça maior liderança em questões regionais. O papel eficaz de Angola como mediador sugere uma maior probabilidade de estabelecer soluções duradouras e abrangentes. Isso, por sua vez, reduziria a chance de recorrência do conflito, promovendo uma estabilidade sustentável na RDC e na região.
É crucial notar que, embora a probabilidade seja alta, a eficácia da mediação dependerá da capacidade contínua de Angola em gerenciar as negociações, equilibrar interesses divergentes e manter a imparcialidade. O êxito nesse papel não só beneficia directamente a resolução do conflito na RDC, mas também consolida a posição de Angola como um actor regional confiável e influente.
- Grupo Beligerantes ou Insurgentes D (M23) – Envolvimento Directo (95%)
Possíveis Consequências a Longo Prazo: Participação activa na construção da paz, contribuindo para a estabilidade regional, estabelecimento de um diálogo contínuo entre as partes envolvidas. Com uma probabilidade tão alta, a participação directa do M23 na construção da paz sugere um compromisso significativo com a resolução do conflito. Isso pode envolver a desmobilização de tropas, a integração na sociedade civil e a colaboração activa para promover a paz e a estabilidade.
A activa participação do M23 pode contribuir para a estabilidade não apenas na RDC, mas também na região dos Grandes Lagos. A cooperação efectiva com outras partes envolvidas pode reduzir as tensões e criar um ambiente propício para a paz duradoura. A alta probabilidade sugere que o M23 estaria disposto a manter um diálogo contínuo com as partes envolvidas. Isso é essencial para lidar com preocupações em andamento, prevenir potenciais conflitos futuros e manter um ambiente de entendimento mútuo.
É importante destacar que a eficácia dessas consequências dependerá da sinceridade e do comprometimento real do M23 com a construção da paz. Se o envolvimento directo for genuíno, isso representaria uma virada significativa nos acontecimentos, transformando uma entidade anteriormente associada ao conflito em um agente activo na promoção da estabilidade regional. A probabilidade de 95% sugere um alto nível de optimismo em relação a essa transformação.
- Resumo das avaliações:
Cenário 1 (Sem M23)
Riscos a Longo Prazo: Persistência da instabilidade, desafios humanitários e potencial para recorrência do conflito; Oportunidades a Longo Prazo: Possibilidade de aprendizado para futuras mediações, com foco em abordagens mais abrangentes.
Cenário 2 (Com M23)
Oportunidades a Longo Prazo: Potencial para estabilidade duradoura, desenvolvimento económico e melhorias nas relações regionais; Desafios a Longo Prazo: Necessidade de garantir a sustentabilidade das soluções, abordando questões estruturais subjacentes.
Esta avaliação destaca a importância da inclusão do M23 nas negociações, evidenciando que uma abordagem mais abrangente tem o potencial de trazer benefícios significativos para a estabilidade e desenvolvimento sustentável em Kivu do Norte.
5. COMPARAÇÃO COM OUTRAS INICIATIVAS DE MEDIAÇÃO
a. Breve comparação com mediações bem-sucedidas em conflitos semelhantes
Uma comparação com mediações bem-sucedidas em conflitos semelhantes pode destacar abordagens e estratégias que foram eficazes em promover a paz e a estabilidade em outras regiões. Por exemplo:
Conflito na Bósnia e Herzegovina
Contexto: O conflito na Bósnia e Herzegovina teve origem na dissolução da antiga Iugoslávia no início da década de 1990. O país era composto por diferentes grupos étnicos, incluindo bósnios muçulmanos, sérvios ortodoxos e croatas católicos, e cada grupo buscava sua própria autonomia ou controle sobre territórios disputados.
Processo de Mediação: A mediação internacional desempenhou um papel fundamental na resolução do conflito. O Acordo de Dayton, assinado em 1995, foi o resultado dos esforços de mediação liderados pelos Estados Unidos e pela comunidade internacional. O acordo estabeleceu uma estrutura política complexa para a Bósnia e Herzegovina, dividindo o país em duas entidades, a Federação da Bósnia e Herzegovina e a República Srpska, e estabelecendo um governo central.
Fecho: O Acordo de Dayton pôs fim à guerra na Bósnia e Herzegovina e estabeleceu as bases para uma paz duradoura. No entanto, o país continua a enfrentar desafios relacionados à reconciliação étnica, reconstrução pós-guerra e integração europeia.
Conflito na Libéria
Contexto: O conflito na Libéria teve origem na luta pelo poder político e controle dos recursos naturais do país, especialmente diamantes e madeira. Charles Taylor liderou uma rebelião contra o governo em 1989, desencadeando uma guerra civil que durou mais de uma década e resultou em milhares de mortes e deslocamentos.
Processo de Mediação: Vários esforços de mediação foram feitos ao longo dos anos, incluindo a mediação da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) e a intervenção de tropas de paz das Nações Unidas. O Acordo de Paz de Accra, assinado em 2003, foi um marco importante, encerrando o conflito e levando à renúncia de Charles Taylor.
Fecho: O Acordo de Paz de Accra abriu caminho para a estabilização e reconstrução da Libéria. Ele estabeleceu as bases para um governo de transição, eleições democráticas e a criação de um Tribunal Especial para julgar crimes de guerra e crimes contra a humanidade.
Conflito na Irlanda do Norte
Contexto: O conflito na Irlanda do Norte, conhecido como “The Troubles”, teve suas raízes nas divisões étnicas e religiosas entre nacionalistas católicos e unionistas protestantes. As tensões se intensificaram durante os anos 1960 e 1970, culminando em um conflito armado entre grupos paramilitares, como o Exército Republicano Irlandês (IRA) e as forças de segurança britânicas.
Processo de Mediação: Vários esforços de mediação foram feitos ao longo das décadas, incluindo iniciativas lideradas pelo governo britânico, a República da Irlanda e os Estados Unidos. O Acordo da Sexta-Feira Santa, assinado em 1998, foi um marco crucial, estabelecendo um roteiro para a paz e a reconciliação na região.
Fecho: O Acordo da Sexta-Feira Santa levou a uma significativa redução da violência na Irlanda do Norte e estabeleceu instituições de governo compartilhado entre nacionalistas e unionistas. Embora desafios persistam, o acordo foi fundamental para trazer estabilidade e paz à região.
Os conflitos mencionados acima envolviam disputas étnicas e recursos naturais em diferentes graus. Na Bósnia e Herzegovina, por exemplo, o conflito era principalmente étnico, com diferentes grupos étnicos (bósnios, sérvios e croatas) lutando pelo controle político e territorial do país. Embora as questões étnicas tenham sido centrais, também havia disputas territoriais e controle de recursos naturais em algumas áreas; na Libéria, o conflito era uma combinação de fatores étnicos, políticos e económicos. Grupos étnicos rivais lutavam pelo poder político e controle dos recursos naturais, como diamantes e madeira, que eram fontes de financiamento para grupos rebeldes; na Irlanda do Norte, o conflito tinha uma dimensão étnica e religiosa, com nacionalistas católicos e unionistas protestantes lutando pelo controle político e territorial. Embora os recursos naturais não fossem uma causa direta do conflito, questões económicas e sociais desempenharam um papel na sua intensificação.
Em comparação com esses exemplos, a mediação em conflitos semelhantes ao do leste da RDC pode se beneficiar de abordagens multilaterais, envolvimento activo de organizações regionais e internacionais, compromisso político das partes envolvidas e um foco abrangente na reconciliação e na reconstrução pós-conflito. Além disso, a inclusão de todas as partes interessadas e a criação de mecanismos de verificação eficazes são aspectos-chave para garantir a implementação bem-sucedida de um acordo de paz. Em geral, a mediação bem-sucedida de conflitos complexos como esses muitas vezes envolveu a participação de múltiplos mediadores, tanto regionais quanto internacionais, e esforços para incluir todas as partes interessadas nas negociações. Isso pode ser visto como uma aplicação da Teoria dos Jogos, onde as partes procuram maximizar seus interesses por meio de negociações e compromissos mútuos. No entanto, a eficácia dessas estratégias pode variar dependendo da dinâmica específica do conflito e das características das partes envolvidas.
b. Lições aprendidas de outros processos de resolução de conflitos
Com base em outros processos de resolução de conflitos, como os mencionados na Bósnia e Herzegovina, na Libéria e na Irlanda do Norte, podemos extrair várias lições importantes como o engajamento Internacional que quer dizer a intervenção e mediação de actores internacionais desempenham um papel crucial na resolução de conflitos, fornecendo recursos, expertise e pressão política necessários para facilitar negociações e alcançar acordos, isso lembra a abordagem pluralista reconhecemos a importância da diversidade de actores e interesses na resolução de conflitos.
As lições aprendidas destacam a necessidade de envolver uma variedade de actores, incluindo grupos étnicos, líderes políticos, organizações da sociedade civil e mediadores internacionais. O pluralismo enfatiza a importância de considerar e respeitar diferentes perspectivas e identidades, garantindo que todas as partes tenham voz e representação no processo de resolução de conflitos.
As soluções para conflitos étnicos e políticos geralmente requerem uma abordagem multifacetada que aborda não apenas questões políticas, mas também sociais, económicas e culturais subjacentes. Isso pode incluir medidas para promover a reconciliação, justiça transicional, desenvolvimento económico e fortalecimento institucional. Por isso, a inclusão de todas as partes envolvidas no conflito é fundamental para garantir a legitimidade e a sustentabilidade de qualquer acordo alcançado. Isso pode exigir o engajamento de grupos étnicos, líderes políticos, organizações da sociedade civil e outros stakeholders[9] relevantes, essa abordagem se encaixam na teoria dos jogos nos leva a considerar as interações estratégicas entre as partes envolvidas no conflito.
As lições aprendidas ressaltam a importância de identificar e alinhar incentivos para todas as partes, de modo a encorajar a cooperação e minimizar comportamentos adversariais. Isso pode envolver a criação de acordos mutuamente benéficos e a construção de confiança ao longo do tempo, reconhecendo que as decisões de uma parte afectam as escolhas e resultados das outras.
Do ponto de vista do realismo político, entendemos que os Estados agem de acordo com seus próprios interesses de segurança e poder. As lições aprendidas destacam a importância de considerar as dinâmicas de poder e as preocupações de segurança dos atores envolvidos no conflito. Isso pode exigir abordagens pragmáticas que equilibrem considerações de poder com objectivos de estabilidade e paz. Além disso, o realismo político enfatiza a importância de entender a natureza competitiva e muitas vezes conflituosa das relações internacionais, reconhecendo que os interesses próprios dos Estados podem influenciar suas decisões e comportamentos no contexto da resolução de conflitos.
A resolução de conflitos é um processo contínuo que muitas vezes requer um compromisso de longo prazo por parte de todas as partes envolvidas. A construção da paz e da estabilidade requer tempo, paciência e persistência para superar décadas de hostilidades e desconfiança.
O reconhecimento e respeito à diversidade étnica, cultural e religiosa são essenciais para construir sociedades pacíficas e inclusivas. Os processos de resolução de conflitos devem promover a igualdade de direitos e oportunidades para todos os grupos, evitando a marginalização ou discriminação de minorias.
Um acordo de paz só é eficaz se for implementado de forma efetiva e abrangente. Isso requer mecanismos de monitoramento e avaliação, assim como recursos e apoio contínuo da comunidade internacional para garantir que os compromissos sejam cumpridos e que a paz seja sustentada a longo prazo.
6. RECOMENDAÇÕES PARA MELHORAR A MEDIAÇÃO
a. Sugestões de ajustes ou mudanças na abordagem de mediação
Com base nos obstáculos enfrentados por Angola em sua mediação no conflito do leste da RDC, ao não trazer o M23 para as negociações, destacam-se os seguintes desafios:
- Exclusão de uma parte significativa: Ao não incluir o M23 nas negociações, Angola corre o risco de deixar de fora uma parte significativa do conflito, o que pode minar a legitimidade e a eficácia do processo de mediação. A exclusão de um dos actores pode levar a uma falta de representatividade e comprometimento das soluções propostas;
- Persistência das hostilidades: A recusa do M23 em cessar as hostilidades e participar das negociações pode prolongar o conflito e dificultar a busca por uma solução pacífica. A ausência de todas as partes interessadas nas negociações pode criar um vácuo que permite a continuidade das hostilidades e impede o progresso em direção à paz;
- Limitações na abordagem da mediação: Ao não envolver todas as partes do conflito, a mediação de Angola pode ser percebida como parcial ou tendenciosa, o que compromete sua capacidade de facilitar um acordo aceitável para todas as partes. A falta de inclusão pode minar a confiança nas negociações e dificultar a construção de consenso e comprometimento;
- Risco de radicalização: A exclusão do M23 das negociações pode aumentar o risco de radicalização e escalada do conflito, já que o grupo pode se sentir marginalizado e buscar outras formas de alcançar seus objetivos. Isso pode levar a um aumento das tensões e da violência, dificultando ainda mais a busca por uma solução pacífica;
- Desafios na implementação de acordos: Mesmo que um acordo seja alcançado entre as partes envolvidas nas negociações, a exclusão do M23 pode dificultar a implementação e o cumprimento dos termos do acordo. A falta de comprometimento de todas as partes interessadas pode minar a eficácia dos esforços de construção da paz e estabilidade na região;
- Diante desses obstáculos, é crucial que Angola reavalie sua abordagem de mediação e busque formas de envolver todas as partes relevantes no processo de negociação. Isso pode exigir esforços adicionais de diplomacia e construção de confiança, mas é essencial para alcançar uma solução duradoura e sustentável para o conflito no leste da RDC.
b. Propostas para superar os desafios identificados
Para superar os desafios identificados na mediação do conflito no leste da RDC, especialmente relacionados à exclusão do M23 nas negociações, algumas propostas podem ser consideradas:
- Inclusão do M23 nas negociações: O primeiro passo é buscar ativamente a inclusão do M23 nas negociações de paz. Angola e outros mediadores devem realizar esforços diplomáticos intensivos para convencer o M23 a participar das negociações e garantir que suas preocupações sejam adequadamente representadas;
- Diálogo directo com o M23: Além de incluir o M23 nas negociações formais, é importante estabelecer canais de comunicação direta com o grupo. Isso pode envolver a realização de reuniões bilaterais e sessões de diálogo informal para entender as demandas e preocupações do M23 e explorar possíveis áreas de compromisso.
- Abordagem multilateral: Em vez de depender exclusivamente da mediação de Angola, é importante envolver outros actores regionais e internacionais no processo de mediação. Isso pode incluir a participação de organizações como a União Africana, as Nações Unidas e a União Europeia, bem como outros países vizinhos da região, para fornecer apoio e legitimidade ao processo de negociação;
- Incentivos e garantias de segurança: Para encorajar o M23 a participar das negociações e cumprir os termos de um eventual acordo de paz, podem ser oferecidos incentivos, como garantias de segurança para os líderes do grupo e suas comunidades, bem como promessas de integração política e econômica. Esses incentivos podem ajudar a construir confiança e promover o comprometimento com o processo de paz.
- Transparência e comunicação eficaz: É essencial garantir transparência e comunicação eficaz ao longo do processo de mediação, garantindo que todas as partes envolvidas sejam informadas sobre os desenvolvimentos e os resultados das negociações. Isso pode ajudar a mitigar a desconfiança e reduzir o risco de mal-entendidos que possam prejudicar o progresso em direção à paz;
- Flexibilidade e adaptação: Por fim, é importante que os mediadores e as partes envolvidas nas negociações demonstrem flexibilidade e disposição para adaptar suas posições e abordagens conforme necessário. Isso pode exigir concessões de todas as partes e a disposição de buscar soluções criativas para os desafios e obstáculos que surgirem ao longo do processo de mediação.
7. CONCLUSÃO
a. Recapitulação das principais falhas na mediação
Na conclusão, é crucial recapitular as principais falhas na mediação do conflito no leste da RDC, destacando a falta de abordagem pluralista, teoria dos jogos e consideração do efeito borboleta. Essas falhas foram identificadas como obstáculos significativos para alcançar uma solução pacífica e duradoura para o conflito. A ausência de uma abordagem pluralista limitou a representatividade e inclusão de todas as partes envolvidas, enquanto a falta de consideração da teoria dos jogos impediu uma análise completa das estratégias e incentivos de cada parte. Além disso, a negligência do efeito borboleta deixou de levar em conta as potenciais ramificações e repercussões das ações tomadas durante o processo de mediação.
Essas falhas destacam a necessidade urgente de reformular a abordagem de mediação, adotando uma perspectiva mais abrangente e holística. Uma abordagem pluralista permitirá uma representação mais equitativa e inclusiva de todas as partes interessadas, garantindo que suas preocupações e interesses sejam adequadamente considerados. A integração da teoria dos jogos fornecerá insights valiosos sobre as dinâmicas de poder e as estratégias de negociação envolvidas, permitindo aos mediadores desenvolver estratégias mais eficazes para alcançar um acordo mutuamente aceitável.
Além disso, é essencial reconhecer e considerar o efeito borboleta, compreendendo as interconexões complexas e as possíveis consequências não intencionais de diferentes cursos de ação. Isso exigirá uma análise cuidadosa e uma avaliação abrangente dos potenciais impactos de qualquer acordo de paz proposto, garantindo que todas as partes envolvidas estejam plenamente conscientes das ramificações de suas decisões.
b. Reflexões finais sobre o estado actual do conflito e perspectivas para o futuro
Nas reflexões finais sobre o estado actual do conflito no leste da RDC e as perspectivas para o futuro, é imperativo reconhecer a complexidade e a gravidade da situação. O conflito na região continua a causar sofrimento humano, instabilidade política e impactos socioeconômicos devastadores. Apesar dos esforços de mediação e negociação realizados até o momento, ainda não foi alcançada uma solução duradoura e abrangente para o conflito.
É evidente que as abordagens de mediação adotadas até agora enfrentaram desafios significativos, incluindo a falta de representatividade, estratégias inadequadas de negociação e consequências não intencionais das ações tomadas. Esses obstáculos ressaltam a necessidade urgente de reformular as estratégias de mediação, incorporando uma abordagem mais inclusiva, estratégica e sensível ao contexto.
Olhando para o futuro, é fundamental que todas as partes envolvidas no conflito demonstrem um compromisso renovado com o diálogo e a cooperação. A resolução do conflito exigirá não apenas a vontade política das partes, mas também o apoio contínuo da comunidade internacional e das organizações regionais. É essencial que os mediadores intensifiquem seus esforços para promover a confiança mútua, facilitar o diálogo construtivo e identificar soluções práticas e viáveis para os problemas subjacentes.
Além disso, é crucial abordar as causas profundas do conflito, incluindo questões socioeconômicas, políticas e étnicas. Isso pode envolver iniciativas para promover o desenvolvimento econômico, fortalecer as instituições democráticas e proteger os direitos humanos. Ao mesmo tempo, é importante garantir a participação significativa das comunidades locais e afetadas pelo conflito no processo de paz, reconhecendo suas necessidades, preocupações e aspirações.
A superação das falhas na mediação requer uma abordagem mais inclusiva, estratégica e sensível ao contexto. Ao adotar uma perspectiva pluralista, integrar a teoria dos jogos e considerar o efeito borboleta, os mediadores podem aumentar significativamente as chances de alcançar uma solução pacífica e sustentável para o conflito no leste da RDC. Em última análise, embora os desafios possam ser formidáveis, não devemos perder de vista a possibilidade de alcançar uma paz sustentável e duradoura na região. Com uma abordagem renovada, compromisso genuíno e cooperação entre todas as partes interessadas, é possível construir um futuro melhor para o povo da RDC e da região como um todo.
9. REFERÊNCIAS
Sita, S. C. A. (2017). A Geopolítica de Angola na África Austral: Diplomacia e Política Externa de Angola na África Austral- SADC. (Tese de mestrado, Universidade Autónoma de Lisboa)
Miranda, M. A. M. (2018). Angola e a Resolução dos Conflitos na Região dos Grandes Lagos: O Caso da CIRGL. (Tese de mestrado, Instituto Superior de Ciências e Políticas Universidade de Lisboa) Sarfati, G. (2005). Teoria das Relações Internacionais. São Paulo: Saraiva. ISBN 85-02-05115-6
[1] Licenciando em Ciência Política e Relações Internacionais, na Universidade de Belas-UNIBELAS, membro do Projecto Académico Política Africana, membro do Círculo de Estudos Literários e Linguísticos Litteragris-CE3L, Director Académico do Centro Linguístico i Literário, Escritor e Crítico Literário. Contacto: E-mail: destinoventurajose@gmail.com
[2] VOA em português (2014) Angola assume a presidência da Conferência Internacional da Região dos Grandes Lagos. Consultado em: https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&ved=2ahUKEwiO9uSB28aDAxW7hf0HHZrNDncQFnoECBMQAQ&url=https%3A%2F%2Fwww.voaportugues.com%2Fa%2Fangola-assume-a-presidencia-da-conferencia-dos-grandes-lagos%2F1830788.html&usg=AOvVaw04T8nnKQ9–aOd1Ri8grV0&opi=89978449
[3] Jornal de Angola (2020) Angola assume presidência da CIRGL pela segunda vez. Consultado em: https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&ved=2ahUKEwjwzfeR4MaDAxUYVfEDHYAqCRgQFnoECAkQAQ&url=https%3A%2F%2Fwww.jornaldeangola.ao%2Fao%2Fnoticias%2Fangola-assume-presidencia-da-cirgl-pela-segunda-vez%2F&usg=AOvVaw1frDRWLuUYS-QYKp-dwhAM&opi=89978449
[4] GlobalVoices: Guiné-Bissau: Golpe de Estado e a Missão Militar de Angola. Consultado em: https://pt.globalvoices.org/2012/04/13/guine-bissau-golpe-de-estado-militar-angola/
[5] VOA Português: Paul Kagame não comparece à Cimeira de Luanda sobre crise entre RDC e Ruanda Consultado em: https://www.voaportugues.com/a/paul-kagame-n%C3%A3o-comparece-%C3%A0-cimeira-de-luanda-sobre-crise-entre-rdc-e-ruanda/6847361.html
[6] Correio Kianda: M23 recusa cessar-fogo no Leste da RDC. Prazo dado por Luanda termina hoje. Consultado em: https://correiokianda.info/m23-recusa-cessar-fogo-no-leste-da-republica-democratica-do-congo/
[7] A Teoria dos Jogos voltada ao âmbito das Relações Internacionais pretende descrever e prever o comportamento utilizado pelos seus atores. Muitas decisões dos tipos militar e governamental dependem das expectativas que se tenha sobre o comportamento dos demais atores. Assim, a Teoria dos Jogos busca fazer previsões de que tipo de jogo o indivíduo (o Estado entendido como racional e sem divisões políticas internas) está jogando (Sarfati 2005, p. 192).
[8] A metáfora da borboleta que provoca um tornado nasceu em uma palestra apresentada por Edward Lorenz no 139° Encontro da Associação Americana para o Avanço da Ciência, em Washington, D.C, em 29 de dezembro de 1972, intitulada Predictability: Does the Flap of a Butterfly’s Wings in Brazil set off a Tornado in Texas? (Previsibilidade: A Batida das Asas de uma Borboleta no Brasil provoca um Tornado no Texas?), publicada pelo autor em seu livro The Essence of Chaos (Ferrari, 2008 p.46).
[9] Stakeholders são todas as pessoas, empresas ou instituições que têm algum tipo de interesse na gestão e nos resultados de um projecto ou organização, influenciando ou sendo influenciadas – direta ou indiretamente – por ela.