ORGANIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO NACIONAL: ESTRUTURAS, DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O SISTEMA EDUCACIONAL BRASILEIRO
30 de junho de 2024ORGANIZATION OF NATIONAL EDUCATION: STRUCTURES, CHALLENGES, AND PERSPECTIVES FOR THE BRAZILIAN EDUCATIONAL SYSTEM
Artigo submetido em 01 de fevereiro de 2024
Artigo aprovado em 28 de fevereiro de 2024
Artigo publicado em 30 de junho de 2024
Scientia et Ratio Volume 4 – Número 6 – Junho de 2024 ISSN 2525-8532 |
.
Autor: Markus Samuel Leite Norat[1] |
.
Resumo: Este artigo examina a organização educacional brasileira, com foco na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), no Plano Nacional de Educação (PNE) e na implementação do Sistema Nacional de Educação (SNE). Destaca os avanços alcançados no regime de colaboração entre União, estados e municípios, bem como os desafios estruturais e políticos que comprometem a universalização e a equidade da educação no país. A análise evidencia a necessidade de regulamentação do regime de colaboração, ampliação do financiamento educacional, valorização docente e fortalecimento da governança educacional. Além disso, o estudo apresenta propostas para consolidar o SNE, incluindo estratégias de monitoramento, transparência e inclusão sociocultural. Ao propor caminhos para a superação das barreiras educacionais, o artigo contribui para o debate sobre políticas públicas que promovam uma educação de qualidade, inclusiva e sustentável.
Palavras-chave: Sistema Nacional de Educação. Regime de Colaboração. Governança Educacional. Políticas Públicas. Plano Nacional de Educação.
Abstract: This article examines the Brazilian educational organization, focusing on the National Education Guidelines and Framework Law (LDB), the National Education Plan (PNE), and the implementation of the National Education System (SNE). It highlights the progress achieved in the collaborative regime among the federal government, states, and municipalities, as well as the structural and political challenges that hinder the universalization and equity of education in the country. The analysis emphasizes the need for regulation of the collaborative regime, increased educational funding, teacher appreciation, and strengthened educational governance. Additionally, the study presents proposals to consolidate the SNE, including strategies for monitoring, transparency, and sociocultural inclusion. By proposing pathways to overcome educational barriers, the article contributes to the debate on public policies that promote quality, inclusive, and sustainable education.
Keywords: National Education System. Collaborative Regime. Educational Governance. Public Policies. National Education Plan
1 Introdução
A organização educacional no Brasil é marcada por uma trajetória histórica e política que reflete as dinâmicas socioeconômicas e culturais do país. Desde o período colonial, quando a educação era restrita a pequenos grupos e controlada pela Igreja Católica, até o desenvolvimento de um sistema público e laico, a estrutura educacional brasileira tem sido moldada por fatores diversos, incluindo desigualdades regionais, disputas de poder e mudanças legislativas. Esse contexto histórico influenciou diretamente o modelo de governança educacional atual, que busca conciliar princípios de descentralização, equidade e qualidade no atendimento à população.
A Constituição Federal de 1988 representou um marco na estruturação da educação nacional, ao estabelecer a educação como um direito social fundamental e responsabilidade compartilhada entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios. A partir desse princípio, o modelo brasileiro de organização educacional adota o regime de colaboração, que visa garantir a articulação e a complementaridade entre os diferentes entes federativos. Esse arranjo busca atender à diversidade regional e às necessidades locais, ao mesmo tempo que promove a equidade e a universalização do acesso à educação (BRASIL, 1988).
Outro avanço significativo na contextualização do sistema educacional brasileiro foi a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394/1996, que detalha as competências e atribuições dos diferentes níveis de governo no planejamento e execução de políticas educacionais. A LDB reafirma o regime de colaboração, promovendo uma visão sistêmica da educação que inclui desde a educação infantil até a pós-graduação, integrando as redes públicas e privadas e destacando a importância de metas e indicadores de qualidade. No entanto, a operacionalização desse modelo enfrenta desafios significativos, como a fragmentação administrativa, a desigualdade na distribuição de recursos e a falta de alinhamento entre as políticas educacionais nos diferentes níveis de governo (CUNHA, 2013).
O Plano Nacional de Educação (PNE), instituído pela Lei nº 13.005/2014, é outro elemento central na organização educacional brasileira, ao estabelecer metas e estratégias para o desenvolvimento do setor no horizonte de dez anos. O PNE aborda questões cruciais, como a universalização do ensino básico, a redução das desigualdades regionais e a ampliação do acesso ao ensino superior, além de enfatizar a necessidade de valorização dos profissionais da educação. No entanto, o cumprimento das metas do PNE tem sido desafiado por fatores estruturais, como a insuficiência de recursos financeiros e a dificuldade de implementação efetiva em contextos de grande desigualdade socioeconômica.
A organização educacional no Brasil também é profundamente influenciada pela diversidade sociocultural do país. A presença de comunidades indígenas, quilombolas e outras minorias culturais exige políticas específicas que respeitem e valorizem suas práticas e línguas, promovendo uma educação inclusiva e multicultural. Nesse sentido, programas como a Educação Escolar Indígena e a Educação de Jovens e Adultos (EJA) são exemplos de iniciativas que visam atender a essas especificidades, ainda que enfrentem limitações de abrangência e efetividade.
Portanto, a contextualização da organização educacional no Brasil revela um sistema complexo e multifacetado, no qual avanços significativos coexistem com desafios estruturais e operacionais. A implementação do regime de colaboração e o alinhamento das políticas públicas às demandas locais permanecem como aspectos cruciais para o fortalecimento da governança educacional. Além disso, a busca por equidade, qualidade e inclusão continua sendo um objetivo central para consolidar a educação como um direito fundamental e um instrumento de transformação social. Esse panorama reflete não apenas os esforços institucionais já realizados, mas também a necessidade de articulação contínua entre os diferentes agentes do sistema educacional brasileiro.
O presente estudo tem como objetivo principal analisar a organização da educação nacional no Brasil, destacando seus fundamentos legais, suas estruturas de governança e os desafios enfrentados na implementação de políticas públicas educacionais. A partir de uma abordagem crítica e fundamentada, o trabalho busca compreender como os diferentes entes federativos atuam no regime de colaboração, identificando os avanços, as limitações e as possibilidades de aprimoramento do sistema educacional brasileiro. Além disso, o estudo propõe reflexões sobre as estratégias necessárias para fortalecer a articulação entre os níveis de governo, promover a equidade educacional e consolidar a educação como um direito universal.
A relevância deste estudo está diretamente vinculada à centralidade da educação no desenvolvimento social, econômico e cultural de uma nação. No Brasil, onde persistem desigualdades históricas e estruturais que comprometem o acesso e a qualidade da educação, compreender os mecanismos que regem sua organização é essencial para a formulação de políticas públicas eficazes e sustentáveis. Segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano (PNUD, 2020), a educação é um dos principais indicadores de bem-estar social, influenciando diretamente aspectos como empregabilidade, renda e cidadania ativa. Nesse contexto, a análise da organização educacional brasileira é imprescindível para enfrentar os desafios contemporâneos e garantir a inclusão de todos os cidadãos em processos educativos de qualidade.
O estudo também se destaca por sua relevância no campo das políticas públicas, especialmente em um momento em que o cumprimento das metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação (PNE) encontra sérios obstáculos. A implementação de um sistema educacional inclusivo e eficiente requer uma articulação robusta entre União, estados e municípios, bem como o enfrentamento de questões como a desigualdade na distribuição de recursos, a falta de infraestrutura em escolas de regiões vulneráveis e a descontinuidade de políticas educacionais devido a mudanças administrativas e políticas (CUNHA, 2013). Ao aprofundar a análise sobre esses aspectos, o estudo oferece subsídios para o debate sobre o fortalecimento do Sistema Nacional de Educação, destacando a necessidade de governança multiescalar e planejamento estratégico de longo prazo.
Além disso, a relevância do estudo está intrinsecamente ligada à diversidade sociocultural brasileira. A presença de comunidades indígenas, quilombolas e outras minorias culturais, bem como a coexistência de múltiplas realidades regionais, impõe ao sistema educacional o desafio de garantir a equidade sem perder de vista as especificidades locais. Políticas educacionais que não considerem essas diversidades correm o risco de reforçar desigualdades e excluir grupos já historicamente marginalizados. Nesse sentido, a análise do regime de colaboração e das estruturas de governança educacional pode contribuir para a formulação de estratégias que promovam uma educação verdadeiramente inclusiva e plural (BRASIL, 1988; UNESCO, 2019).
Por fim, este estudo se justifica por sua contribuição para o campo acadêmico, ao abordar a organização educacional sob uma perspectiva interdisciplinar, que considera tanto os aspectos legais e administrativos quanto as dinâmicas socioculturais que influenciam o funcionamento do sistema. A pesquisa oferece uma síntese teórica e prática sobre o tema, incentivando o desenvolvimento de novos estudos e a adoção de práticas educativas mais alinhadas às demandas contemporâneas. Ao propor reflexões sobre os desafios e as possibilidades de aprimoramento do sistema educacional brasileiro, este trabalho se posiciona como uma ferramenta relevante para pesquisadores, gestores públicos e formuladores de políticas, contribuindo para o avanço do debate sobre a educação como elemento central para o desenvolvimento humano e social no Brasil.
2 Estruturação e Funcionamento do Sistema Educacional Brasileiro
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), instituída pela Lei nº 9.394/1996, constitui o marco regulatório central para a organização e funcionamento do sistema educacional brasileiro. Amplamente reconhecida por sua abrangência e flexibilidade, a LDB estabelece os princípios, objetivos e mecanismos de articulação entre os entes federativos, promovendo uma visão sistêmica e colaborativa da educação nacional. Entre os elementos estruturantes da lei, destaca-se o regime de colaboração, que busca harmonizar as responsabilidades da União, estados, Distrito Federal e municípios na oferta e gestão dos serviços educacionais, atendendo às diversidades regionais e às necessidades locais (BRASIL, 1996).
O regime de colaboração, previsto no artigo 211 da Constituição Federal de 1988 e detalhado pela LDB, é um instrumento que visa superar as desigualdades educacionais no Brasil, promovendo a integração entre os diferentes níveis de governo e garantindo a universalização do direito à educação. De acordo com esse modelo, a União assume o papel de coordenadora da política educacional, elaborando diretrizes gerais e fornecendo assistência técnica e financeira aos entes subnacionais. Os estados, por sua vez, são responsáveis pela organização e manutenção do ensino fundamental e médio, enquanto os municípios têm a atribuição prioritária de atender à educação infantil e ao ensino fundamental em regime de colaboração (BRASIL, 1988; BRASIL, 1996).
No entanto, a operacionalização prática do regime de colaboração enfrenta desafios significativos, relacionados à fragmentação administrativa, às desigualdades regionais e à insuficiência de mecanismos eficazes de governança. Estudos indicam que a ausência de regulamentações claras e instrumentos de coordenação intergovernamental dificulta a articulação entre os entes federativos, resultando em sobreposição de responsabilidades, lacunas no atendimento educacional e ineficiência na aplicação dos recursos públicos (CUNHA, 2013). Além disso, a distribuição desigual de receitas tributárias entre União, estados e municípios agrava as disparidades regionais, comprometendo a capacidade de muitas administrações locais de atender às demandas da população em termos de acesso e qualidade da educação (FUNDAÇÃO LEMANN, 2018).
A LDB também reforça a importância de metas e indicadores de qualidade como elementos norteadores das políticas educacionais. Nesse contexto, o Plano Nacional de Educação (PNE) emerge como um instrumento essencial para a concretização do regime de colaboração, estabelecendo objetivos comuns e estratégias compartilhadas entre os entes federativos. No entanto, a falta de alinhamento entre as metas do PNE e as ações concretas dos estados e municípios representa um obstáculo significativo para a efetividade do regime de colaboração. A implementação das metas do PNE exige não apenas a articulação administrativa, mas também a ampliação do financiamento educacional, a valorização dos profissionais da educação e o fortalecimento dos mecanismos de monitoramento e avaliação (UNESCO, 2019).
Apesar das dificuldades, o regime de colaboração apresenta potencial significativo para enfrentar os desafios educacionais brasileiros, especialmente quando apoiado por políticas públicas que promovam a equidade e a inclusão. Experiências exitosas, como os Arranjos de Desenvolvimento da Educação (ADEs), ilustram a viabilidade de iniciativas regionais que integram esforços de diferentes municípios e estados, promovendo a troca de experiências, a otimização de recursos e a implementação de práticas pedagógicas inovadoras. Essas experiências demonstram que a colaboração intergovernamental, quando bem estruturada, pode contribuir para a redução das desigualdades educacionais e a melhoria dos indicadores de aprendizagem (CAVALCANTE & KRAWCZYK, 2017).
O Plano Nacional de Educação (PNE), instituído pela Lei nº 13.005/2014, é um instrumento normativo e estratégico que organiza as ações do Estado brasileiro para a promoção de uma educação pública, equitativa e de qualidade. Com vigência de dez anos, o PNE estabelece metas e estratégias que abrangem todos os níveis e modalidades de ensino, reforçando o compromisso constitucional com a universalização do direito à educação e com a superação das desigualdades educacionais. O plano é estruturado em 20 metas interdependentes, que delineiam diretrizes para o aprimoramento do acesso, permanência e aprendizagem, além da valorização dos profissionais da educação e da gestão democrática do ensino (BRASIL, 2014).
As metas do PNE refletem uma visão sistêmica da educação, enfatizando a necessidade de articulação entre os diferentes níveis de governo e os diversos segmentos da sociedade. Entre os objetivos centrais do plano, destacam-se a universalização da educação básica obrigatória e gratuita para crianças e jovens de 4 a 17 anos (Meta 1), a erradicação do analfabetismo funcional (Meta 9) e a ampliação do acesso ao ensino superior, especialmente para populações historicamente excluídas (Meta 12). Essas metas não apenas reafirmam a educação como um direito fundamental, mas também a colocam como um eixo estruturante para o desenvolvimento humano, econômico e social do país (UNESCO, 2019).
Contudo, a implementação efetiva das metas do PNE enfrenta desafios significativos, relacionados tanto à insuficiência de financiamento quanto à falta de alinhamento entre as esferas federal, estadual e municipal. O Brasil investe cerca de 6% do Produto Interno Bruto (PIB) em educação, índice que, embora compatível com padrões internacionais, é insuficiente para atender às demandas de um sistema educacional tão desigual e heterogêneo (OCDE, 2021). Nesse sentido, a Meta 20, que estabelece a ampliação do investimento público em educação para 10% do PIB até o final da vigência do plano, é um dos principais desafios políticos e econômicos do PNE, especialmente em um contexto de restrições fiscais.
A desigualdade na distribuição de recursos entre os diferentes entes federativos é outro entrave para o alcance das metas do PNE. Enquanto estados e municípios de maior arrecadação conseguem investir valores mais elevados por aluno, regiões economicamente vulneráveis enfrentam dificuldades para assegurar condições mínimas de infraestrutura, materiais pedagógicos e formação docente. Essa disparidade reforça as desigualdades regionais no acesso à educação de qualidade, especialmente no ensino infantil e fundamental, que são de responsabilidade prioritária dos municípios (CUNHA, 2013). A efetivação do regime de colaboração, detalhado no PNE, é indispensável para mitigar essas desigualdades e promover a equidade educacional.
A valorização dos profissionais da educação, prevista em diversas metas do PNE, é outra dimensão estratégica para o fortalecimento do sistema educacional brasileiro. O plano estabelece a necessidade de equiparação salarial entre professores e demais profissionais com formação equivalente (Meta 17) e propõe a universalização do acesso à formação continuada de qualidade (Meta 15). Essas ações buscam reverter um cenário de desvalorização docente, caracterizado por baixos salários, condições precárias de trabalho e insuficiência de oportunidades de desenvolvimento profissional. Estudos apontam que a valorização dos professores tem impacto direto na qualidade do ensino, influenciando a motivação, a retenção de talentos e os resultados de aprendizagem dos estudantes (BARBOSA & FISCHER, 2018).
O monitoramento e a avaliação das metas do PNE são realizados por meio de relatórios periódicos elaborados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), com o apoio de conselhos de educação e entidades da sociedade civil. Esses mecanismos são essenciais para identificar avanços e lacunas na implementação do plano, permitindo ajustes e redirecionamentos nas estratégias adotadas. No entanto, a fragmentação das ações entre os entes federativos e a falta de comprometimento político com algumas metas têm dificultado a consolidação do PNE como instrumento central de planejamento educacional (FUNDAÇÃO LEMANN, 2018).
Em síntese, o Plano Nacional de Educação representa uma tentativa abrangente de articular as ações do Estado brasileiro em prol de uma educação de qualidade para todos. Suas metas estratégicas refletem o compromisso com a inclusão, a equidade e a excelência, mas sua implementação depende de um esforço conjunto que mobilize governos, sociedade civil e comunidades escolares. O cumprimento das metas do PNE não apenas fortalecerá o sistema educacional brasileiro, mas também contribuirá para o desenvolvimento sustentável e para a construção de uma sociedade mais justa e democrática. Para tanto, é essencial superar os desafios relacionados ao financiamento, à desigualdade regional e à valorização docente, consolidando a educação como um direito universal e uma prioridade nacional.
3 Desafios e Perspectivas na Implementação do Sistema Nacional de Educação
A implementação do Sistema Nacional de Educação (SNE), concebido como uma estratégia para integrar e coordenar as ações educacionais entre União, estados, Distrito Federal e municípios, enfrenta barreiras estruturais e políticas significativas que limitam sua consolidação no Brasil. Essas barreiras são resultado de um contexto histórico marcado por desigualdades regionais, ineficiências administrativas e conflitos de competência entre os entes federativos, além de desafios políticos relacionados à continuidade e ao alinhamento das políticas públicas no setor educacional (CUNHA, 2013; BRASIL, 2014).
A fragmentação administrativa é uma das principais barreiras estruturais para a efetivação do SNE. Embora a Constituição Federal de 1988 tenha estabelecido o regime de colaboração como fundamento para a organização educacional brasileira, na prática, a falta de regulamentação clara e de instrumentos efetivos de coordenação tem dificultado a articulação entre os entes federativos. Estados e municípios frequentemente enfrentam sobreposições de responsabilidades ou lacunas no atendimento educacional, o que compromete a eficiência e a universalização do sistema (ARRETCHE, 2015).
Além disso, as desigualdades regionais e socioeconômicas intensificam as dificuldades de implementação do SNE. Municípios com menor capacidade arrecadatória enfrentam sérios desafios para assegurar a infraestrutura escolar, a formação docente e a disponibilidade de materiais pedagógicos, enquanto estados economicamente mais desenvolvidos conseguem investir significativamente mais em educação. Essa disparidade gera um cenário de desigualdade educacional, em que o acesso e a qualidade da educação dependem da localização geográfica do aluno, contrariando os princípios constitucionais de equidade e igualdade de oportunidades (FUNDAÇÃO LEMANN, 2018).
A insuficiência de recursos financeiros é outra barreira estrutural central. Embora o Brasil invista aproximadamente 6% do Produto Interno Bruto (PIB) em educação, esse montante é insuficiente para atender às demandas de um sistema educacional abrangente e desigual como o brasileiro. O financiamento fragmentado, baseado em diferentes fontes e mecanismos de distribuição, muitas vezes não acompanha as necessidades específicas de estados e municípios, dificultando a execução de políticas públicas alinhadas às metas do Plano Nacional de Educação (PNE) (OECD, 2021).
Instrumentos como o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) representam avanços importantes na redistribuição de recursos, mas ainda enfrentam limitações, especialmente em relação ao atendimento de áreas rurais e comunidades indígenas e quilombolas. A dependência de complementações financeiras por parte da União também demonstra a vulnerabilidade de muitos estados e municípios, que não conseguem garantir a sustentabilidade de suas redes educacionais sem apoio federal (BRASIL, 2020).
No campo político, a falta de alinhamento entre as prioridades dos diferentes entes federativos e a descontinuidade de políticas educacionais devido a mudanças administrativas são barreiras recorrentes. Governos municipais, estaduais e federal nem sempre compartilham a mesma visão de longo prazo para a educação, o que resulta em políticas fragmentadas e pouco coordenadas. Essa falta de integração compromete a efetividade do SNE, pois enfraquece a capacidade do sistema de atuar de maneira coesa em questões como a universalização do ensino, a melhoria da qualidade e a redução das desigualdades educacionais (CAVALCANTE & KRAWCZYK, 2017).
A governança educacional também é impactada pela influência de interesses políticos e econômicos, que muitas vezes priorizam agendas de curto prazo em detrimento de estratégias estruturantes e duradouras. A ausência de pactos políticos consistentes para o fortalecimento do SNE reflete a instabilidade das políticas públicas educacionais no Brasil, dificultando o alinhamento das ações entre os níveis de governo e comprometendo o cumprimento das metas do PNE (BARBOSA & FISCHER, 2018).
A inexistência de instrumentos normativos que regulamentem de forma específica o funcionamento do SNE é uma lacuna que enfraquece a coordenação intergovernamental. Apesar das diretrizes gerais previstas na Constituição e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a ausência de regulamentações complementares impede que o regime de colaboração funcione plenamente, gerando ambiguidades nas responsabilidades e na alocação de recursos.
Além disso, a implementação do SNE carece de mecanismos robustos de monitoramento e avaliação, que são indispensáveis para medir o impacto das políticas públicas e ajustar suas estratégias conforme necessário. A falta de indicadores claros e de sistemas de coleta e análise de dados dificulta a identificação de avanços e desafios, comprometendo a transparência e a eficiência da gestão educacional (UNESCO, 2019).
As barreiras estruturais e políticas na implementação do Sistema Nacional de Educação refletem a complexidade do contexto educacional brasileiro, marcado por desigualdades históricas, insuficiências administrativas e falta de alinhamento político. Para superar esses desafios, é imprescindível promover uma articulação mais efetiva entre os entes federativos, ampliar os investimentos em educação e fortalecer os instrumentos de governança e monitoramento. A consolidação do SNE como um mecanismo funcional e eficiente depende de um compromisso político contínuo e de uma visão sistêmica que priorize a equidade, a qualidade e a inclusão como pilares do desenvolvimento educacional no Brasil.
A consolidação da governança educacional no Brasil é um elemento central para a superação dos desafios estruturais e políticos que permeiam o Sistema Nacional de Educação (SNE). A governança eficaz exige uma articulação coordenada entre os entes federativos, a sociedade civil e os diversos atores educacionais, com vistas a assegurar a universalização do direito à educação, a equidade no acesso e na qualidade do ensino, e a eficiência na gestão de recursos públicos. Para alcançar esses objetivos, é necessário implementar propostas estratégicas que promovam maior integração, transparência e responsabilização nos processos de tomada de decisão e execução das políticas públicas educacionais (CAVALCANTE & KRAWCZYK, 2017).
A regulamentação do regime de colaboração é uma das prioridades para a consolidação da governança educacional. Embora a Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) estabeleçam as bases legais para a colaboração entre União, estados, Distrito Federal e municípios, a ausência de normas complementares que detalhem as responsabilidades e os mecanismos de coordenação dificulta sua efetividade. Propostas nesse sentido incluem a definição de instrumentos jurídicos que formalizem os papéis de cada ente federativo, criando diretrizes claras para a cooperação intergovernamental, especialmente em áreas como financiamento, planejamento e avaliação (BRASIL, 2014).
Além disso, a criação de instâncias permanentes de articulação, como conselhos ou fóruns regionais de educação, pode fortalecer o diálogo e a integração entre os diferentes níveis de governo. Essas instâncias funcionariam como espaços de planejamento conjunto, permitindo o alinhamento de metas, estratégias e prioridades, com base nas especificidades regionais e locais. Experiências exitosas de Arranjos de Desenvolvimento da Educação (ADEs) já demonstraram o potencial de tais estruturas para promover práticas colaborativas e melhorar os indicadores educacionais (FUNDAÇÃO LEMANN, 2018).
O fortalecimento da governança educacional requer a revisão dos mecanismos de financiamento da educação, com vistas a assegurar sua sustentabilidade e equidade. Nesse contexto, a consolidação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) como um instrumento permanente e aprimorado representa um passo importante. Contudo, é necessário avançar na criação de mecanismos adicionais que garantam maior redistribuição de recursos, especialmente para regiões vulneráveis e com menor capacidade arrecadatória (OECD, 2021).
Uma proposta complementar é a vinculação de recursos provenientes de royalties de exploração de petróleo e gás ao financiamento educacional, conforme previsto em legislações recentes. Essa medida pode ampliar os investimentos em infraestrutura, formação docente e programas de inclusão, contribuindo para a superação das desigualdades regionais. Além disso, é fundamental promover maior transparência e controle social sobre a aplicação dos recursos, utilizando sistemas digitais para monitorar gastos e avaliar o impacto das políticas públicas (BARBOSA & FISCHER, 2018).
A valorização dos profissionais da educação é um pilar indispensável para a consolidação da governança educacional. Propostas nesse sentido incluem a criação de programas nacionais de formação inicial e continuada que articulem teoria e prática, com foco em competências pedagógicas, tecnológicas e culturais. Além disso, é necessário implementar políticas de carreira que assegurem condições dignas de trabalho, remuneração compatível com a complexidade das funções docentes e incentivos para atuação em regiões de difícil acesso (CUNHA, 2013).
A integração de tecnologias digitais nos programas de formação docente também é crucial para alinhar as práticas pedagógicas às demandas contemporâneas. Ferramentas digitais podem ampliar o alcance e a qualidade da formação, permitindo que professores de áreas remotas tenham acesso a cursos e materiais de excelência. Essa abordagem deve ser acompanhada de políticas que promovam o uso ético e crítico das tecnologias no ambiente escolar, capacitando os docentes para lidar com as transformações sociais e culturais do século XXI (LANKSHEAR & KNOBEL, 2008).
A implementação de mecanismos robustos de monitoramento e avaliação é essencial para garantir a eficácia e a eficiência das políticas educacionais. Propostas nesse sentido incluem o fortalecimento de sistemas nacionais de avaliação, como o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), ampliando seu escopo para incluir indicadores de equidade, inclusão e inovação pedagógica. Além disso, é necessário estabelecer métricas claras para medir o impacto das políticas públicas, permitindo ajustes baseados em evidências e promovendo uma cultura de responsabilização (UNESCO, 2019).
A transparência deve ser promovida por meio da utilização de plataformas digitais que disponibilizem dados em tempo real sobre matrículas, resultados de aprendizagem, financiamento e infraestrutura. Essas plataformas podem ser integradas a sistemas de governança participativa, permitindo que gestores, professores, estudantes e comunidades escolares acompanhem e influenciem a execução das políticas públicas. A transparência não apenas fortalece a confiança no sistema educacional, mas também cria condições para a inovação e a cocriação de soluções para os desafios educacionais.
A governança educacional no Brasil deve ser orientada por políticas que respeitem e valorizem a diversidade sociocultural e linguística do país. Propostas incluem o fortalecimento de programas de educação bilíngue para comunidades indígenas e quilombolas, a expansão da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e a promoção de práticas pedagógicas inclusivas para alunos com deficiência. Essas iniciativas devem ser integradas a uma visão sistêmica que reconheça a educação como instrumento de transformação social e fortalecimento da cidadania (HORNBURGER, 2002).
A consolidação da governança educacional no Brasil exige a implementação de um conjunto articulado de propostas que promovam a coordenação intergovernamental, o financiamento equitativo, a valorização docente, a transparência e a inclusão. Essas estratégias são indispensáveis para transformar o Sistema Nacional de Educação em um mecanismo eficaz de planejamento e execução de políticas públicas, garantindo o direito à educação de qualidade para todos. O avanço nessa direção depende de um compromisso político sustentado e de uma visão de longo prazo que integre os esforços de diferentes atores sociais, fortalecendo o papel da educação como alicerce para o desenvolvimento humano e social do país.
4 Conclusão
Este estudo buscou analisar as principais estruturas e desafios da organização educacional brasileira, com ênfase na Lei de Diretrizes e Bases (LDB), no Plano Nacional de Educação (PNE) e na implementação do Sistema Nacional de Educação (SNE). A análise evidenciou que, apesar dos avanços normativos e estratégicos alcançados ao longo das últimas décadas, o sistema educacional brasileiro ainda enfrenta barreiras estruturais e políticas que comprometem a universalização do direito à educação e a promoção da equidade e qualidade no ensino. Essas barreiras, como a fragmentação administrativa, a insuficiência de recursos e a desigualdade regional, destacam a necessidade de consolidar um modelo de governança educacional mais integrado, eficiente e sustentável.
Entre as principais contribuições do estudo, destacou-se a importância da regulamentação do regime de colaboração, prevista na Constituição de 1988 e detalhada pela LDB, como instrumento essencial para articular as ações entre União, estados e municípios. A análise do PNE e de suas metas estratégicas demonstrou o potencial desse plano como eixo estruturador das políticas educacionais, mas também revelou lacunas em sua execução, especialmente no que diz respeito ao financiamento e ao alinhamento das ações intergovernamentais. Ademais, a reflexão sobre o SNE reforçou a necessidade de superar os entraves políticos e administrativos que dificultam sua implementação, propondo estratégias para fortalecer a coordenação intergovernamental, a valorização docente e o monitoramento das políticas públicas.
Com base nessas análises, algumas recomendações emergem como fundamentais para o avanço da educação nacional. Primeiramente, é indispensável regulamentar o regime de colaboração, estabelecendo instrumentos normativos claros que definam as responsabilidades e os mecanismos de articulação entre os entes federativos. Essa regulamentação deve ser acompanhada da criação de instâncias permanentes de diálogo e planejamento conjunto, como fóruns regionais e conselhos intergovernamentais, que promovam a integração de ações e a troca de experiências entre diferentes contextos.
Em termos de financiamento, recomenda-se a ampliação dos investimentos públicos em educação, com especial atenção às regiões mais vulneráveis. A consolidação do Fundeb como mecanismo redistributivo é um passo importante, mas é necessário complementar esse esforço com novas fontes de financiamento, como a destinação de receitas oriundas de royalties do petróleo e gás. Além disso, é essencial garantir maior transparência e controle social na aplicação dos recursos, utilizando tecnologias digitais para monitorar e avaliar o impacto das políticas educacionais.
A valorização dos profissionais da educação é outra dimensão estratégica que demanda atenção prioritária. Programas nacionais de formação inicial e continuada devem ser fortalecidos, com foco na integração entre teoria e prática, no uso de tecnologias educacionais e na adaptação às diversidades culturais e linguísticas do país. Políticas de carreira que assegurem remuneração digna, condições adequadas de trabalho e incentivos para atuação em áreas de difícil acesso também são indispensáveis para atrair e reter talentos no magistério.
Por fim, a construção de uma governança educacional eficaz requer o fortalecimento de mecanismos de monitoramento e avaliação. Sistemas como o SAEB devem ser ampliados para incluir indicadores de equidade, inclusão e inovação pedagógica, fornecendo subsídios para ajustes baseados em evidências. Além disso, a participação ativa de comunidades escolares e da sociedade civil no planejamento e acompanhamento das políticas educacionais deve ser incentivada, promovendo um modelo de governança participativa que reflita as necessidades e expectativas da população.
Consolidar um sistema educacional inclusivo, equitativo e de qualidade no Brasil é um desafio que exige esforço coletivo e visão de longo prazo. A educação não deve ser tratada apenas como um setor administrativo, mas como um direito fundamental e uma prioridade estratégica para o desenvolvimento social e econômico do país. As recomendações apresentadas neste estudo buscam contribuir para esse objetivo, apontando caminhos para fortalecer a organização educacional brasileira e promover uma educação capaz de transformar realidades e reduzir desigualdades. A construção desse futuro depende de um compromisso político e social que reconheça a educação como o alicerce para a construção de uma sociedade mais justa, democrática e sustentável.
Referências
ARRETCHE, M. (2015). Descentralização das políticas sociais no Brasil: Cooperação e conflito na federação brasileira. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 30(89), 1–22.
BARBOSA, M. L., & FISCHER, R. M. (2018). Desafios da governança pública na educação brasileira. Cadernos de Pesquisa em Administração Pública e Gestão Pública, 10(2), 36–52.
BRASIL. (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal.
BRASIL. (1996). Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – Lei nº 9.394/1996.
BRASIL. (2014). Plano Nacional de Educação (PNE) – Lei nº 13.005/2014.
CAVALCANTE, L., & KRAWCZYK, N. R. (2017). Arranjos de desenvolvimento da educação: Cooperação intermunicipal e equidade. Educação e Sociedade, 38(139), 473–493.
CUNHA, L. A. (2013). Educação e desenvolvimento no Brasil: Da colônia à globalização. São Paulo: Cortez.
FUNDAÇÃO LEMANN. (2018). Educação em foco: Desafios e propostas para a equidade educacional no Brasil.
LANKSHEAR, C., & KNOBEL, M. (2008). Digital literacies: Concepts, policies and practices. New York: Peter Lang.
OECD (Organisation for Economic Co-operation and Development). (2021). Education at a Glance 2021: OECD Indicators. Paris: OECD Publishing.UNESCO. (2019). Global Education Monitoring Report: Migration, displacement and education – Building bridges, not walls. Paris: UNESCO Publishing.
[1] Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais. Mestre em Direito e Desenvolvimento Sustentável. Especialização em Coordenação Pedagógica. Especialização em Tutoria em Educação a Distância e Docência do Ensino Superior. Especialização em Direito da Seguridade Social Previdenciário e Prática Previdenciária. Especialização em Advocacia Extrajudicial. Especialização em Direito da Criança, Juventude e Idosos. Especialização em Direito Educacional. Especialização em Direito do Consumidor. Especialização em Direito Civil, Processo Civil e Direito do Consumidor. Especialização em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho. Especialização em Direito Ambiental. Especialização em Desenvolvimento em Aplicações Web. Especialização em Desenvolvimento de Jogos Digitais. Especialização em Ensino Religioso. Especialização em Docência no Ensino de Ciências Biológicas. Especialização em Ensino de História e Geografia. Especialização em Ensino de Arte e História. Especialização em Docência em Educação Física. Licenciatura em Geografia. Licenciatura em Ciências Biológicas. Licenciatura em História. Licenciatura em Letras Português. Licenciatura em Ciências da Religião. Licenciatura em Educação Física. Licenciatura em Artes. Bacharelado em Direito. Editor de Livros, Revistas e Sites. Advogado especializado em Direito do Consumidor. Coordenador Pedagógico e Professor do Departamento de Pós-Graduação em Direito do Centro Universitário de João Pessoa UNIPÊ; Professor convidado da Escola Nacional de Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça; Professor do Curso de Graduação em Direito no Centro Universitário de João Pessoa UNIPÊ; Professor do Curso de Graduação em Direito na Faculdade Internacional Cidade Viva FICV; Membro Coordenador Editorial de Livros Jurídicos da Editora Edijur (São Paulo); Membro Diretor Geral e Editorial das seguintes Revistas Científicas: Scientia et Ratio; Revista Brasileira de Direito do Consumidor; Revista Brasileira de Direito e Processo Civil; Revista Brasileira de Direito Imobiliário; Revista Brasileira de Direito Penal; Revista Científica Jurídica Cognitio Juris, ISSN 2236-3009; e Ciência Jurídica; Membro do Conselho Editorial da Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo, ISSN 2237-1168; Autor de mais de 90 livros jurídicos e de diversos artigos científicos.