OS CEJUSCS NO SISTEMA MULTIPORTAS: AVANÇOS INSTITUCIONAIS, DESCOMPASSOS PRÁTICOS E PERSPECTIVAS DE CONSOLIDAÇÃO

OS CEJUSCS NO SISTEMA MULTIPORTAS: AVANÇOS INSTITUCIONAIS, DESCOMPASSOS PRÁTICOS E PERSPECTIVAS DE CONSOLIDAÇÃO

30 de junho de 2025 Off Por Scientia et Ratio

CEJUSCS IN THE MULTIPORT SYSTEM: INSTITUTIONAL ADVANCES, PRACTICAL DISCOMPANY AND PROSPECTS FOR CONSOLIDATION

Artigo submetido em 02 de junho de 2025
Artigo aprovado em 17 de junho de 2025
Artigo publicado em 30 de junho de 2025

Scientia et Ratio
Volume 5 – Número 8 – Junho de 2025
ISSN 2525-8532
Autor:
Edmilson Ewerton Ramos de Almeida[1]
Maria Luiza Silva de Oliveira Barbosa[2]

RESUMO: O presente artigo analisa a atuação dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs) como instrumentos da política pública de incentivo à consensualidade no sistema multiportas brasileiro. A pesquisa, de caráter qualitativo e abordagem jurídico-dogmática, examina a audiência de conciliação prevista no art. 334 do Código de Processo Civil, confrontando os avanços institucionais com os limites práticos e críticos da autocomposição. Com base em dados do CNJ, evidencia-se que a taxa de acordos em sessões pré-processuais supera significativamente os índices observados após o ajuizamento, indicando a necessidade de protocolos de triagem mais eficazes e de integração orgânica entre CEJUSCs e magistratura. A partir de dados empíricos, doutrina especializada e fundamentos normativos, conclui-se que a consolidação dos CEJUSCs exige investimentos em formação, remuneração e indicadores qualitativos, bem como vigilância crítica quanto à imposição acrítica de soluções consensuais, a fim de resguardar a função garantidora da jurisdição estatal.

Palavras-chave: CEJUSC; consensualidade; eficiência.

ABSTRACT: This article analyzes the performance of the Judicial Centers for Conflict Resolution and Citizenship (CEJUSCs) as instruments of public policy to encourage consensuality in the Brazilian multi-door system. The research, of a qualitative nature and a legal-dogmatic approach, examines the conciliation hearing provided for in art. 334 of the Civil Procedure Code, comparing institutional advances with the practical and critical limits of self-composition. Based on data from the CNJ, it is clear that the rate of agreements in pre-procedural sessions significantly exceeds the rates observed after the filing, indicating the need for more effective screening protocols and organic integration between CEJUSCs and the judiciary. Based on empirical data, specialized doctrine and normative foundations, it is concluded that the consolidation of CEJUSCs requires investments in training, remuneration and qualitative indicators, as well as critical vigilance regarding the uncritical imposition of consensual solutions, in order to protect the guaranteeing function of state jurisdiction.

Keywords: CEJUSC; consensuality; efficiency.

INTRODUÇÃO

Historicamente, a tutela dos direitos no convívio social foi inicialmente exercida por meio da autotutela, caracterizada pela atuação direta e unilateral do sujeito na defesa de seus próprios interesses. Com o desenvolvimento do Estado de Direito e a institucionalização de normas, regras e leis, o Estado assumiu o monopólio da justiça por meio da heterocomposição.

Por diversas razões políticas, econômicas, culturais e antropológicas, que extrapolam o escopo da presente investigação, os países ocidentais atribuíram ao Poder Judiciário, ao longo dos séculos (e, particularmente, nas últimas décadas pós-Segunda Guerra Mundial), um protagonismo cada vez maior na solução dos conflitos, desprestigiando as autoridades próprias das demais esferas de poder.

No caso brasileiro, o crescente volume de demandas submetidas ao Poder Judiciário gerou um cenário de sobrecarga estrutural, refletido na morosidade processual e na insatisfação das partes com a qualidade da prestação jurisdicional, frequentemente percebida como distante da realidade concreta dos conflitos.

Nesse contexto, diversos doutrinadores e pesquisadores propuseram novos modelos de prestação jurisdicional, sendo atribuída ao professor Frank Sander, da Universidade de Harvard, ao final da década de 1970, a concepção do chamado “sistema multiportas”, pensado como alternativa viável à solução adversarial dos litígios, tendo como premissa fundamental a oferta de múltiplas formas adequadas de resolução de disputas, conforme as particularidades de cada caso. Esse conceito foi formalmente incorporado ao ordenamento brasileiro a partir de 2010 e, desde então, várias inovações (nem sempre consensuais) foram implementadas.

A presente pesquisa, portanto, tem por objetivo analisar a efetividade e os limites da atuação dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs), com especial atenção à audiência de conciliação e mediação prevista no art. 334 do Código de Processo Civil — instrumento processual que, desde 2015, passou a inaugurar o procedimento comum como espaço qualificado de autocomposição. Essa audiência representa um ponto estratégico da política pública de promoção da pacificação social e confere protagonismo institucional aos CEJUSCs como porta de entrada do sistema multiportas no curso do processo judicial.

Assim, busca-se compreender em que medida os CEJUSCs, enquanto instrumentos operacionais do sistema multiportas, têm contribuído para a construção de uma cultura de consensualidade, bem como identificar os fatores que, na prática, dificultam o alcance dos resultados esperados pela normatização institucional, analisando criticamente também o paradoxo entre o crescimento institucional desses centros e o baixo impacto quantitativo nos indicadores de acordo.

Metodologicamente, adota-se uma abordagem qualitativa, de base jurídico-dogmática, com ênfase na análise normativa, doutrinária e empírica da política judiciária voltada à autocomposição. Inicialmente, descreve-se a mudança de paradigma ocorrida entre os anos de 2010 e 2015, marcada pela valorização dos métodos consensuais de resolução de conflitos no ordenamento jurídico brasileiro. Em seguida, examina-se a situação atual dos CEJUSCs à luz dos dados disponíveis, da experiência prática e das críticas doutrinárias especializadas. Por fim, apresentam-se os principais entraves observados na atuação cotidiana desses centros e discutem-se caminhos viáveis para o aprimoramento da sua efetividade institucional, com foco na audiência inicial do procedimento comum.

1. A PRESTAÇÃO JURISDICIONAL COMPOSITIVA COMO MUDANÇA DE PARADIGMAS

As primeiras edições do relatório “Justiça em Números”, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), entre 2004 e 2010, já traziam indicadores objetivos de uma excessiva judicialização dos conflitos de interesses, uma alta quantidade de recursos e de execução de sentenças, desaguando em uma prestação jurisdicional lenta e, portanto, insuficiente aos conflitos que lhe eram apresentados.

A título exemplificativo, seguem extratos do relatório sumário da edição 2010 (ano-base 2009): “Tramitaram, nos três ramos da Justiça, cerca de 86,6 milhões de processos em 2009 (…)Em 2009, a taxa de congestionamento global da Justiça brasileira foi de 71%, percentual que tem se revelado estável desde 2004.”, apesar de que “Em média, em 2009, cada magistrado julgou 1.439 processos, o que representou um aumento de 3,6% em relação aos dados de 2008” (CNJ, 2009).

Neste contexto, diversas medidas e iniciativas já haviam sido adotadas para promover a resolução não jurisdicional de conflitos no Brasil, embora de maneira menos estruturada e uniforme. Algumas destas foram a criação de (i) Juizados Especiais (Lei nº 9.099/1995); (ii) Conciliação Prévia Trabalhista, na Lei nº 9.958/2000; (iii) Câmaras de Arbitragem, na Lei nº 9.307/1996; e (iv) Serviços de apoio ao consumidor, como Procons e outros órgãos de defesa. Podemos citar ainda a realização de “Mediação Comunitária”, por organizações não governamentais e alguns Tribunais, incluindo iniciativas educacionais em programas ou projetos de pesquisa ou grupos de debates pelo Brasil.

Essas medidas, embora importantes, não apresentavam sistematização, com métodos e técnicas padronizadas, e tinham um alcance limitado, dependendo da proatividade e do desempenho da autoridade pública responsável. Assim, fazendo uso da sua função de controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, em 29 de novembro de 2010, a Resolução 125/10, que instituiu a “Política Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses”.

Como norma processual que é, ela estimula a utilização de métodos consensuais e a solução de controvérsias antes da prolação da sentença, especialmente a conciliação e a mediação, cuja redação atual integra em seus dispositivos a Lei de Mediação e o Novo Código de Processo Civil, como se observa no parágrafo único do art. 1º:

Art. 1º Fica instituída a Política Judiciária Nacional de tratamento dos conflitos de interesses, tendente a assegurar a todos o direito à solução de conflitos por meios adequados à sua natureza e peculiaridade.

Parágrafo único. Compete aos órgãos judiciários, nos termos do art. 334 do Novo Código de Processo Civil, combinado com o art. 27 da Lei de Mediação, oferecer, antes da solução adjudicada mediante sentença, outros mecanismos de solução de controvérsias, especialmente os meios consensuais, como a mediação e a conciliação, bem como prestar atendimento e orientação ao cidadão.

Tratava-se de uma mudança de mentalidade ao entender que o direito de acesso à Justiça (art. 5º, XXXV, da CF) não se limitava ao seu viés formal, perante os órgãos judiciários, mas abrangendo o acesso à ordem jurídica justa. Isto significaria organizar, em âmbito nacional, não somente os serviços prestados nos processos judiciais, como também os que pudessem sê-lo por outros mecanismos de solução de conflitos.

Conforme observa Cahali (2018, p. 140-142), o resgate do diálogo, o desenvolvimento da escuta ativa e a facilitação da comunicação entre os indivíduos representam ganhos significativos para a preservação e a restauração dos vínculos sociais e jurídicos, além de contribuírem para a desjudicialização das relações sociais.

Para a implementação desses mecanismos, os tribunais ficaram incumbidos de criar Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos, denominados NUPEMCs (art. 7º, Resolução 125/2010), para o desenvolvimento das políticas judiciárias. Dentro dessas atribuições, está a instalação dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos, conhecidos como CEJUSCs (art. 8º, da Resolução 125/2010)

A institucionalização desta política pública permanente de incentivo e aperfeiçoamento dos mecanismos consensuais de solução compreendia os seguintes pontos fundamentais:

  • Incentivo à Cultura da Paz e da Autocomposição, contribuindo para a pacificação social;
  • Instituição dos Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (NUPEMECs) de cada tribunal para desenvolver políticas públicas e coordenar programas de mediação e conciliação;
  • Criação dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs) nas comarcas, responsáveis por oferecer serviços de mediação e conciliação, tanto pré-processuais quanto processuais;
  • Capacitação de Mediadores e Conciliadores, seguindo programas de formação contínua e certificação;
  • Diretrizes para Mediação e Conciliação, estabelecendo os princípios que devem nortear os métodos consensuais, como a confidencialidade, a voluntariedade, a imparcialidade do mediador ou conciliador e a autonomia das partes;
  • Obrigatoriedade dos Tribunais criarem e manterem banco de dados sobre as atividades de cada CEJUSCs, cabendo ao CNJ compilar tais informações sobre os serviços públicos e o desempenho de cada um deles;
  • Supervisão e Avaliação pelos Tribunais, responsáveis monitorar e avaliar continuamente a eficácia dos programas e das práticas de mediação e conciliação, garantindo a qualidade e a eficiência dos serviços prestados;
  • Articulação com Outros Órgãos e Instituições, estimulando a cooperação entre o Poder Judiciário e outras instituições públicas e privadas para fortalecer e expandir a rede de apoio à mediação e conciliação;
  • Promoção de Ações Educativas e de sensibilização pelos Tribunais sobre os métodos consensuais de resolução de conflitos, visando à conscientização da população e dos operadores do direito.
  • Estabelecimento da necessidade de investimentos em infraestrutura adequada e recursos humanos para garantir a implementação efetiva da política.

Segundo Watanabe (2011), esta incorporação de meios não jurisdicionais de resolução de conflitos ao instrumental à disposição do Judiciário para o desempenho de sua função de dar tratamento adequado aos conflitos, propiciaria uma solução mais adequada, com a consideração das peculiaridades e especificidades dos conflitos e das particularidades das pessoas neles envolvidas. Ao comentar sobre esta política pública do poder judiciário nacional, ele afirma:

O objetivo primordial que se busca com a instituição de semelhante política pública é a solução mais adequada dos conflitos de interesses, pela participação decisiva de ambas as partes na busca do resultado que satisfaça seus interesses, o que preservará o relacionamento delas, propiciando a justiça coexistencial. A redução do volume de serviços do Judiciário é mera consequência desse importante resultado social.

A partir de então, a doutrina jurídica brasileira começou a se reestruturar sobre outras bases de pensamento quanto à resolução de conflitos, privilegiando o princípio da adaptabilidade. Isto influenciou decisivamente três importantes alterações legislativas ocorridas em 2015: (i) Lei 13.140/15 (Marco Legal da Mediação); (ii) Lei 13.129/15, que alterou a Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96), para agregar-lhe viabilidade prática; e (iii) Lei 13.105/15, que instituiu o novo Código de Processo Civil, com plena integração de métodos não jurisdicionais.

Não à toa, o “Manual de Mediação Judicial” (2016), do próprio CNJ, afirmava que o ordenamento jurídico-processual brasileiro seria composto de vários processos distintos que formam um mecanismo denominado “sistema pluriprocessual”. Assim, “com o pluriprocessualismo, busca-se um ordenamento jurídico processual no qual as características intrínsecas de cada processo são utilizadas para se reduzirem as ineficiências inerentes aos mecanismos de solução de disputas, na medida em que se escolhe um processo que permita endereçar da melhor maneira possível a solução da disputa no caso concreto”.

Tarouco (2017) argumenta que a mediação contribui para o acesso substancial à justiça ao conferir protagonismo às partes, promovendo a escuta ativa e o restabelecimento de vínculos sociais. A autora enfatiza que a mediação não substitui o processo judicial, mas oferece alternativa legítima e humanizada, especialmente eficaz nos casos em que há continuidade nas relações jurídicas.

A partir desta institucionalização, consagrava-se, no Brasil, o Sistema Multiportas. Aqui, ao lado da justiça estatal clássica, outrora “porta única”, surgem novas formas de acesso, de forma que aquela deixa de ter a primazia e passa a ter um caráter apenas residual (DIDIER JUNIOR e ZANETI JUNIOR, 2022, p. 162). Destarte, “justiça” passou a ser a solução adequada de um problema jurídico, que pode se dar por vários modos (heterocomposição, autocomposição, autotutela e execução extrajudicial); e uma mesma “porta” pode dar acesso a vários modos de solução do problema jurídico (DIDIER JUNIOR e ZANETI JUNIOR, 2022, p. 43).

Cunha (2020) sustenta que os métodos tradicionais de resolução de conflitos devem ser compreendidos como mecanismos adequados, e não apenas alternativos. O autor defende que o sistema de justiça deve estar orientado por critérios de eficiência e proporcionalidade, de modo que o profissional do Direito passe a atuar como designer de soluções jurídicas, apto a avaliar o meio mais eficaz para cada disputa.

Vemos, portanto, que é um sistema plural e flexível de administração de justiça que oferece diversas alternativas de resolução de variados conflitos. Em virtude disto, afasta-se, muitas vezes, de fórmulas exclusivamente positivadas e incorpora-se métodos interdisciplinares, permitindo que as partes envolvidas escolham o mais adequado às suas necessidades específicas. Este cenário exige uma mudança nas funções do magistrado que passa a ser responsável também por verificar e dispor da solução mais adequada em conformidade com o direito. Senão vejamos a citação abaixo do CNJ (2009):

Nesse sentido, nota‑se que o magistrado, além da função jurisdicional que lhe é atribuída, assume também uma função gerencial, pois ainda que a orientação ao público seja feita por um serventuário, ao magistrado cabem a fiscalização e acompanhamento para assegurar a efetiva realização dos escopos pretendidos pelo ordenamento jurídico processual, ou, no mínimo, que os auxiliares (e.g. mediadores e conciliadores) estejam atuando dentro dos limites impostos pelos princípios processuais constitucionalmente previstos

Resta evidente, portanto, a característica da “integração” do sistema brasileiro de justiça multiportas, manifesto em um progressivo estímulo à articulação institucional para a construção conjunta de soluções, possibilitando o fracionamento da condução e da solução de problemas jurídicos (DIDIER JUNIOR e FERNANDEZ, 2023, p. 148). Esta interação pode ser indireta, por meio de bons exemplos de arranjos institucionais ou técnicas adotadas que se revelem bem-sucedidas; ou direta, com a participação de um ente num processo que corre perante outro, sendo a interação com ou sem coordenação entre estes – neste sentido, não há dúvidas quanto ao relevante papel da cooperação nacional (arts. 67 a 69, do CPC).

Cunha (2020) também destaca a importância da integração e fluidez entre os métodos, permitindo que a condução de um processo possa migrar da via judicial para a consensual, conforme o desenvolvimento do conflito. Tal lógica requer preparo técnico e mudança cultural no seio das instituições judiciais.

A mediação e a conciliação, ao lado da arbitragem e de outras formas não adjudicadas de resolução de conflitos, foram concebidas por Cappelletti e Garth (1988) como parte de uma terceira onda de acesso à justiça, marcada pela busca de soluções flexíveis, adaptadas ao conflito e menos onerosas para as partes. Esses mecanismos representam uma forma de democratização da justiça, ao ampliar as possibilidades de resposta institucional para demandas que muitas vezes não encontrariam acolhimento efetivo no processo tradicional.

Dentre as possibilidades legais de integração entre as portas da justiça, o atual Código de Processo Civil prevê que o “O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos” (art. 3º, §2º, do CPC). Isto fica evidente na obrigação dos sujeitos processuais em buscarem a composição (art. 3º, §3º, do CPC); na profissionalização de mediadores e conciliadores (art. 167, do CPC); na persistente tentativa de conciliação na audiência de instrução e julgamento (art. 357, §3º, CPC); na possibilidade de conciliação ainda em sede recursal (art. 932, V, do CPC); nas conciliações em outros procedimentos em ações de família (art. 694, do CPC), ou posse coletiva de imóvel (art. 565, do CPC), etc.

Para Didier Jr. e Fernandez (2023), os parágrafos 2º e 3º do art. 3º do CPC representam normas estruturantes do modelo multiportas, ao institucionalizarem o dever estatal de incentivar soluções consensuais e determinarem a utilização do meio mais adequado para cada caso. Segundo os autores, o sistema brasileiro deve ser compreendido como um sistema auto-organizado, no qual os diversos mecanismos de solução interagem, coordenando-se de forma descentralizada para a produção de decisões legítimas e eficazes.

2.  CEJUSCS COMO INSTRUMENTOS ESTRUTURANTES DA CONSENSUALIDADE

Nenhum outro elemento é tão paradigmático desta fase atual do processo cível brasileiro quanto a obrigatoriedade da audiência inaugural de conciliação e mediação (art. 334, CPC), como parte estruturante do rito processual. Embora, como visto acima, iniciativas de mediação e conciliação não sejam uma novidade em nosso sistema jurídico, inclusive na herança da tradição portuguesa, é “novo o impulso decisivo pela implementação dessas técnicas, desenvolvidas por pessoal próprio e profissionais habilitados (mediadores e conciliadores)”(LESSA NETO, 2022, p. 456). Para tanto, “o NCPC institucionalizou as carreiras de mediador e de conciliador e criou um espaço processual próprio para a aplicação dessas técnicas” (LESSA NETO, 2022, p. 457).

É que, diferente da audiência de conciliação do rito sumaríssimo dos juizados especiais, esta audiência do rito comum é designada pelo magistrado competente, mas é realizada nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania – CEJUSCs, que desenvolve atividades específicas de autocomposição, com ambiente físico apropriado e com pessoas capacitadas e responsabilizadas para abordar o problema apropriadamente – no caso, de forma não litigiosa (cf. art. 165, do CPC).

Vejamos o que Lessa Neto (2022, p. 459) fala sobre isto:

A audiência será conduzida pelo mediador ou conciliador, sem a participação, presença ou conhecimento do juiz em relação ao que for dito, discutido e apresentado. A audiência não deverá ser realizada na vara ou serventia judicial. Ela deve ser conduzida em um centro judiciário de solução consensual de conflito, que pode ser mantido pelo Poder Judiciário ou pertencer à instituição privada credenciada. O objetivo é que a audiência de mediação ou conciliação seja realizada em um local adequado, informal, que permita que as partes se sintam confortáveis para negociar fracamente sobre o caso.

É neste sentido de servir a boa execução da justiça, do qual a jurisdição é partícipe, que o art. 8º Resolução n. 125/10, do CNJ, posicionou os CEJUSCs, norteando sua criação e funcionamento. Segue transcrição:

Art. 8º Para atender aos Juízos, Juizados ou Varas com competência nas áreas cível, fazendária, previdenciária, de família ou dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e Fazendários, os Tribunais deverão criar os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (“Centros”), unidades do Poder Judiciário, preferencialmente, responsáveis pela realização das sessões e audiências de conciliação e mediação que estejam a cargo de conciliadores e mediadores, bem como pelo atendimento e orientação ao cidadão

Didier Junior. e Fernandez (2023) apontam os CEJUSCs como instituições catalisadoras do sistema multiportas, por proporcionarem a interação entre diferentes instrumentos processuais e extraprocessuais de solução. Segundo os autores, os centros não apenas operam como “portas consensuais”, mas também como espaços de reorganização institucional, promovendo racionalidade cooperativa no seio do Judiciário.

O Manual de Mediação Judicial, elaborado pelo CNJ (2016), destaca que os CEJUSCs devem ser compreendidos como ambientes institucionais de formação de uma nova cultura jurídica, comprometidos com valores como a escuta ativa, a corresponsabilidade, a empatia e a autonomia das partes. O documento enfatiza que a mediação é, antes de tudo, um processo educativo, que promove a cultura da paz e a cidadania ativa.

Além disso, Cunha (2020) observa que os CEJUSCs representam uma instância concreta de democratização do acesso à justiça, ao oferecer aos cidadãos mecanismos mais ágeis, informais e cooperativos. Para o autor, trata-se de uma justiça “conversacional”, voltada não apenas à resolução do litígio, mas à restauração do tecido social.

A necessidade de atualização constante dos CEJUSCs também se expressa na adoção de meios eletrônicos de autocomposição. A Lei nº 13.994/2020 autorizou expressamente a conciliação por videoconferência nos Juizados Especiais Cíveis, demonstrando o reconhecimento legislativo da mediação digital como instrumento de celeridade e acessibilidade. Essa lógica, embora mais evidente em demandas de menor complexidade, pode e deve inspirar iniciativas estruturadas nos CEJUSCs, especialmente para o atendimento de partes que enfrentam barreiras geográficas, financeiras ou de mobilidade.

Assim, é evidente o papel dos CEJUSCs como protagonistas da transformação institucional da justiça brasileira, de modo que é condição imprescindível para a boa administração da justiça, em pleno uso das suas mais diversas portas, que haja um afinamento entre o magistrado competente para o julgar o processo e o CEJUSC responsável por atuar junto àquelas partes litigantes.

Inclusive, segundo a doutrina, uma vez que o legislador diferenciou as tarefas do conciliador e do mediador, “deve ser exigido ao juiz, no despacho inicial de deferimento da inicial, com a devida cautela, identificar o tipo de litígio e a espécie de audiência adequada à hipótese, em verdadeira triagem” (MENDES e  HARTMANN, 2022, p. 456), sob pena de comprometer o êxito da pacificação.

Por sua vez, a doutrina já aponta desafios a serem superados para viabilizar a eficácia deste desiderato legal, e verificamos, na prática, vários problemas que impactam diretamente na produtividade e na má impressão (ou talvez mero preconceito) que alguns profissionais tem dos CEJUSCs, dos métodos de trabalho empreendidos e, principalmente, deste momento pré-litigioso que é a audiência de composição.

São corriqueiros os relatos de que juízes dispensam este ato processual da audiência de mediação/conciliação (art. 334, do CPC) sem previsão legal para tanto. Segundo BECKER e PEIXOTO (2024), os motivos mais corriqueiros são: a) baixo número de acordos realizados nos processos; b) falta de datas disponíveis para a audiência; c) alto número de processos na vara; d) possibilidade de realização de acordo a qualquer tempo; e) impossibilidade de realização de acordo. Apesar das dificuldades, das críticas cabíveis e das (sempre presentes) oportunidades de melhorias, a conclusão é óbvia: enquanto a lei permanecer vigente, ela deve ser aplicada e os tribunais precisam se posicionar em prol da norma.

O Superior Tribunal de Justiça, sob a relatoria da Min. Maria Isabel Gallotti, está em vias de julgar o Tema 1.271 dos Recursos Repetitivos, para decidir se a falta da audiência prevista no art. 334 do CPC, quando apenas uma das partes manifesta desinteresse em sua realização, pode resultar em nulidade do processo. Enquanto não, o posicionamento desta corte tem sido, em geral, no sentido de fortalecer o texto legal. Senão vejamos alguns exemplos:

N. do ProcessoÓrgão JulgadorDecisão
RMS 63.202 (2020)3ª Turma-STJA decisão interlocutória que indefere a designação da audiência de conciliação pretendida pelas partes é suscetível de impugnação imediata pelo Agravo de Instrumento.
REsp 1.762.9573ª Turma-STJNão cabe agravo de instrumento contra a decisão que aplica multa pelo não comparecimento à audiência de conciliação.
AREsp 1.968.5084ª Turma-STJA falta de realização da audiência de conciliação não é causa de nulidade do processo quando a parte não demonstra o prejuízo.
REsp 1.769.9491ª Turma-STJAplicação da multa prevista no art. 334, parágrafo 8º, do CPC/2015, em caso no qual a parte autora da ação disse ter interesse na realização da audiência de conciliação, porém a autarquia (ré) não compareceu
REsp 2.167.264.3ª Turma-STJNo procedimento especial da ação de busca e apreensão de bem alienado fiduciariamente, não incide a obrigatoriedade da prévia audiência de conciliação prevista no art. 334 do CPC/2015
 RMS 56.4224ª Turma-STJNão cabe a aplicação de multa pelo não comparecimento pessoal à audiência de conciliação, quando a parte estiver representada por advogado com poderes específicos para transigir.

3. LIMITES DA CONSENSUALIDADE E EFICIÊNCIA DO MODELO ATUAL

O papel do Estado na resolução de conflitos continua sendo essencial em democracias constitucionais – vide, aliás, como demonstração disso, o recurso argumentativo que fizemos das decisões de tribunais superiores sobre o assunto debatido, na seção anterior.

Conforme Bobbio (2004), a função da jurisdição é a de garantir, de forma institucionalizada, os direitos fundamentais frente a assimetrias estruturais. A justiça pública atua como limite ao arbítrio e como espaço de afirmação de direitos em contextos de desigualdade social, econômica ou informacional. Por isso, mesmo diante da valorização dos métodos consensuais, a jurisdição estatal permanece como instância legítima de contenção de poder e de afirmação de valores públicos.

Aliás, embora os métodos adequados de resolução de conflitos sejam (corretamente, na nossa opinião) amplamente promovidos como ferramentas de eficiência, celeridade e desjudicialização, parte significativa da doutrina jurídica contemporânea tem levantado críticas relevantes quanto aos seus limites, especialmente quando aplicados de maneira indiscriminada.

De acordo com PINHO (2019), é necessário redimensionar o alcance da intervenção judicial, mas sem esvaziar a centralidade da jurisdição como instrumento de efetivação de direitos fundamentais e garantia do devido processo legal. O autor alerta que a adoção acrítica dos meios consensuais pode contribuir para uma espécie de “fuga da jurisdição”, retirando dos cidadãos a possibilidade de obter uma decisão estatal vinculante, apta a concretizar a justiça substancial. A jurisdição, nesse contexto, deve ser compreendida como função essencial do Estado de Direito, responsável pela aplicação imparcial do ordenamento jurídico e pela contenção do poder.

Em crítica ainda mais incisiva, Owen Fiss (1984), no influente art. Against Settlement, argumenta que os acordos, ao contrário do que se costuma afirmar, nem sempre promovem justiça. Para o autor, a conciliação pode encobrir desigualdades estruturais e mascarar injustiças substanciais, especialmente em litígios que envolvem partes com diferentes capacidades econômicas e informacionais. Fiss sustenta que a principal função do Judiciário não é harmonizar interesses, mas afirmar valores públicos, constitucionalmente assegurados, por meio de decisões imparciais e vinculantes.

Segundo ele, ao reduzir a jurisdição a um meio de apaziguamento social, corre-se o risco de esvaziar sua função transformadora. A justiça não deve ser substituída pela barganha, pois “não é função do juiz alcançar a paz, mas realizar o direito”. Em outras palavras, o acordo pode silenciar conflitos legítimos, perpetuando desigualdades e impedindo o debate público necessário à consolidação dos direitos fundamentais (FISS, 1984).

Esses argumentos ganham força em contextos de acentuada vulnerabilidade. Bastos (2023) adverte que, em disputas marcadas por assimetrias econômicas e informacionais – como nas ações trabalhistas e previdenciárias –, os acordos dificilmente se constroem em condições de liberdade real. O autor reforça que a autocomposição, nesses casos, pode ser uma escolha apenas aparente, fruto da coação estrutural imposta pela pobreza, pelo desconhecimento dos direitos e pelo receio da demora processual

Nesse mesmo sentido, Macedo e Facchini Neto (2015) chamam atenção para os riscos de privatização da justiça por meio dos métodos consensuais. Argumentam que tais mecanismos, ao se afastarem da publicidade e da normatividade do processo judicial, podem comprometer a transparência, a isonomia e o controle institucional, fundamentos essenciais à jurisdição democrática.

Portanto, embora a conciliação e a mediação possam ser úteis em determinados contextos, não devem ser compreendidas como soluções universais. A autocomposição precisa ser examinada à luz das especificidades do caso concreto, sob pena de comprometer a própria ideia de justiça. Como conclui Bastos (2023), a promoção da autocomposição não pode se sobrepor à garantia da tutela jurisdicional adequada e efetiva, especialmente nos casos em que a vulnerabilidade das partes constitui fator determinante do litígio.

Sob a ótica da eficiência, os relatórios do “Justiça em Números” do CNJ apontam um baixo índice histórico de conciliação (percentual de sentenças homologatórias) que, não necessariamente foram assinadas em razão do procedimento bem sucedido na audiência prevista no art. 334, do CPC, pelos CEJUSCs.

Alias, conforme conclui o próprio documento, mesmo com a obrigação da audiência prévia de conciliação e mediação, a partir de 2016, “não se verifica resultado direto nos gráficos das séries históricas” (CNJ, 2024. p. 253).

Segue gráfico:

Este cenário pode ser pior ainda, se considerarmos, na medida em que os anos avançam, o investimento também aumenta, mais pessoas são capacitadas, novas tecnologias são implementadas, os institutos amadurecem e novas estruturas são instaladas. Sobre este último, veja como a quantidade de CEJUSCs aumentou (CNJ, 2024. p. 252):

Ano-baseCEJUSCs instaladosDistribuição
20231.930Estadual1.724 (89,3%)
Trabalho129 (6,7%)
Federal77 (4%)
2016Estadual808
2015Estadual654
2014Estadual362

Ou seja, todo o investimento – não apenas financeiro – que tem sido feito na última década em prol de soluções consensuais, parece não ter sido um diferencial em números para aumentar a eficiência da prestação da justiça. Não se nega o valor qualitativo de 17,8% de acordos bem-sucedidos, com partes satisfeitas e magistrado com dever cumprido, mas deixa a desejar sob um ponto de vista quantitativo e econometrista.

Vale destacar que o impacto da mediação e da conciliação não pode ser aferido exclusivamente por indicadores de produtividade. A restauração de vínculos, a redução de traumas e a autocomposição legítima têm um valor social que muitas vezes escapa à mensuração estatística.

Cahali (2018) destaca que a satisfação das partes não se limita ao resultado obtido, mas também está ligada à forma como o processo é conduzido, revelando a distinção entre justiça do processo e justiça do resultado. Essa percepção subjetiva de justiça, embora difícil de mensurar estatisticamente, é fundamental: ela decorre da oportunidade de participação efetiva, da escuta qualificada e do reconhecimento das vozes das partes. Assim, mesmo sem acordo, uma mediação pode ser considerada exitosa se gerar a sensação de um procedimento justo, o que reforça o papel formativo e restaurativo dos CEJUSCs.

Ademais, em todas as variáveis do relatório (procedimento, hierarquia, estrutura do tribunal, geográfico, etc), a justiça do trabalho se destaca como a maior (ou uma das maiores) realizadora de acordos, muito embora não tenha os maiores investimentos na abertura de novos CEJUSCs. Isto pode sinalizar que o motivo do sucesso talvez esteja nos princípios que a diferenciam dos outros ramos da justiça, que modelam seu procedimento e a abordagem dos profissionais envolvidos, o que também é passível de críticas quanto à segurança jurídica, mas que não são objeto da presente pesquisa.

Diante dos cenários e desafios mencionados, podemos concluir que uma análise mais criteriosa dos processos encaminhados ao CEJUSC pode contribuir para um melhor desempenho do tribunal e maior efetividade nas conciliações e mediações realizadas. Não à toa, estudos empíricos do CNJ (2022), incluindo casos de Mato Grosso e Pernambuco, ilustram a performance discrepante entre sessões pré-processuais (êxito de até 85 %) e aquelas já no curso do processo (entre 11 % e 2,9 %).

A reformulação e padronização de melhores práticas para o aprimoramento dos  CEJUSCs é um assunto que deve ser pauta nos ambientes propícios, como o Fórum Nacional de Mediação e Conciliação (FONAMEC), vinculado ao CNJ, que reúne coordenadores de NUPEMECs de todos os tribunais. Suas recomendações e diretrizes oferecem parâmetros úteis para todo o território nacional.

Em uma perspectiva de futuro, a utilização de tecnologias como a inteligência artificial para triagem de casos nos CEJUSCs pode contribuir para uma maior racionalização do sistema, dependendo especialmente da capacidade institucional do CNJ de liderar, monitorar e adaptar permanentemente sua política judiciária. No entanto, deve-se garantir que esses mecanismos sejam transparentes, auditáveis e guiados por parâmetros normativos e éticos, de modo a não automatizar injustiças estruturais.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise da atuação dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs), à luz da política judiciária inaugurada pela Resolução nº 125/2010 do CNJ, permitiu constatar a relevância institucional desses centros como expressão concreta da justiça multiportas no Brasil. A consolidação de um modelo plural, cooperativo e adaptável à natureza dos conflitos sinaliza um avanço normativo e organizacional importante no campo do acesso à justiça, especialmente no contexto de sobrecarga estrutural do Poder Judiciário. A criação dos CEJUSCs, sua articulação com os NUPEMECs e a institucionalização da audiência inaugural prevista no art. 334 do CPC evidenciam o esforço nacional por uma cultura da pacificação e da corresponsabilidade na solução dos litígios.

No entanto, conforme evidenciado ao longo do trabalho, os limites dessa política pública não podem ser ignorados. Embora os CEJUSCs operem como estruturas voltadas à mediação e conciliação, sua efetividade permanece aquém das expectativas normativas, sobretudo em termos quantitativos. Dados empíricos recentes revelam que há um descompasso entre o crescimento estrutural e a efetividade prática dos CEJUSCs, especialmente em termos quantitativos, pois o percentual de acordos homologados não acompanhou a curva ascendente das unidades instaladas.

Além disso, observam-se dificuldades práticas recorrentes, como a baixa articulação entre magistratura e centros, a dispensa indevida da audiência prevista no art. 334, e a ausência de protocolos objetivos de triagem que diferenciem adequadamente os casos passíveis de autocomposição.

As críticas doutrinárias também revelam que o entusiasmo institucional com os métodos consensuais precisa ser temperado por uma abordagem crítica e comprometida com os fundamentos constitucionais do processo. Conforme apontado por autores como Fiss, Pinho, Bastos e Macedo, a autocomposição, quando aplicada de forma indiscriminada ou compulsória, pode resultar em esvaziamento da função jurisdicional, reforço de assimetrias estruturais e comprometimento do direito à tutela adequada. O risco de silenciar conflitos legítimos sob o rótulo da pacificação impõe uma reflexão séria sobre os critérios de uso dos meios consensuais, especialmente em litígios que envolvam hipossuficiência, desigualdade ou interesses indisponíveis.

Apesar dessas limitações, seria reducionista desconsiderar o valor qualitativo da mediação e da conciliação. Como destaca Cahali, o êxito de uma audiência não se limita à obtenção de um acordo, mas também reside na escuta ativa, na percepção de justiça processual e na restauração dos vínculos sociais. Os CEJUSCs operam como espaços simbólicos e concretos de reconfiguração do papel do Judiciário, e sua consolidação depende da valorização de indicadores que transcendam a estatística de acordos e levem em conta a qualidade da experiência processual das partes.

Embora o objetivo da presente pesquisa tenha sido analisar os limites e a efetividade da política de atuação dos CEJUSCs, sem pretensão de apresentar soluções normativas, algumas hipóteses de aprimoramento institucional podem ser destacadas para futuras investigações. Entre elas, a criação de protocolos de triagem mais precisos — inclusive com apoio da inteligência artificial —, a valorização de indicadores qualitativos de êxito, a ampliação da formação e da remuneração dos mediadores e conciliadores, o fortalecimento da articulação entre juízes e centros, e o incentivo à consensualidade também no âmbito da advocacia, por meio de práticas educativas, cláusulas contratuais e certificações institucionais.

Em síntese, os CEJUSCs são instrumentos valiosos da justiça contemporânea, mas sua efetividade depende da superação de obstáculos técnicos, estruturais e culturais que ainda comprometem sua consolidação. Seu fortalecimento requer compromisso ético, investimento inteligente e, sobretudo, vigilância crítica quanto ao papel que a consensualidade deve desempenhar em um sistema de justiça comprometido com a dignidade, a igualdade e os direitos fundamentais.

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[1]Advogado. Especialista em Direito. Mediador Judicial. Professor de Mediação, Conciliação e Arbitragem, da Faculdade Internacional Cidade Viva (FICV).

[2] Aluna da graduação em direito da Faculdade Internacional Cidade Viva (FICV).