UMA ABORDAGEM SOBRE ESCRITAS BIOGRÁFICAS NÃO AUTORIZADAS
1 de junho de 2023AN APPROACH TO UNAUTHORIZED BIOGRAPHICAL WRITINGS
Artigo submetido em 15 de fevereiro de 2023
Artigo aprovado em 22 de fevereiro de 2023
Artigo publicado em 01 de junho de 2023
Scientia et Ratio Ano III – Número 4 – Junho de 2023 ISSN 2525-8532 |
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RESUMO: Os reflexos advindos da escrita biográfica para o campo da história perpassam os aspectos que envolvem a vida do biografado, sobretudo ao se tratar de biografias não autorizadas. Neste sentido, este trabalho tem por escopo analisar as características da biográfica não autorizada em face dos aspectos lacunares, por ausência de documentos, rastros e vestígios que permita uma aproximação com a realidade do biografado. Para isso se faz necessário compreender o que se entende por biografia, partindo de seus aspectos históricos. Busca identificar as dimensões existentes de biografia e como estas se apresentam. Com relação à metodologia, trata-se de uma pesquisa qualitativa, documental e bibliográfica, utilizando-se como instrumentalização a documentação indireta, pela necessidade de análise dos institutos. Ao final, buscando indicar as distâncias e aproximações possíveis na biografia não autorizada a uma escrita autêntica e fidedigna a partir das fontes disponíveis.
Palavras-chave: Biografia não autorizada. Fontes disponíveis. Papel do historiador. Vestígios.
ABSTRACT: The reflexes arising from biographical writing for the field of history permeate the aspects that involve the life of the biographer, especially when dealing with unauthorized biographies. In this sense, this work aims to analyze the characteristics of unauthorized biography in the face of lacunar aspects, due to the absence of documents, traces and traces that allow an approximation with the biographical reality. For this it is necessary to understand what is meant by biography, starting from its historical aspects. It seeks to identify the existing dimensions of biography and how these present themselves. With regard to the methodology, this is a qualitative, documentary and bibliographical research, using indirect documentation as instrumentalization, due to the need for analysis of the institutes. Finally, seeking to indicate the distances and possible approximations in the unauthorized biography to an authentic and reliable writing from the available sources.
Keywords: Unauthorized biography. Available sources. Role of the historian. Traces.
1 INTRODUÇÃO
Nos últimos anos tem-se percebido um crescente interesse pela escrita biográfica pelos historiadores, em face da possibilidade de uma visão que abrange tanto aspectos que estão relacionados com a coletividade, como pela escrita sobre a vida de uma pessoa. Dentro desses limites, percebe-se uma variedade de aspectos que podem levar o historiador a diferentes visões, estejam relacionados ou não a contextos sociais, econômicos, políticos, culturais que possam influenciar a vida do biografado.
A biografia não autorizada, em si, pode refletir diferentes percursos e visões, que podem chegar a uma possível aproximação a uma escrita autêntica e fidedigna, partindo-se da ideia de que os documentos, rastros e vestígios lhe abrem possibilidades que precisam ser observadas e que podem lhe trazer, a partir da metodologia a ser empregada nos seus trabalhos, uma representação sobre o passado.
O trabalho do historiador na escrita de biografia não autorizada deve ser um trabalho minucioso, que atente para o não envolvimento pessoal com o texto escrito, mas com as fontes disponíveis, e a metodologia adequada para que se torne o mais verossímil possível a perspectiva do biografado.
Essa representação do passado, como ofício do historiador deve levar em consideração segundo Gaddis (2003), padrões de comportamento humano que prolongam através do tempo e espaço, e da prova de uma experiência específica que disciplina o que se pode conhecer por experiências coletivas.
Nesse sentido, esse trabalho pretende apresentar uma visão da biografia partindo de seu processo histórico de reconhecimento como campo de estudo dos historiadores, perpassando pelo estudo de suas dimensões ou tipologias, com base na classificação de Levi, e posterior discussão sobre distanciamentos e aproximações que uma biografia não autorizada apresenta para uma escrita autêntica e fidedigna a partir das fontes disponíveis.
Trata-se de uma pesquisa, com relação à metodologia, qualitativa, documental e bibliográfica, utilizando-se como instrumentalização a documentação indireta, pela necessidade de análise de textos sobre o assunto.
Percebe-se a necessidade de aproximar a escrita de biografias não autorizadas ao estudo da metodologia a ser utilizada pelos historiadores para que a mesma possa servir de instrumento de pesquisa como fonte histórica.
2 CENÁRIO HISTÓRICO DA ESCRITA BIOGRÁFICA
O termo biografia, etimologicamente, tem sua origem nos tempos do neoplatônico Damaskios, no século V a. C., ao qual atribuiu a sua escrita, a partir da palavra bios, que significa vida e gráphein, que significa escrever, descrever, desenhar. (CARINO, 1999).
Biografia, na compreensão da maioria dos ocidentais, significa escrita de uma história de vida, e, dessa forma, já era empregada na antiguidade clássica, com a obra de Plutarco sobre a vida de Alexandre, o Grande. Segundo Borges (2006), a biografia apresenta um percurso, desde a Grécia antiga, oscilando entre ciência e arte, verdade e ficção.
No período da Renascença, no século XIII, destacam-se a obra do escritor Bocaccio com uma Vida de Dante, fundamentada sobre documentos, com certa concepção moderna; e , no século XVI, a obra de Giorgio Vasari, Delle Vitae de’piú eccelelenti pittori, scultori ed architettori (Sobre as vidas dos mais excelentes pintores, escultores e arquitetos), publicado pela primeira vez em Florença, em 1550. (BORGES, 2008). Já na Idade Moderna, segundo a referida autora, nos séculos XVII e XVIII, a concepção de biografia vai se alterando profundamente:
[…] Na Inglaterra, uma obra revolucionária, a Life of Samuel Johnson LL.D. (Vida de Samuel Johnson LL.D.), de James Boswell, foi publicada em 16 de maio de 1791, O trabalho é tido por muitos como o marco inicial do que hoje chamamos de biografia, dada sua preocupação com novos métodos de se investigar uma vida, compreendendo forte relação de convivência biógrafo/biografado. (BORGES, 2008, p. 205).
Durante muito tempo, houve uma predominância da história escrita em detrimento da oral, de modo que durante o período da Escola dos Annales, em que a ênfase recaia sobre os processos de longa duração e o estudo preferencial das fontes seriais (quantitativas), dificilmente davam espaço ao papel do indivíduo na História, pois consideravam que os relatos pessoais, as histórias de vida e as biografias não contribuiriam para o conhecimento do passado, por serem subjetivos, por acreditar-se que muitas vezes havia distorções dos fatos e dificilmente seriam representativos de uma época ou de um grupo. (ALBERTI, 2008, p.163).
Segundo a referida autora, com o passar do tempo, a visão da história como ciência, permitiu a inclusão de novos campos de estudo:
[…] Essas convicções sobre o que seria próprio da História sofreram modificações a partir da década de 1980: temas contemporâneos foram incorporados à História, chegando-se a estabelecer um novo campo, que recebeu o nome de História do tempo presente; passou-se a valorizar também a análise qualitativa, e o relato pessoal deixou de ser visto como exclusivo de seu autor, tornando-se capaz de transmitir uma experiência coletiva, uma visão de mundo tornada possível em determinada configuração histórica e social. […] Surgiram novos objetos, e os historiadores passaram a se interessar também pela vida cotidiana, pela família, pelos gestos do trabalho, pelos rituais, pelas festas e pelas formas de sociabilidade – temas que, quando investigados no “tempo presente”, podem ser abordados por meio de entrevistas de História oral. (ALBERTI, 2008, p.163).
Nesse sentido, Borges (2006), expõe que as transformações ocorridas na biografia são tracejadas com base em três paradigmas, quais sejam, a denominada “clássica” ou “heroica”, que apesar de consideráveis modificações internas, houve normas estáveis da Antiguidade ao século XVII; a romântica, que se deu do final do século XVIII ao início do século XX; e, a biografia moderna, advinda do interesse por parte da historiografia francesa, partindo dos movimentos da sociedade e o desenvolvimento das disciplinas que estudam o homem em sociedade.
Para Schmidt (1997, p. 5), o retorno recente da biografia trata-se de:
[…] um movimento internacional e perceptível em diversas correntes recentes, tais como a nova história francesa, o grupo contemporâneo de historiadores britânicos de inspiração marxista, a microhistória italiana, a psico-história, a nova história cultural norte-americana, a historiografia alemã recente e também a historiografia brasileira atual. Apesar das diferenças entre estas tradições historiográficas, é marcante em todas elas o interesse pelo resgate de trajetórias singulares.
De caráter interdisciplinar, o gênero biográfico permite o diálogo com outros campos do conhecimento, tais como, da História, da Literatura, do Jornalismo, da Psicologia. Conforme esclarece Alberti (2005), sua peculiaridade “[…] decorre de toda uma postura com relação à história e às configurações socioculturais, que privilegia a recuperação do vivido conforme concebido por quem viveu”. Nesse sentido, segundo Borges (2008), são os movimentos da sociedade e o desenvolvimento das disciplinas que estudam o homem em sociedade, são considerados os dois eixos que claramente, podem explicar hoje o interesse pelas biografias.
3 DIMENSÕES DA ESCRITA BIOGRÁFICA
A escrita biográfica pode ser observada partindo de aspectos variados que a direciona para dimensões distintas embora sua função, na visão do historiador esteja voltada para a construção de um liame entre o passado histórico e a escrita sobre a vida de um indivíduo. Pode-se dizer, conforme Lejeune (1980), que a biografia tem uma função pedagógica de reprodução social. Nesse sentido, Pereira (2000, p. 122) esclarece que:
O mais recente enfoque para a elaboração de biografias, ao mesmo tempo em que busca ressaltar a irredutibilidade do indivíduo, busca recuperar o universo social no qual sua personalidade foi formada – seu campo exterior, já que, não sendo um sujeito isolado, o indivíduo faz parte de diversos grupos, de uma sociedade e de uma cultura precisas.
Seguindo esse entendimento, Pereira (2000) destaca ainda que o aspecto sobre o qual a documentação costuma ser lacunar se coloca na relação entre trajetória individual e história social, por se tratar de uma relação complexa, pois o indivíduo coloca-se como polo ativo em face desse social, dele se apropriando, filtrando-o, retraduzindo-o e projetando-o em outra dimensão, que é a de sua própria subjetividade. Nesse sentido, Levi (1989, p. 1329) coloca que os problemas ligados à identidade como sua própria complexidade, sua formação progressiva e não linear e suas contradições, se tornaram os protagonistas dos problemas biográficos com que se deparam os historiadores: “[…] De façon révélatrice, la complexité même de l’identité, sa formation progressive et non linéaire, ses contradictions sont devenues les protagonistes des problèmes biographiques qui se posent aux historiens”.
O referido autor esclarece que, tendo em vista que as fontes apenas informam os resultados e não os processos de tomadas de decisão falta a neutralidade da documentação que conduz muitas vezes a explicações lineares, que se contrapõe a riqueza das trajetórias individuais e da singularidade irredutível da vida de um indivíduo. Assim, os historiadores passam a abordar o problema biográfico de maneiras bastante diversas.
Dessa forma, Levi (2006) apresenta uma tipologia dessas abordagens visando lançar um percurso sobre a complexidade da perspectiva biográfica. Sua tipologia a respeito da perspectiva biográfica se apresenta como:
Quanto a prosopografia e biografia modal, nesta última, as biografias individuais só despertam interesse quando esboçam os comportamentos ou as aparências ligadas às condições sociais estatisticamente mais frequentes e servem apenas para ilustrar formas típicas de comportamento ou status. Na prosopografia, a biografia de um indivíduo concentra todas as características de um grupo.
Na biografia e contexto, segundo Levi (2006), conserva-se sua especificidade. Todavia a época, o meio e a ambiência também são muito valorizados como fatores capazes de caracterizar um ambiente que explicaria a singularidade das trajetórias. Para o referido autor, qualquer que seja a sua originalidade manifesta, uma vida não pode ser compreendida unicamente através de seus desvios ou singularidades, mas num contexto histórico que o justifica. Ainda considera como a perspectiva que tem conseguido manter o equilíbrio entre a especificidade da trajetória individual e o sistema social como um todo, embora o referido contexto apresenta-se frequentemente como algo rígido, que ele serve de pano de fundo imóvel para explicar a biografia.
A biografia e os casos extremos, nesse caso, não se percebe a integridade e exaustividade estáticas do contexto, mas por meio de suas margens. Descrevendo os casos extremos, focaliza-se precisamente sobre as margens do campo social dentro do qual são possíveis esses casos. O retorno ao qualitativo por meio do estudo de caso responde a um movimento dialético no campo da história das mentalidades. (LEVI, 2006).
No que concerne a biografia e hermenêutica, nessa perspectiva, o material biográfico torna-se intrinsecamente discursivo, mas não se consegue traduzir-lhe a natureza real, somente podendo ser interpretado, de um modo ou de outro. O que se torna significativo é o próprio ato interpretativo, isto é, o processo de transformação do texto, de atribuição de um significado a um ato biográfico que pode adquirir uma infinidade de outros significados. O que o torna relativista. Para Levi (2006), essa abordagem hermenêutica embora se oriente na impossibilidade de escrever uma biografia, ela estimula a reflexão entre os historiadores, levando-os a utilizar as formas narrativas de modo mais disciplinado e a buscar técnicas de comunicação mais sensíveis ao caráter aberto e dinâmico das escolhas e das ações.
Todavia, Pereira (2000, p. 126) esclarece que em História e em Ciências Sociais, a escrita biográfica a partir da análise das fontes, deve começar pela crítica e contextualização do documento, independente de se tratar do depoimento oral, documentos pessoais ou outros documentos escritos. A referida autora cita o exemplo dos arquivos pessoais, que são elementos muito úteis para a construção de uma biografia, mas são apenas documentos como outros quaisquer, devendo, portanto, ser contextualizados e validados.
Frente a essas perspectivas que envolvem a escrita biográfica, a validação e contextualização da escrita biográfica não autorizada, exige um tratamento diferenciado em face da utilização das fontes disponíveis. Há uma necessidade do historiador se acautelar um pouco mais no sentido de não conduzir a escrita à existência de parcialidade ou de induções, uma vez que seus mecanismos de produção não são investigados.
Nesse sentido, Schmidt (1997, p.9), expõe que se deve “[…] levar em conta os complexos processos de recriação do passado, das relações entre o lembrar e o esquecer, que marcam o funcionamento da memória e que vêm sendo tão ressaltados pelos estudiosos da história oral”. Seguindo esse mesmo entendimento, Pereira (2000), esclarece que, deve-se alertar para os elementos de invenção, de aproximação ou de fantasia que ronda toda narrativa.
Diante desse quadro, torna-se importante uma análise sobre a abrangência da escrita biográfica não autorizada, buscando discutir o alcance e limites que ela se propõe na perspectiva do discurso representativo do autor a partir de fontes disponíveis, sendo possível buscar caracterizar o papel do historiador na recriação do passado, ao lidar com lacunas nas fontes para a construção uma escrita biográfica autêntica e fidedigna.
4 DISTANCIAMENTOS E APROXIMAÇÕES DA BIOGRAFIA NÃO AUTORIZADA
Ao tratar de escrita biográfica, de forma geral, ao longo de um percurso milenar, “[…] fala-se na biografia como ‘género compósito’, ‘híbrido’, ‘controverso’, ‘problemático’, ‘confuso’, ‘duvidoso’, ou seja, um ‘género menor’.” (BORGES, 2008, p. 203-204). Conforme a referida autora, esse debate, a inspirou a pensar nas ‘grandezas e misérias’ da biografia, ou seja, em sua fecundidade e em seus limites. Nesse sentido, seguindo esse entendimento, nesta seção propõe-se uma análise dos distanciamentos e aproximações da biografia não autorizada.
Fernandes (2011) expõe que “[…] os relatos de vidas, escritos ou não por quem os vivem, atravessam as narrativas historiográficas”. Seguindo essa compreensão, Pereira (2000, p. 117), esclarece que:
O gênero biográfico se fez acompanhar da revalorização da História Oral, como fonte/método/técnica de pesquisa, bem como dos arquivos pessoais – autobiografias e toda sorte de documentos pessoais, como diários, memórias, correspondências etc –, como preciosa fonte histórica.
No entendimento de Campello e Caldeira (2008), a biografia, enquanto gênero histórico-literário, pode ser entendida como um tipo de obra dedicado à vida de uma pessoa. Pode-se dizer que, segundo Pereira (2000, p. 118), “[…] a biografia se define como a história de um indivíduo redigida por outro”. Segundo a referida autora, as biografias constituem-se importante fonte de conhecimento histórico, porém, apresentam distinções quanto à forma com que a trajetória de vida pode ser elaborada e apresentada.
Nesse sentido, o gênero biográfico por se apresentar com grande variedade e riqueza de produção, vem assinalada por grandes divergências de métodos e concepções.
Dessa forma, Levi (1989) esclarece que a literatura comporta uma infinidade de modelos e esquemas biográficos que influenciam os historiadores e que o trabalho de elaboração de biografias costuma encontrar obstáculos de ordem documental muitas vezes intransponíveis, o que atribui a biografia um caráter lacunar:
[…] Cette influence, plus souvent indirecte que directe, a suggéré des problèmes, des interrogations et des schèmes psychologiques ou comportementaux qui renvoient l’historien à des obstacles documentaires souvent insurmontables: à propos par exemple, des gestes et des pensées de la vie quotidienne, des doutes et des incertitudes, du caractère fragmentaire et dynamique de l’identité et des moments contradictoires de sa construction. (LEVI, 1989, p. 1325).
Esses obstáculos podem ser mais evidenciados ao se tratar de biografias não autorizadas, embora estas tenham sido reconhecidas pelo Supremo Tribunal Federal, não obrigando ao biografado o fornecimento de fontes para a escrita.
Tratar de distanciamentos e aproximações da biografia não autorizada, compreende a exposição de uma visão que tem como foco o papel do historiador na escrita do texto biográfico, bem como, documentos, rastros e vestígios que permita uma aproximação com a realidade do biografado.
Borges (2008, p. 212), questiona como se realiza a pesquisa da vida de um indivíduo, e esclarece que a investigação se dá,
[…] por intermédio das ‘vozes’ que nos chegam do passado, dos fragmentos de sua existência que ficaram registrados, ou seja, por meio das chamadas fontes documentais. Como ‘sem documentos não há História’, os vestígios que encontramos em boa medida condicionam nossa ambição de investigação.
Nesse sentido, se faz relevante esclarecer a importância de documentos, rastros e vestígios que permitam uma aproximação com a realidade do biografado.
Como aproximações para a escrita de uma biografia não autorizada, toma-se como referencial o pensamento de Gaddis (2003, p.131), ao questionar como os biógrafos podem afirmar que conhecem o que se passou na mente dos indivíduos mortos á bastante tempo. Com base nessa indagação, o referido autor expõe que a resposta se relaciona ao que torna possível escrever sobre qualquer tipo de história, que seria os processos passados que geram estruturas sobreviventes, tais como documentos, imagens e memórias, que permitem reconstruir o que aconteceu nas suas mentes. Segundo o referido autor, deve-se levar em consideração o sujeito singular e enfatiza que as fontes são como instantes fotográficos em que “[…] a sequência de acordo com a qual nós nos organizamos e o significado que atribuímos aos intervalos entre eles são tão importantes quanto o que cada um deles revela”. (GADDIS, 2003, p.132). Além disso, esclarece que a biografia é ao mesmo tempo um exercício indutivo e dedutivo que parte dos padrões de comportamento humano que se estendem através do tempo e espaço, e da prova de uma experiência específica que disciplina o que se pode conhecer por experiências coletivas.
Nesse sentido, no âmbito da biografia não autorizada, as lacunas muitas vezes constantes e existentes, pela falta de contato direto com o biografado, cujo objetivo seria esclarecer ou suprir algumas lacunas, podem gerar distanciamentos. Esses distanciamentos, muitas vezes coloca o historiador frente ao problema da imparcialidade frente às qualidades subjetivas a que se apresenta o seu trabalho, e tendem a ponderar como caráter os elementos da personalidade que permanecem constantes.
Borges (2008), esclarece que a preocupação deve ser com o verossímil, o que considera-se possível e provável, sendo possível se fazer três tipos de colocações, quais sejam, afirmações seguras e comprovadas pelas fontes, a exemplo de contradições entre datas, devendo o historiador apresentar todas indicando sempre as fontes; pode realizar afirmações hipotéticas a partir de dados incompletos; e, usar intuições, que deve levar o historiador a usar mais da sua experiência de vida. Nesse sentido, a referida autora, esclarece que,
O tipo mais completo de uma biografia seria aquele em que o biógrafo realiza um ‘mergulho na alma’ de seu biografado, conseguindo penetrar no que veríamos como a intimidade da pessoa já desaparecida. E como se daria esse penetrar? Basicamente por meio dos documentos da ‘escrita de si’ ou de ‘produção de si’, que podem nos revelar a intimidade do biografado. Seriam esses:
• a memória ou a tradição oral familiar;
• memórias, autobiografias, ego-história, correspondência (ativa e passiva), diários;
• entrevistas na mídia (orais, escritas ou em filmes, vídeos);
• os chamados objetos da cultura material: fotos, objetos pessoais, a biblioteca etc, que alguns chamam de ‘teatro da memória’. (Borges, 2008, p. 214, grifo do autor).
Desta forma, esses elementos destacados por Borges (2008), possibilita uma escrita autêntica e fidedigna para uma biografia não autorizada a partir das fontes disponíveis.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Já se considera consenso entre os historiadores a ideia de que não há uma verdade absoluta, em face das várias versões que se pode atribuir a determinados fatos. Os historiadores têm o entendimento de que toda construção constitui uma representação sobre o passado, com base em aspectos que envolvem tempo e espaço. No caso das biografias, no mesmo contexto da representação do passado, ficou patente a impossibilidade de determinar toda a vida de um indivíduo na particularidade do seu eu. Nesse sentido, os historiadores procuram se valer de fontes históricas, tais como documentos rastros e vestígios que possam auxiliar o seu trabalho no processo de reconstrução do passado.
Deve-se levar em consideração também como o historiador deve fazer suas colocações, valendo-se das fontes históricas para afirmações seguras, hipotéticas e intuitivas, desde que sempre tente buscar evitar parcialidades na sua escrita.
As biografias não autorizadas, além de ter suas particularidades específicas, encontram barreiras no sentido de falta de contato direto com o biografado, ou a disponibilidade de outras fontes que possam contribuir para o seu texto. Mesmo assim, na maioria dos casos, as fontes disponíveis permitem que com o auxílio de metodologias que utilizem padrões de comportamento humano que se estendem através do tempo e espaço, e da prova de uma experiência específica que disciplina o que se pode conhecer por experiências coletivas, são caminhos que podem conduzir a máxima aproximação possível de uma escrita autêntica e fidedigna sobre o biografado.
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SCHMIDT, Benito Bisso. Construindo Biografias… Historiadores e Jornalistas: Aproximações e Afastamentos. Estudos Históricos, FGV, Rio de Janeiro, n. 19, 1997.
[1] Doutora em Ciência da Informação pela Universidade Federal da Paraíba. Professora do Programa de Pós-graduação em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para Inovação – PROFNIT/UFOB e do Bacharelado em Direito na Universidade Federal do Oeste da Bahia. E-mail: rosilene.sousa@ufob.edu.br.
[2] Doutor em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal da Paraíba. Professora do Programa de Pós-graduação em Ciência da informação e do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Federal da Paraíba. E-mail: marckson.dci.ufpb@gmail.com.