EDUCAÇÃO FISCAL: PUBLICIDADE DOS ATOS DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA PARA EFETIVAÇÃO DA CIDADÂNIA CONTRIBUTIVA
30 de dezembro de 2024TAX EDUCATION: PUBLICITY OF TAX ADMINISTRATION ACTS TO ENHANCE CONTRIBUTIVE CITIZENSHIP
Artigo submetido em 12 de outubro de 2024
Artigo aprovado em 30 de novembro de 2024
Artigo publicado em 30 de dezembro de 2024
Scientia et Ratio Volume 4 – Número 7 – Dezembro de 2024 ISSN 2525-8532 |
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Autor: Márcio Magliano Barbosa[1] |
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RESUMO: O presente artigo visa analisar a publicidade dos atos da administração tributária como um mecanismo de efetivação da cidadania contributiva e como forma de concretização da educação fiscal tendo o compartilhamento de informações fiscais sigilosas entre os entes da administração tributaria como um dos instrumentos de combate a evasão e sonegação fiscal e em contrapartida como um dos instrumentos de concretização da educação fiscal efetivando a participação social nos mecanismos e politicas de arrecadação de receitas, empenho de despesas e execução das politicas publicas previstas no orçamento formando a consciência da cidadania fiscal sobre a função social dos tributos os custos dos direitos e o preço de sua liberdade afim de se obter maior justiça fiscal.
Palavras Chaves: Educação Fiscal. Cidadania Contributiva. Compartilhamento de Dados Fiscais Sigilosos. Efetivação de politicas publicas e execução orçamentária. Justiça Fiscal.
SUMMARY: This article aims to analyze the publicity of tax administration acts as a mechanism for the realization of contributory citizenship and as a form of realization of tax education having the sharing of confidential tax information among the entities of the tax administration as one of the instruments to combat tax evasion and tax evasion and in return as one of the instruments for the realization of tax education making social participation in the mechanisms and policies of revenue collection, commitment of expenses and execution of public policies foreseen in the budget forming the conscience of fiscal citizenship about the social function of taxes the costs of rights and the price of their freedom in order to obtain greater fiscal justice.
Keywords: Fiscal Education. Contributory Citizenship. Sharing of Tax Secrecy Data. Effect of public policies and budget execution. Fiscal Justice.
I – INTRODUÇÃO
Atualmente muito se discute em como concretizar a educação fiscal, vale dizer, trazer a participação e aceitação da sociedade sobre os processos de arrecadação, fiscalização do pagamento de tributo e de como é crucial o seu conhecimento para o desenvolvimento do Estado e dos serviços que lhe são prestados e do impacto desta atividade nos demais setores sociais e econômicos.
Logo, se faz necessário que a Administração Fiscal utilize-se de mecanismos de conscientização e de ampla publicidade para que os contribuintes possam ter a informação sobre os processos administrativos realizados de forma clara e precisa, a fim de que este possam realmente ter ciência não só da carga tributária que lhe é imposta mas, acima de tudo, qual o emprego dos tributos pagos no exercício da atividade estatal.
Nesse interim, a publicidade dos atos administrativos tributários se torna essencial para efetivação dessa politica educacional e de cidadania fiscal, pois os contribuintes serão informados de todos os atos necessários sobre os procedimentos quanto a realização da administração tributária para arrecadação, destinação e sua fiscalização, bem como quais as sanções serão aplicadas nos casos de não pagamento dos respectivos tributos.
E é justamente, analisaremos o conceito de educação fiscal como um dos objetivos de desenvolvimento sustentável, bem como é realizada no Brasil e no mundo e o papel da publicidade dos atos públicos da administração tributária para o seu alcance, visando um maior exercício da cidadania efetiva e contributiva.
II – EDUCAÇÃO FISCAL
A educação fiscal nada mais é que um objetivo a ser atingido e que tem intima relação com a cidadania fiscal, isto é, através de um mecanismo que auxilie na sua concretização pelos indivíduos, no caso, os contribuintes.
Para tanto a Receita Federal do Brasil, conceitua a cidadania fiscal como: “um importante instrumento de conscientização da sociedade sobre os seus direitos e deveres fiscais.”
Não menos preciso, Ivan Cordeiro Lima[2], nos traz a conceituação dada pela OECD sobre o tema, bem como o objetivo da qual se resume a própria educação fiscal:
“Nesse sentido, a educação fiscal não é simplesmente uma estratégia para arrecadar mais dinheiro, nem está centrada exclusivamente em explicar por que tributos devem ser pagos. O seu objetivo é, precipuamente, promover o comprometimento com o bem comum, enfatizando o valor social dos tributos e a sua conexão com os gastos públicos, o que inclui destacar como o dinheiro público é gasto e os efeitos deletérios da sonegação e da corrupção para os países e seus cidadãos.”
Isto é, a Educação fiscal se concretiza com o conhecimento da tributação pelo contribuinte (porque devo pagar tributo?) e com isso proporcionar o aprendizado da vital importância do tributo para a realização das atividades e serviços prestados pelo Estado.
Mas também como funciona o processo de arrecadação, aplicação e fiscalização do dinheiro público buscando uma maior participação da sociedade na redistribuição da renda denominado de “socialização dos tributos.”
Para tanto, a Administração Tributária, no caso, o Fisco, deverá se utilizar das mais modernas técnicas e modelos de participação mais ativa e solidária dos contribuintes no exercício de sua cidadania e com isso buscar o cumprimento espontâneo das obrigações tributárias promovendo a aceitação social do tributo (integro o Estado, pago tributo) e o desenvolvimento da moral tributária (repúdio à práticas elisivas e de sonegação tributária) e assim, atingir e concretizar a educação fiscal pelo exercício da cidadania.
III – A EDUCAÇÃO FISCAL NO BRASIL
A estratégia tradicional de utilizar instrumentos coercitivos contra os contribuintes (controle e sanção) para fazê-los cumprir suas obrigações fiscais é bastante custosa, tanto para os contribuintes quanto para as administrações fiscais, além de ter grau de eficiência relativamente baixo.
Por essa razão, uma alternativa mais promissora tem sido a ampliação da educação fiscal, no sentido de convencer os contribuintes a respeito das vantagens, para a qualidade e quantidade de bens e serviços públicos, que podem resultar do cumprimento das obrigações fiscais.
Logo, tem se mostrado de grande importância o investimento por parte dos Estados e suas administrações tributárias, em programas educacionais em que a ideia de cidadania seja baseada em direitos e responsabilidades sobre as relações tributárias com o fito de estimular a participação da sociedade nos processos de construção das relações entre o Estado e os seus cidadãos/contribuintes.
E no Brasil não poderia ser diferente, desde 1999, está em funcionamento o Programa Nacional de Educação Fiscal (PNEF) tendo como um dos seus gestores da própria Receita Federal do Brasil, e que tem como objetivo incentivar a participação do cidadão no funcionamento e aperfeiçoamento dos instrumentos de controle social e fiscal do Estado e visando trabalhar com temas em que o tributo ele pode ter um forte fator de influencia e de redução das desigualdades sociais, tais como: a função social dos tributos; qualidade dos gastos públicos; orçamento público (inclusão do orçamento participativo); combate a sonegação, contrabando e descaminho, pirataria entre outros visando a aproximação do cidadão do Estado Fiscal.
E para operacionalizar essa politica, o PNEF, no ano de 2002, instituiu grupos de trabalho para operacionalização da Educação Fiscal, a níveis federais, estaduais e municipais e tendo como participantes deste grupo – que se encontram junto a Receita Federal – os seguintes órgãos participantes: Ministério da Educação; Ministério da Fazenda, representado pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB); Secretaria do Tesouro Nacional (STN); Escola de Administração Fazendária (Esaf), recentemente incorporada pela Enap.; Secretarias Estaduais de Educação e Fazenda.
Além desses, outros órgãos parceiros na implementação dessas atividades: Ministério do Planejamento; Orçamento e Gestão, através da Secretaria de Orçamento Federal (SOF); Controladoria-Geral da União (CGU), por intermédio da Diretoria de Combate à Corrupção e Ações Estratégicas; Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
No mais, o programa dedica-se a implementar a educação fiscal em todos os níveis do sistema de ensino (fundamental, médio e superior), repartições públicas, objetivando aprimorar, ao máximo, a moralidade fiscal dos cidadãos e principalmente a consciência de que ele é a engrenagem principal para o aperfeiçoamento de nossa sociedade.
Portanto, a educação fiscal possui importante papel no desenvolvimento da consciência fiscal, virtude imprescindível para qualquer nação que pretenda o bem-estar de seus integrantes, no caso os cidadãos, tendo conhecimento de seus direitos e deveres com o Estado fiscal e com isso, exigir a utilização dos recursos orçamentários de forma adequada e condizente e ao final, podendo ter justiça fiscal.
IV – OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO FISCAL
Invariavelmente, a educação fiscal enfrenta obstáculos de limitação de tempo, dinheiro e recursos humanos. Especialmente em momentos de instabilidade social ou crises econômicas das mais variadas formas, qual atualmente, onde se verifica umas restrições orçamentárias mais acentuadas, e que são tomadas como uma estratégia de conter a crise.
E há outros Estados que não implementam tais medidas, por acharem que são irrelevantes, pois acredita-se que há uma dificuldade de mensurar a relação de causalidade entre essa temática educacional e a mudança de comportamento dos contribuintes.
V – DA PUBLICIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS TRIBUTÁRIOS
Um dos princípios constitucionais da administração pública e consequentemente da própria administração tributária, é o da publicidade insculpida no caput do artigo 37.
No mais, a própria constituição em seu artigo 5º, LX/CF, informa que todos os atos administrativos ou processuais, serão públicos, salvo os casos em que a lei restringir a sua publicidade.
Logo percebe-se que a administração é obrigada a dar publicidade a todos os seus atos e garantir o livre acesso aos documentos dos atos por ela praticados.
Nas palavras de Hely Lopes Meirelles[3]:
“A publicidade, como princípio de administração pública (CF, art. 37, caput), abrange toda atuação estatal, não só sob o aspecto de divulgação oficial de seus atos como, também, de propiciação de conhecimento da conduta interna de seus agentes. Essa publicidade atinge, assim, os atos concluídos e em formação, os processos em andamento, os pareceres dos órgãos técnicos e jurídicos, os despachos intermediários e finais, as atas de julgamentos das licitações e os contratos com quaisquer interessados, bem como os comprovantes de despesas e as prestações de contas submetidas aos órgãos competentes. Tudo isto é papel ou documento público que pode ser examinado na repartição por qualquer interessado, e dele pode obter certidão ou fotocópia autenticada para os fins constitucionais.”
Assim, comprova-se, então, via de regra, que o julgamento do processo administrativo tributário é público. Em contrapartida, nos processos que correm em segredo, o acesso ao seu julgamento é permitido somente às partes interessadas.
Ademais, as regras de publicidade dos atos administrativos pública também são extensíveis a administração tributária, uma vez que inexiste lei que afirme a sua restrição e assim, por mais uma vez, presumindo que o julgamento dos atos administrativos é público, conforme se retrata no disposto do artigo 195/CTN:
Art. 195. Para os efeitos da legislação tributária, não têm aplicação quaisquer disposições legais excludentes ou limitativas do direito de examinar mercadorias, livros, arquivos, documentos, papéis e efeitos comerciais ou fiscais, dos comerciantes industriais ou produtores, ou da obrigação destes de exibi-los.
Some-se a isso que tal publicidade é corroborada pela Lei de Execução Fiscal quando da cobrança do crédito tributário, com a constituição do crédito tributário, após finalização do processo administrativo, verifica-se que a publicidade não é restringida, mas é explicita:
Art. 41. O processo administrativo correspondente à inscrição de Dívida Ativa, à execução fiscal ou à ação proposta contra a Fazenda Pública será mantido na repartição competente, dele se extraindo as cópias autenticadas ou certidões, que forem requeridas pelas partes ou requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério Público.
Parágrafo único. Mediante requisição do juiz à repartição competente, com dia e hora previamente marcados, poderá o processo administrativo ser exibido, na sede do juízo, pelo funcionário pra esse fim designado, lavrando o serventuário termo de ocorrência, com indicação, se for o caso, das peças a serem transladadas.
VI – SIGILO DAS INFORMAÇÕES DA FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA
Agora, partindo-se de uma analise primária, é possível entender-se que uma das etapas do processo administrativo tributário, no caso, a apuração, é uma etapa deste processo que possui natureza sigilosa, não é em razão da matéria tributária, mas acima de tudo de um sigilo funcional por partes dos Auditores Fiscais que, nos procedimentos de apuração tributários, devem guardar o dever de sigilo, conforme disposto do art.198/CTN:
Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de qualquer informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira dos sujeitos passivos ou de terceiros e sobre a natureza e o estado dos seus negócios ou atividades.
Logo, diante do postulado acima precisamos discernir que com a constituição do crédito tributário não se pode ser considerado que o processo tributário seja considerado um processo de natureza sigilosa, pois, se o assim for, o mesmo estará em dissonância com os próprios ditames constitucionais supracitados.
Para tanto, a fim de que não se estabeleça a confusão, é importante distinguir a publicidade do processo administrativo tributário do sigilo das informações dos contribuintes.
Primeiro porque, a regra é de que os atos processuais administrativos e tributários sejam públicos, cabendo a lei infraconstitucional restringir a sua publicidade ou quando, por decisão da autoridade competente, se demonstrar necessário para não causar danos as partes envolvidas.
Segundo porque, a regra insculpida no art.195/CTN, visa a realização dos procedimentos de fiscalização pelos agentes tributários que terão livre acesso aos dados e documentos fiscais do contribuinte fiscalizado, devendo as informações obtidas manter-se em sigilo para não prejudicar eventual procedimento de fiscalização:
Nesse sentido, afirma Ricardo Abdul Nour[4]:
“Em última análise, embora muitas vezes utilizado no mesmo sentido, o sigilo de que trata o dispositivo é funcional e não fiscal, ou seja, o agente deve manter sigilo sobre as informações que objete para atingir seu fim (que é apurar o tributo devido), e não manter sigilo sobre o próprio tributo apurado.”
Logo, podemos concluir que, o sigilo fiscal e a publicidade do processo administrativo fiscal/tributário, coexistem harmonicamente, já que o sigilo é norma direcionada aos agentes fiscais que irão determinar os fatos que gerará o crédito tributário e a outra é publicidade dos processos administrativos e judiciais tributários a qual já há a constituição do crédito tributário já que é com relação a estes – crédito tributário – que a publicidade está relacionada.
VII – DO COMPARTILHAMENTO DE INFORMAÇÕES SIGILOSAS DO PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO
Recentemente, em 04/12/2019, houve o polêmico julgamento proferido pela 1ª turma do STF, ao julgar as ações diretas de inconstitucionalidade sobre o artigo 6º da LC 105/2001 sobre o compartilhamento de informações fiscais com órgãos de investigação criminal sem autorização judicial e que tal prática ensejaria quebra de sigilo fiscal.
Em contrapartida, o Pretório Excelso entendeu ser constitucional, não a quebra do sigilo, mas a transferência de informações sigilosas no âmbito da administração tributária para órgãos de investigação criminal e sendo fixada a tese de repercussão geral – Tema 990, e tendo sido proferida decisão, nos seguintes termos:
1 – É constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF e da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil, que define o lançamento do tributo, com os órgãos de persecução penal, para fins criminais, sem a obrigatoriedade de prévia autorização judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional.
2 – O compartilhamento pela UIF e pela Receita Federal do Brasil, referente ao item anterior, deve ser feito unicamente por meio de comunicações formais, com garantia de sigilo, certificação do destinatário e estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de eventuais desvios.
Tal decisão, por sua vez, concretiza a publicidade dos atos administrativos do processo tributário e contribui para a concretização da Educação Fiscal, qual seja, o inicio do desenvolvimento da moral tributária (repúdio à práticas elisivas e de sonegação tributária) dando maior alcance, força e robustez de investigação quanto as sonegações e crimes fiscais e com isso, melhorando os seus mecanismos de repressão e fiscalização.
Ademais, não devemos nos esquecer que é dever dos órgãos de fiscalização tributária quando do julgamento do processo administrativo fiscal (PAF) ao constatar a existência de eventual prática de crime contra à ordem tributária de comunicar as autoridades competentes – Ministério Público – sobre o crime e da exigência do crédito tributário.
É o que afirma, o artigo 83 da Lei 9.430/1996:
Art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributáriaprevistos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.
§ 1º Na hipótese de concessão de parcelamento do crédito tributário, a representação fiscal para fins penais somente será encaminhada ao Ministério Público após a exclusão da pessoa física ou jurídica do parcelamento.
§ 2º É suspensa a pretensão punitiva do Estado referente aos crimes previstos no caput, durante o período em que a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal.
§ 3º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.
§ 4º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no caput quando a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento.
§ 5º O disposto nos §§ 1o a 4o não se aplica nas hipóteses de vedação legal de parcelamento.
§ 6º As disposições contidas no caput do art. 34 da Lei no 9.249, de 26 de dezembro de 1995, aplicam-se aos processos administrativos e aos inquéritos e processos em curso, desde que não recebida a denúncia pelo juiz.
No mesmo sentido afirma o STF que “antes de constituído definitivamente o crédito tributário não há justa causa para a ação penal.” Tanto que cristalizou esse entendimento, na seguinte súmula vinculante:
Súmula Vinculante 24: Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.
VIII – CIDADÂNIA CONTRIBUTIVA E SUA EFETIVAÇÃO
A cidadania contributiva é uma ideia pós moderna da cidadania ativa e participativa e uma das vertentes da base social da politica idealizada pelo filósofo francês Augusto Conte, tem como objetivo o desenvolvimento da ideia do dever fundamental de pagar tributos para manutenção do Estado Democrático de Direito e para o implemento e realização de suas politicas públicas e sociais (se integro o Estado, devo pagar tributo).
Logo, a cidadania contributiva, demonstra um verdadeiro trato de solidariedade e para que se preserve a Democracia estatal, a solidariedade tributária e um ponto de sustentabilidade do Estado Democrático de Direito brasileiro.
Nesse sentido, Marcus Abraham[5] afirma que, durante muito tempo, houve uma complacência da sociedade com praticas de sonegação, contrabando, corrupção, malversação ao erário e demais formas de desvio de recursos públicos praticados pelos governantes gerando um período de irresponsabilidade fiscal que, de forma positiva, vem sendo paulatinamente combatida.
Isto é, evidencia-se o amadurecimento da democracia social no seu viés fiscal, aproximando o ideal republicano e de conscientização de seus direitos e da importância da função social dos tributos e a da participação da sociedade dos processos de elaboração e execução dos recursos orçamentários de forma ativa, chamado de cidadania fiscal.
E, nas palavras de Paulo Bonavides[6]:
“O conceito contemporâneo de cidadania se estendeu em direção a uma perspectiva na qual cidadão não é apenas aquele que vota, mas aquela pessoa que tem meios para exercer o voto de forma consciente e participativa. Portanto, cidadania é a condição de acesso aos direitos sociais (educação, saúde, segurança, previdência) e econômicos (salário justo, emprego) que permite que o cidadão possa desenvolver todas as suas potencialidades, incluindo a de participar de forma ativa, organizada e consciente, da construção coletiva no Estado democrático.”
Para isto, é importante incutir nos futuros cidadãos o conhecimento da Educação Tributária, com a esperança de um despertar para este tema e assim dando a ela efetividade.
O assunto, um tanto contemporâneo, cada vez mais se encontra despertado e controvertido para o povo brasileiro, que cada vez mais, questiona acerca da elevada carga tributária brasileira, asseverando possui além de desarrazoada, uma das piores redistribuições de riquezas do mundo, assim como péssimas condições para o desenvolvimento de suas capacidades, uma vez que este busca recursos financeiros através de um sistema tributário confuso e injusto, que atinge um superávit primário que se situa acima dos trinta pontos percentuais do PIB, e que seus cidadãos acabam por não poder usufruir pelo menos de um eficiente sistema de saúde, saneamento, educação, previdência, assistência social e segurança Pública.
Tanto é, que a Constituição da Republica Federativa do Brasil encampou em seu art. 145, §1º, o principio tributário da capacidade contributiva, que não deixa de ser uma limitação ao poder de tributar, como também é a expressão implícita da cidadania contributiva no texto constitucional:
Art.145. (…).
§ 1º – Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
Dito isto, a Constituição de 1988, termina por externar os elementos da Cidadania contributiva no art. 150, II, quando prescreve sobre a igualdade tributária, in verbis:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;
Desta feita, a Cidadania contributiva é requisito singular para a sustentabilidade e manutenção do Estado Democrático de Direito, bem como dos valores constitucionais e direitos fundamentais.
Entretanto de nada adiantaria o comprometimento da Constituição Federal para a Sociedade se ela não revelar mecanismos hábeis a concretizar não só a cidadania contributiva (solidariedade tributária) mas também as politicas públicas financiadas pelos tributos, conforme as lições de Casalta Nabais: “estado cujas necessidades financeiras são essencialmente cobertas por impostos.”[7]
Ou seja, o dever fundamental de pagar tributos surge com a própria noção moderna de cidadania e é reflexo da própria a ideia de Estado de Direito.
Evolve assim, o tributo como dever fundamental estabelecido na Constituição transcendendo o conceito de mera obrigação prevista em lei, posto que assume dimensão constitucional. Isto é o “…dever de pagar tributos é correspectivo à liberdade e aos direitos fundamentais.”.[8]
Desta feita, surge o questionamento. Como dar efetividade a cidadania contributiva?
Ora, diante de tudo que foi dito acima, verifica-se que o implemento de politicas públicas sobre a conscientização e educação fiscal seja um dos instrumentos mais eficazes para a concretização e efetividade da cidadania contributiva, haja vista que tendem a criar no amago dos cidadãos e portanto, dos contribuintes, a necessidade e a vontade de participar das medidas adotadas pelo Estado Fiscal e com isso concretizar o estado democrático de direito e a do comprometimento destes de seus deveres e obrigações tendo como um dos mandamentos do exercício de sua cidadania o dever de pagar tributo.
E esta cidadania contributiva, ou melhor, participativa, nas finanças publicas, denominada cidadania fiscal, expressa-se por meio de previsões legais que permitam o conhecimento e envolvimento do cidadão ora contribuinte em todos os fatores relacionados a sua arrecadação, realização de despesas, formação de receitas e com isso ter a concretude dos custos do Estado, dos custos de seus direitos e acima de tudo, o preço de sua liberdade.
Vale dizer, para sustentabilidade de um Estado Democrático, nas palavras de Amartya Sen [9]: “o individuo deve ser visto hoje, como agente de transformação e não apenas como destinatário passivo de bens públicos. Ou seja, deve o nacional ser cidadão contribuinte.”
E por fim recordando que a noção de pacto social do qual o cidadão é integrante e peça fundamental dos custos das engrenagens sociais de por onde se originam os seus direitos e a existência e uso de sua liberdade, deve ser realizada ativamente desde a formação das politicas publicas ate a sua execução por meio de controle e fiscalização da execução orçamentária.
IX – CONCLUSÕES
Portanto, diante de tudo que foi dito, verifica-se que o dever fundamental de pagar tributos deriva da noção moderna de Estado Democrático de Direito e que os mesmos são essenciais para a manutenção do exercício da cidadania e dos direitos fundamentais e, deste modo, verifica-se que os processos administrativos fiscais possuem índole constitucional devendo os seus atos serem públicos e que o sigilo das informações fiscais não está relacionado com a matéria tributária mas acima de tudo, com o sigilo funcional dos auditores fiscais quando dos procedimentos de fiscalização e apuração, e que se comprova ainda mais com o recente posicionamento de nossa Suprema Corte que admite o compartilhamento de informações fiscais com os órgãos de investigação criminal e que isso não seria considerado quebra de sigilo, mas mecanismo de efetividade na busca de combate a sonegação e evasão fiscal um dos objetivos da educação fiscal e assim, demonstrando mais uma vez que o processo administrativo fiscal é público.
Ademais, a capacidade contributiva em nossa atual noção de Estado não só democrático, mas também de Estado Fiscal, demonstra ser uma forma efetiva de concretização da Educação Fiscal que visa criar politicas de educação e de conscientização, num novo modelo de cidadania ativa e passiva, do porque o cidadão deve pagar tributos posto que são necessário a própria manutenção do Estado e das politicas publicas por ele implementadas – isto é – é incutir na mente dos cidadãos que eles devem participar do processo fiscal e da importância do valor social dos tributos.
REFERÊNCIAS
ABRAHAM, Marcus. Curso de Direito Financeiro Brasileiro. 5 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2018.
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário., 14 ed., Salvador: JusPodivm, 2020.
GUASTI, Rogério Wanderley. Cidadania Contributiva – Um Dever de Sustentabilidade do Estado Democrático de Direito.
HOLMES, Stephen e SUNSTEIN, Cass. R. O Custo dos Direitos: Por que a liberdade depende dos impostos. São Paulo: Martins Fontes. 2019.
LIMA, Ivan Cordeiro. Educação Fiscal para a Cidadania, São Paulo: Egesp, 2019.
LOSS, Marianna Martini Motta. O dever fundamental de pagar impostos como meio de efetivação dos direitos sociais. Âmbito Jurídico.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros: São Paulo, 1996.
NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Livraria Almedina, 1998
NOUR, Ricardo Abdul. Comentários ao Código Tributário Nacional. Saraiva: São Paulo, 1998.
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução Laura Teixeira Mota. 3ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
TORRES, Ricardo Lobo. A cidadania multidimensional na era dos direitos. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
PNEF. Função Social dos Tributos/Programa Nacional de Educação Fiscal. 3ª ed. Brasília: ESAF. 2008.
Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988.
Lei 5.172/1966, Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Código Tributário Nacional. Legislação. Planalto.
Lei 6.830/1980, Dispõe sobre a cobrança judicial da Divida Ativa da Fazenda Pública, e dá outras providencias. Lei de Execução Fiscal. Legislação. Planalto.
Lei 9.430/1996, Dispõe sobre a legislação tributária federal, às contribuições para a seguridade social, o processo administrativo de consulta e dá outras providencias. Lei do Lucro Presumido. Legislação. Planalto. STF, RE 1055941, Repercussão Geral Tema 990. Julgado em 04/12/2019. DJU STF.
[1] Advogado e Consultor Jurídico. Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifica Universidade Católica – PUCSP e em Direito do Consumidor e Tutelas Coletivas pela Escola Superior da Advocacia de São Paulo – ESA/SP. Mestrando em Direito.
[2] Lima, Ivan Cordeiro. Educação Fiscal para a Cidadania, São Paulo: Egesp, 2019. 74p.
[3] Meirelles, Hely Lopes, “Direito Administrativo Brasileiro”, Malheiros: São Paulo, 1996.
[4] Nour, Ricardo Abdul, “Comentários ao Código Tributário Nacional”, Saraiva: São Paulo, 1998.
[5] Abraham, Marcus; Curso de direito financeiro brasileiro, 5. Ed., Rio de Janeiro: Forense, 2018, p.62-63.
[6] Bonavides, Paulo; Miranda, Jorge; Agra, Walber de Moura. Comentários à Constituição Federal de 1988, Rio de Janeiro: Forense, 2009, p.7.
[7] NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Livraria Almedina, 1998, p.192
[8] TORRES, Ricardo Lobo. A cidadania multidimensional na era dos direitos. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p.318.
[9] SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução Laura Teixeira Mota. 3ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p.181.